sexta-feira, 17 de julho de 2009

PEQUENO TRECHO DO XARÁ

Cada rapaz que escreve, pelo tempo, tem-se na conta de um ser privilegiado e que se faz respeitar. Cada sonêto que publica ou cada conto que assina eleva-o do solo, mais um palmo. E é por isso que êsse semideus das letras divide os literatos freqüentadores da Garnier em dois grupos distintos: o das bêstas e o dos gênios. Bêstas são os desprezíveis sêres que a opinião pública consagra, por estupidez ou engano, e que a Academia engole. Gênios, as vítimas dos erros dessa mesma opinião e da estultícia acadêmica, os que se julgam roubados no conceito público, sem admiradores, sem leitores ou sem nome, mas com um enormíssimo talento... Como, porém, as bêstas mantenham sobre os gênios idéias inteiramente diferentes, gênios e bêstas vivem num completo desentendimento, latejando rancores, a desmanchar, por vêzes em mentidos sorrisos, hostilidades tenebrosas.
(...)
O gênio, em geral, usa o cabelo crescido, caindo sôbre a gola do casaco, as botinas cambaias, roupa sovada e gravata borboleta. Anda quase sempre sem punhos e traz a barba por fazer. Isso por fora. Por dentro um resplandecer de coisas escovadas e brunidas. Adora o luar e a giribita. Deve o quarto em que mora, a pensão onde come... Recolhe à casa de madrugada e, com freqüência, berra pelas rodas em que anda, alto, para que todos ouçam, esta frase que em sua bôca tem foros de um clichê:
- Nós, os boêmios!...

Luiz Edmundo, O Rio de Janeiro do meu tempo

No caso, o tempo de Luiz Edmundo - historiador com texto de cronista - englobava a última década do século 19 e a primeira do 20. Entre as "bêstas" da época estavam Joaquim Nabuco, Olavo Bilac e a maior de todas elas: Machado de Assis. Já os "gênios" mudaram um pouco o figurino, aposentaram a gravata borboleta e continuam andando por aí, até hoje. Alguns acabam se dando bem, outros nem tanto, o que não tem nada a ver com a matéria aí embaixo, que é outra história, ou não, já que se trata de livro, também, e de escritor, a saber somente se é gênio ou besta.

Revista Incrível, edição 46, de agosto de 1996

"O fato é que ele teve o mérito de juntar o quebra-cabeças da evolução do ser humano como ser cósmico e fechar algumas peças que estavam faltando".

Enquanto grupos de esotéricos aguardam a Nova Era, já há quem viva sua própria revolução graças ao escritor americano James Redfield. Mesmo execrados por céticos e críticos, seus livros estão virando mania internacional, inspirando reuniões entre amigos e até lançamentos de CDs. A receita para a vendagem astronômica de seu primeiro livro, A Profecia Celestina, é simples. Basta adicionar uma grande quantidade de esoterismo na história, incluindo as tradicionais dicas de auto-ajuda espiritual para o tão almejado enriquecimento interior do leitor, misturar com uma pitada de aventura, com direito a vilões malvados que poluem a Terra e querem impedir a revelação dos segredos para a chave do Universo, e está pronto um dos maiores fenômenos editoriais da atualidade. Qualquer semelhança com um roteiro hollywoodiano pode ser mera coincidência - ou não, quem sabe? Afinal de contas, o livro está prestes a ser transposto para o cinema.
Lançado em março de 93 pelo ex-terapeuta James Redfield, através de uma edição independente de 3 mil exemplares, A Profecia foi beneficiada por uma surpreendente divulgação boca-a-boca, que fez as tiragens posteriores subirem para até 100 mil, despertando o interesse das grandes editoras. A Warner Books acabou adquirindo os direitos da obra, comercializada hoje em 16 países, com cinco milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. No Brasil, o livro foi publicado pela Editora Objetiva e já vendeu cerca de 200 mil exemplares.
No rastro de seu sucesso, Redfield lançou o Guia de Leitura da Profecia Celestina, também editado no Brasil pela Objetiva, e A Décima Profecia, que chega ao país em novembro, pela mesma editoria. Esse último livro foi lançado em abril nos Estados Unidos e ocupa o terceiro lugar na lista dos mais vendido do The New York Times. Já A Profecia Celestina está há 130 semanas na mesma lista.
Como a maioria dos best-sellers, a obra de Redfield é execrada pelos críticos, o que, no entanto, não incomoda muito o autor. O ex-terapeuta não tem o menor problema em admitir os lucros de seu sucesso, mas ressalta que escreveu o livro para ajudar as pessoas "relatando através de uma parábola experiências de conhecimento e revelação". O leitor brasileiro, já acostumado com as histórias de Paulo Coelho, certamente vai identificar semelhanças entre os textos do dublê de mago e escritor e A Profecia Celestina. O livro de Redfield só é um pouco mais romanceado. Na trama criada pelo ex-terapeuta, um americano se envolve numa perseguição pela Cordilheira dos Andes para encontrar um manuscrito do século 6 a.C. com as nove visões que representam a chave para o Universo. As perturbadoras revelações contidas no documento indicam grandes transformações espirituais e sociais previstas para o fim do milênio, o que incomoda as autoridades civis e eclesiásticas.
Com todos esses ingredientes, nada mais natural do que a adaptação do best-seller para o cinema, o que já está sendo estudado pelo autor. O filme, caso seja realmente realizado, será apenas mais um dos diversos subprodutos gerados pelo estrondoso sucesso da Profecia. Nos Estados Unidos, o livro virou jornal, calendário e até um CD de música new age.
Entre os leitores brasileiros, a mania pela obra de Redfield vem inspirando reuniões entre amigos. Gente como o cantor Léo Jaime, o músico Kledir Ramil (da dupla Kleiton e Kledir) e a atriz Patrícia Travassos, além de interessados em esoterismo das mais diversas áreas, já pararam para analisar a importância da mensagem que o autor tenta passar em meio às aventuras de seu personagem. Enquanto Redfield vai colocando seus sucessos no mercado, os grupos de estudo de sua obra se organizam no Brasil, principalmente no Rio, em São Paulo e no Rio Grande do Sul.
Grupos como o coordenado pela analista de tarô Lúcia Vasconcellos, 35 anos, no Centro Criativo Além da Imaginação, em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro. Juntamente com o marido, o homeopata Lúcio Abbondati Júnior, 39 anos, ela abre as portas de seu centro duas vezes por mês para discutir as visões do manuscrito sagrado. "Essa obra tinha realmente tudo para virar um best-seller. Ela é fácil de ler e trabalha os mistérios de uma forma simples. Para se entender Freud, por exemplo, é necessário quase uma vida inteira de análise, e o autor da Profecia conseguiu resumir toda a sua mensagem, que não deixa de conter referências freudianas e de Jung. O fato é que ele teve o mérito de juntar o quebra-cabeças da evolução do ser humano como ser cósmico e fechar algumas peças que estavam faltando", diz Lúcia.
O livreiro Álvaro Piano da Rocha, 39 anos, especialista em esoterismo, considera o livro de Redfield um clássico, mas reconhece que a qualidade literária não é o forte da obra. "O escritor consegue prender a atenção do leitor e mostrar uma série de princípios espirituais para uma Nova Era. É claro que o texto não tem uma alta qualidade literária, já que o autor não é um escritor, mas ele não denigre a literatura, e sim a utiliza para passar uma mensagem". Para o livreiro, somente um fenômeno de empatia com o público poderia justificar os recordes de vendas de A Profecia Celestina. "Quando o Alfredo Gonçalves (sócio da Objetiva) me disse que tinha comprado o livro, senti que ele iria vender muito, mas não tanto. Não há como prever um sucesso dessa dimensão. Parece que pessoas como Redfield, Paulo Coelho e Monica Buonfiglio têm o dom de tocar o inconsciente coletivo. Só isso pode explicar como esses autores vendem tanto, enquanto outros que falam dos mesmos assuntos não têm a mesma sorte".
Não são poucos os astrólogos que relacionam o sucesso de A Profecia Celestina com a chegada de uma nova onda, que seria o sintoma de que a esperada Era de Aquário está próxima. Mas nem todos os especialistas esotéricos se desmancham em elogios ao romance do ex-terapeuta americano. Para a professora de meditação e expressão corporal Evelyn Sá, 44 anos, há muito delírio ao longo da história contada por Redfield. "Concordo com algumas coisas que ele diz, mas não chegaria ao ponto de chamar o livro de bíblia da Nova Era. Existe muito modismo em torno disso para o meu gosto. Tenho a impressão de que todo mundo vai ler o livro e. daqui a três meses, não vai se falar mais no assunto, e ninguém vai ter crescido ou se autoconhecido", afirma a professora, que também é zen-budista.