quinta-feira, 28 de maio de 2009

LOTOCRACIA

A entrevista tinha sido marcada pelo próprio. Era a voz dele no telefone, inconfundível, concordando com a hora e o local, Rua Alegrete, porque ele tinha nascido em Alegrete, no Sul. Mas o interfone foi tocado com certa insistência, quatro vezes, duas mais longas, e nada do cara responder. Eis que chega outro morador do prédio, abre o portão eletrônico e os toques passam a ser na campainha da porta do apartamento. Dois, três, o terceiro duplo, e ouve-se a voz dele ao fundo, inconfundível.

Já vai.

Pereio vestia algo entre bermuda e pijama, havaianas das antigas e camisa social branca, de manga curta, aberta até o umbigo. Vinha de uma temporada de três anos em Olhos D’Água, pequena e pacata cidade do interior de Goiás. Foi pra lá, como disse na entrevista, para “atingir a temperança”. E disse isso com essa cara aí embaixo, à esquerda, de uma das quatro fotos que ilustraram a matéria

Aliás, o cara disse coisa à beça em uma hora de conversa, e como era para uma revista de celebridades – e o espaço dado a gente como Pereio nesse caso não é grande –, muita coisa acabou cortada. Ficou de lado, por exemplo, a sugestão dele para reformular radicalmente o sistema político-eleitoral do País. Na opinião do cara que traçava a Sônia Braga em Dama do Lotação – e falava pro Nuno Leal Maia, marido dela, que só tinha ele no mundo como amigo – a solução para o Brasil era a Lotocracia. A Presidência decidida por sorteio.

O sujeito dá uma cagada e vira presidente da República, resumiu, sucinto, sem se alongar sobre o tema, com a cara da foto aí em cima, à esquerda, e das outras duas ali embaixo, depois de atingir a temperança.

Com vocês, Paulo César Pereio.

Revista Istoé Gente, edição número 107, de 20 de agosto de 2001

"Atingi a temperança. Voltei a ser normal. Fui muito desmedido e, com a idade, o corpo não agüenta os exageros. Deixei de ser um adolescente senil".

Ator de 63 filmes e com 43 anos dedicados ao teatro, Paulo César Pereio, 60, nunca fez mais do que participações esporádicas na tevê. Sua última participação foi em 1997, em Hilda Furacão, na Rede Globo. De volta à emissora na minissérie Presença de Anita, Pereio quer mudar esta estatística. Depois de uma temporada de três anos em Goiás, para superar uma confessa tendência ao exagero, seja com drogas, álcool e até comida, o ator diz ter atingido o equilíbrio. Nada que o impeça, contudo, de reativar sua metralhadora giratória. Expulso em abril da peça Hamlet – que está em cartaz em São Paulo – sob a acusação de assediar uma atriz, o ator critica Diogo Vilela, protagonista e produtor do espetáculo. “Ele não quer que tenha um cara fazendo sombra a ele”, diz Pereio, pai de Lara, 28, Tomás, 22, João, 17, e Gabriel, sete.


A volta à tevê é definitiva?
Meu problema era mais com novela. Em alguns casos era quase como servir o Exército. Oito meses tendo de estar maquiado às 7h. Hoje há condições melhores. Mas prefiro fazer personagens de impacto com uma permanência não muito superlativa, como em Presença de Anita. Se o cara não está na “Grobo”, está morto. Duas vezes por semana passa filme meu no Canal Brasil, então eu estou no cinema. Picasso morreu, mas se fizerem uma exposição, a arte dele vai estar lá.

Você prefere fazer teatro?
Às vezes é uma lenha, como agora com o Diogo Vilela e o Marcus Alvisi (diretor de Hamlet), uma turma que não tem nada a ver. Vi opiniões da Bárbara Heliodora (crítica de O Globo), do José Celso Martinez Corrêa, dizendo que minha estatura artística era muito superior à deles. Isso incomodou os caras. Fui expulso da peça como tarado. Deixei gravada uma brincadeira na secretária eletrônica de uma atriz (Rita Elmor), falei: “Tara, você é minha tara”. Ela se queixou com o Diogo dizendo que tinha medo de mim. Isso serviu de pretexto para me chutarem. O Diogo não quer um cara que faça sombra a ele.

Mas o que acontecia?
Quando eu fazia o Fantasma, ele ficava um pouco chateado e reclamava que eu não olhava pra ele. Toda hora tinha piti. E aí teve esse episódio estranho. Queria convidar o pessoal para assistir a um filho meu, o João, numa peça. Telefonei para a menina. Há dois meses a gente convivia e nunca faltei com respeito. Ela trabalhava na Globo, tem filho, não é ingênua. Deixei gravada a brincadeira. Agora ela deve estar arrependida e sabe que foi usada. O Diogo não estava agüentando. E os caras não iam dizer: “Ô Pereio, você tá fazendo muito bem, piora aí”. Quando fui expulso não argumentei nada. Mas fiquei um pouco aliviado. Estava me sentindo um estranho no ninho.

Por que se isolou três anos em Goiás até voltar ao Rio para fazer Hamlet?
Morava em Olhos D’Água, uma cidade a 90 quilômetros de Brasília. Queria uma vida mais equilibrada. Se você quer evitar as drogas, álcool, continuar vivendo em situações que te seduzam para isso não é muito inteligente. Fui para lá atingir a temperança. Tenho tendência ao exagero. Sou uma pessoa extremada, até para comer.

Você parou de beber e de usar drogas?
Atingi a temperança. Voltei a ser normal. Fui muito desmedido e, com a idade, o corpo não agüenta os exageros. Deixei de ser um adolescente senil. Durante a peça, forcei a barra para ficar abstêmio. Exagerei no bom comportamento. Com a expulsão tive uma pequena crise alcóolica. Tirei um pouco a válvula da panela de pressão. Meu filho, João, ficou preocupado e procurou o Antônio Pedro (ator), o Hugo Carvana e o Tunga (artista plástico). O plano era me internar em São Paulo. Quer dizer, era seqüestro. Achei engraçado o Antônio Pedro dar uma dessa porque ele estava no elenco da peça e viu que eu não estava maluco. O Carvana estava começando um filme. Pô, se ele estava preocupado, tinha personagem à beça pra eu fazer no filme dele.

Como foi colocar um marcapasso?
Tive um bloqueio no coração. Botei o marcapasso e voltei a ser normal. Foi há dois anos e até agora nem examinei. Se por acaso começar a baquear eu vou lá e troco por outro. É um geradorzinho.

Como se relaciona com sua ex-mulher, Cissa Guimarães, depois que passou oito dias preso por não pagar pensão, em 1994?
Foi uma declaração de amor dela. Foi ciúme. Eu tinha engravidado outra mulher. Me botar na cadeia foi uma manifestação. Foi só falar bem e ela abriu a cela logo, a chave estava com ela. Eu não ia pagar mesmo.

Pretende se casar de novo?
Não, não sou bom nisso. Há cinco anos namoro uma cientista da Fundação Oswaldo Cruz. Ela tem o filho dela, eu tenho os meus. Moramos no mesmo prédio, mas ela na casa dela, e eu na minha.