quarta-feira, 4 de março de 2009

MIMA

A voz do outro lado do telefone estava revoltada, porque uma macaca, dizia ela, mordera a criança de seis anos, filho dela; e a bicha era uma fera, enchia o saco de todo mundo no Alto Leblon, entrava nas casas pra roubar comida, infernizava os cachorros etc etc etc. Problema sério, talvez o maior do bairro no momento.

Três telefonemas depois, a macaca já tinha nome, Mima, história e sentença. Apesar de alimentada por moradores da área, era culpada. De roubo, invasão de domicílio e agressão a uma criança de seis anos. A arte da matéria retratou a bicha com dentes de vampiro e olhar diabólico e assim ela saiu no jornal, o que motivou outro telefonema, mais revoltado do que o primeiro.

Porque aquilo era uma injustiça, a macaca era ótima, dizia a senhora de idade, que dava ovo, banana, amendoim e milho pra Mima, todo dia. E ela era mansa, só tinha mordido o garoto porque aqueles meninos, uns demônios, ficavam atirando pedras na coitada; e se o Ibama aparecesse pra levar ela embora, iam ver só. Ia descer todo mundo na rua pra impedir.

Em nova leva de telefonemas, surge a origem da macaca no Leblon, novos nomes para ela e uma denúncia grave. Um roubo, de uma arma branca. Mas a segunda matéria é totalmente favorável à Mima, um libelo pela liberdade dos animais silvestres, pela convivência pacífica entre as espécies, apenas com um aviso sutil no fim. Afinal de contas, alguém denunciara um roubo, de uma arma branca.

Abaixo, as duas matérias.

Jornal do Brasil, edição de quinta-feira, 12 de setembro de 1996

“Meu filho aproximou-se da macaca porque ela estava na calçada e, sem ter feito nada, foi atacado. Ela arranhou e mordeu a perna dele”.

Uma macaca-prego, com menos de 60 centímetros de altura, vem acabando com a paz num dos locais mais tranqüilos do Rio. “Moradora” do Alto Leblon e conhecida pelos “vizinhos” das ruas Sambaíba e Timóteo da Costa, a macaca já atacou um menino de 6 anos e tem o hábito de invadir casas da região para roubar comida. Apesar dos transtornos que costuma causar, conquistou a simpatia de alguns moradores, que a alimentam com frutas e biscoitos.
Apelidado de “Mima”, o animal pertencia a uma antiga moradora da Rua Sambaíba, que se mudou há cerca de três anos e não o levou. “Mima” continuou na Sambaíba, sem incomodar ninguém, até ser expulsa por uma obra no terreno da casa onde costumava se esconder. Desde então, tem sido vista com mais freqüência no Leblon, nas redondezas do número 149 da Rua Timóteo da Costa.
No último dia 30, a macaca atacou Ricardo, de 6 anos, quando o menino voltava da escola. “Meu filho aproximou-se da macaca porque ela estava na calçada e, sem ter feito nada, foi atacado. Ela arranhou e mordeu a perna dele”, conta a comerciante Patricia Marcondes, de 36 anos, moradora do número 215 da Timóteo da Costa. Patricia chegou a pedir que o Ibama tomasse alguma providência em relação ao animal, mas não obteve resposta. “Tenho ligado diariamente pra lá, mas eles não fazem nada”, protesta.
Sem ser incomodada, “Mima” continua exercitando sua ousadia pelas casas do Leblon. Um de seus passatempos prediletos é invadir o apartamento do diretor de fotografia Luís Paulo Peixoto, no quarto andar do número 91 da Sambaíba. “Ela aparece de vez em quando na varanda, para roubar a comida do meu cachorro, e causa um tumulto enorme. Fica a macaca gritando de um lado e o cachorro latindo do outro”, conta Luís Paulo.
De acordo com o biólogo Valdir Ramos Júnior, da Fundação Rio Zôo, o macaco-prego é uma espécie comum na Mata Atlântica e costuma alimentar-se de frutas. “Chega a ser comum a criação dessa espécie em residências. Mas seus dentes são muito grandes e uma mordida certamente causa problemas sérios”, explica o biólogo.
A atual casa da macaca-prego do Leblon fica ao lado de uma produtora de vídeo, onde “Mima” já é mais do que conhecida. “Trabalho aqui há um ano e sempre vi essa macaca. Quem está há mais tempo no bairro diz que ela é antiga na área. Muita gente a alimenta, mas ninguém é dono dela”, diz a secretária da produtora, Lúcia Cosenza, de 31 anos.
Alimentada por uns e odiada por outros, o certo é que “Mima” não deverá desfrutar da vida de moradora de um dos bairros mais valorizados do Rio por muito tempo. “Na sexta-feira (amanhã) vamos deslocar um carro para recolher a macaca”, garantiu, ontem, o chefe de Fiscalização do Ibama, Luís Antônio Ferreira.

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Jornal do Brasil, edição de sábado, 14 de setembro de 1996

“Toda a rua está de sobreaviso. Se o Ibama chegar, vamos descer e impedir que levem a macaca. Ela é mansa e só mordeu o garoto porque os meninos costumam jogar pedras nela”.

Uma campanha de moradores do Alto Leblon pode fazer com que o Instituto Brasileiros de Recursos Naturais e Renováveis (Ibama) desista de recolher a macaca-prego que há sete anos habita um dos bairros mais prestigiados do Rio. Denunciada pela comerciante Patricia Marcondes – que teve o filho arranhado pelo animal –, a macaca seria recolhida pelo Ibama ontem, mas os técnicos do instituto preferiram reavaliar a situação.
Enquanto o Ibama decide se recolhe ou não o animal, os ecologistas de ocasião do Alto Leblon se mobilizam para defender a “vizinha” contra os moradores que não agüentam mais a ousadia da macaca, também acusada de invadir casas para roubar comida e objetos. “Toda a rua está de sobreaviso. Se o Ibama chegar, vamos descer e impedir que levem a macaca. Ela é mansa e só mordeu o garoto porque os meninos costumam jogar pedras nela”, diz Lia Machado Portela, 73 anos, moradora do número 179 da Cortes Sigaud, que alimenta a macaca diariamente com ovos, banana, milho e amendoim.
Além de colecionar simpatizantes e desafetos, a macaca-prego do Leblon é pródiga em nomes. Mima, Chiquinha e Monkey são apenas alguns dos apelidos que ganhou ao longo dos sete anos de convivência com os “vizinhos”. A primeira moradora da área a batizar o polêmico animal foi a psicoterapeuta Márcia Gruber, de 54 anos, dona da primeira casa da macaca no Leblon, no número 68 da Rua Sambaíba. “Nós a chamávamos de Monkey (macaco em inglês). Ela ficava no forro do sótão da casa e convivia perfeitamente conosco e com nossos cachorros. Depois, mudamos para um apartamento e ela ficou sem ter para onde ir”, conta.
Apesar da simpatia que angariou junto a moradores como Lia, Monkey não é acusada apenas por perturbar a ordem no Alto Leblon. “Ela já invadiu meu apartamento várias vezes e roubou um canivete do meu filho, que até hoje não consegui recuperar”, denuncia a empresária Márcia França Gomes, de 46 anos, moradora do número 215 da Timóteo da Costa. A assessoria de imprensa do Ibama informou ontem que o instituto ainda está estudando o que fazer com a macaca-prego mais famosa da zona sul carioca. Enquanto isso, ela continua a circular pelo Leblon, e agora pode estar armada.