sábado, 31 de outubro de 2009

O DIRETOR

Na muy hermosa cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, pouquíssimas pessoas detêm mais poder do que os diretores de Núcleo da Globo. A entrevista abaixo é com um sujeito que começou como ator, passou a diretor e, pouco tempo depois, virou um desses caras com salário inimaginável.

Revista Istoé Gente, edição número 253, de 14 de junho de 2004

"Parei um ano após a operação. Voltei com a novela. É muita ansiedade, mas estou fumando dois, três cigarros por dia. Com o fim da novela, vou parar".

Casado pela sétima vez, com a atriz Deborah Evelyn, Dennis Carvalho gosta de se definir como um diretor de conflitos urbanos e humanos. Conflitos como a briga entre Maria Clara e Laura, personagens de Celebridade – novela que ele dirige e é recorde de audiência com média de 58 pontos, o equivalente a 2,8 milhões de residências em São Paulo. Aos 57 anos, com a experiência dos casamentos desfeitos com a atriz Bete Mendes, a psicóloga Maria Tereza Schimdt e as atrizes Christiane Torloni, Monique Alves, Ângela Figueiredo e Tássia Camargo, ele elege o tipo de cena que mais gosta: “Sou especialista em cenas de separação”, diz o pai de Leonardo, 24, seu filho com Christiane, Tainá, 22, filha de Monique, e Luiza, 11, fruto da união com Deborah, que pôs fim à longa lista de separações de Dennis. Com a ajuda dela, superou conflitos mais sérios, como a morte do filho Guilherme, gêmeo de Leonardo, há 12 anos, e as drogas.

Qual a participação do diretor no sucesso de uma novela?
Se não tiver uma boa história, não adianta. O telespectador quer saber o que vai acontecer. Cabe ao diretor coordenar. A cena em que a Maria Clara bateu na Cacau (Cláudia Abreu, intérprete da Laura na novela) foi um desafio. Era perigoso, podia ficar inverossímil duas mulheres brigando no banheiro. Fiquei sem dormir na noite anterior. Podia ter ficado um pouco melhor, mas o resultado foi dentro das expectativas.

Concorda com quem achou exagerados os hematomas no rosto de Laura, após a surra?
Às vezes a crítica procede. As pessoas acham que tinha de ter batido mais, mas aí achei que era demais. A Maria Clara não é uma lutadora. É difícil achar esse meio termo. Geralmente briga de mulher é de rolar no chão, puxar cabelo. Ali, o Gilberto pedia no texto que a Cacau tivesse o rosto transfigurado. O grau dos machucados foi mesmo para dar o impacto, para o público ver a vilã castigada, embora alguns achem que ela não apanhou tanto para ficar daquele jeito.

Concorda com isso?
Tenho a justificativa do anel da Maria Clara. Você não pode botar os caracteres embaixo na hora da cena dizendo “aqui o anel da Maria Clara atingiu o rosto”. Não tem como explicar, é difícil. Mas essas coisas fazem parte da profissão.

Que outra cena lhe tirou o sono?
A morte do Bruno Ferrari (Fábio, filho de Fernando na trama) foi difícil. O Gilberto é tão legal comigo que, quando estava escrevendo a sinopse, me disse que mudaria a história se a morte de um dos filhos fosse me fazer mal. Disse: “Não, vamos fazer”. Para mim foi meio como exorcizar a morte do meu filho. Na hora foi muito dolorido, mas fiz questão de dirigir a cena. Todo mundo chorou no estúdio, eu chorei. Minha filha (Tainá) é assistente de figurino da novela. Ela também sofreu com a cena.

Ainda sente a morte de Guilherme?
Perder um filho está fora da ordem natural das coisas. Ele era muito criança, tinha 12 anos. Ele e o Leonardo eram gêmeos idênticos. Os dois não se largavam, eram muito ligados, nem se chamavam pelo nome. Era meu irmão pra lá, meu irmão pra cá. Quando cheguei no hospital e a Christiane falou “perdemos o Guilherme”, minha vista ficou preta, a perna tremeu, uma loucura. O sentimento de perda de um filho é terrível. Estava fazendo O Dono do Mundo. O Léo foi com a Christiane para Portugal. Eles não iam agüentar a barra aqui. Foi duro, mas estamos aí.

O trauma está superado?
Tá. Só tenho a curiosidade de ver como ele seria hoje, do tamanho que o Léo está. Seriam dois parrudos. O Léo tá forte, grande. A Christiane também foi forte. Ele morreu nos braços dela. Ela que segurou a barra toda, no carro e, depois, no caminho para o hospital.

Depois de tantas perdas (um mês antes da morte de Guilherme, Dennis perdeu a mãe, Djanira Carvalho. Sua ex-mulher, Monique Alves, mãe de Tainá, morreu em 1994, de leucemia), acredita em destino?
Acredito, um pouco, que as coisas estão traçadas. Só podia estar escrito. Meu filho, por exemplo, morreu num acidente bobo, de um carro cair de uma garagem (Christiane estava manobrando sua caminhonete na garagem de casa, em São Conrado, no Rio, quando o carro se desgovernou e caiu de uma altura de quatro metros no barranco situado atrás da garagem). Ele não estava surfando ou voando de asa delta.

Pensou em abandonar a carreira ou se isolar?
Não. Foi o trabalho que me segurou. Era um alucinado. Queria fazer reunião à meia-noite. Coitados dos meus assistentes! Morro de pena deles. Hoje, dez e meia estou dormindo. Minha barra pesada foram as drogas. Era consumidor esporádico de cocaína, em festas. Depois da morte do meu filho, era quase todo dia. E trabalhava direto, sem querer dar bandeira, comandando mais de 100 pessoas.

Como foi esse período?
Ficava sem comer, sem dormir. Cheirava uns cinco gramas por dia em casa, a qualquer hora, para me anestesiar. De manhã, para poder trabalhar, porque virava a noite me destruindo em casa. Durou uns três anos, após a morte do Guilherme.

Como parou?
Cheguei num limite de o coração palpitar e eu ficar com medo de morrer. Foi acumulando e a Deborah falando para eu parar. Ela queria se separar. Com razão. Não agüentava uma pessoa ao lado como eu estava. Ela me ajudou, me deu coragem para me internar. Achava uma vergonha, mas foi o que me salvou. Fiquei 40 dias numa clínica de dependentes químicos e passei a freqüentar o NA (Narcóticos Anônimos) diariamente, por um ano e meio. Estou há nove anos limpo. Vou esperar o fim da novela para voltar lá uma vez por semana. É bom não parar.

Qual o papel da Deborah na sua vida?
São quase 16 anos juntos. É uma grande companheira. Senti que ela falou “vou comprar essa briga”, e comprou. Passou muitos perrengues ao meu lado, sofreu e hoje conseguimos ter a vitória. Metade da responsabilidade pela minha volta por cima é dela.

Os problemas consolidaram o casamento?
Sim. E a vinda da Luiza também. Além disso, a Tainá tinha 9 anos quando a mãe dela morreu. Veio morar com a gente e a Deborah foi mãe dela também, ajudou a criá-la na fase mais difícil de uma garota, quando ela precisa de uma mulher para orientar.

Teve medo de morrer ao detectar um câncer no pulmão?
Tive. A vida inteira passa na cabeça. Tive sorte porque detectei ele muito pequeno. Meu médico (Yunes Ryad, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo) decidiu operar e fiquei apavorado. Mas ficou tudo em ordem. Nem quimioterapia fiz.

Como foi a operação?
Fiquei apavorado na hora da anestesia. Nunca tinha tomado antes. Fiz um escândalo no hospital, gritava palavrão, um vexame. Foi há dois anos, durante a Copa do Mundo. Assisti à final no hospital, sem poder gritar porque doía à beça.

Ainda fuma?
Parei um ano após a operação. Voltei com a novela. É muita ansiedade, mas estou fumando dois, três cigarros por dia. Com o fim da novela, vou parar.