domingo, 9 de maio de 2010

COPA À VISTA

Pressão antes da Copa do Mundo? Com o Brasil sem título há oito anos, só? Mole. Tranquilíssimo. Duro era antes do Tetra, quando o jejum só aumentava a cada Copa. Doze anos em 82, dezesseis em 86 e vinte em 90, até um certo Romário, com o auxílio precioso de Bebeto, Mazinho, Taffarel, Dunga e cia, acabar com o jejum de 24 anos. E foi nos últimos dias desse martírio sem títulos – período ainda mais complicado para quem nasceu logo depois da Copa de 70, tipo assim, em 72 – que a matéria foi feita. Foi uma entrevista com um então titular da seleção de 94 e com um craque da tragédia de 50, tido e havido como maior do Brasil antes de Pelé, e que iniciou a linhagem de camisas 10 de um certo time, cujos nomes começam com Z, considerados os melhores do mundo, gênios espetaculares, e que na hora do “vamu vê” em Copas, naquele momento que separa os homens dos meninos, somem do jogo, perdem pênaltis bisonhos e amarelam bonito, sob o beneplácito da mídia amiga.

Zizinho e Leonardo não deram a entrevista juntos. Tava meio tumultuado o negócio no glorioso Clube Central de Icaraí e não dava pra juntar os dois numa mesa. Também não teve gravador na história. Leonardo deu entrevista em pé, no meio de um monte de criança pedindo autógrafo. Com Zizinho foi mais tranqüilo. Pelo menos pudemos sentar com calma numa mesa, apesar do burburinho de feijoada em volta. Leonardo foi bom moço como sempre, sem qualquer declaração bombástica, até porque não era o momento pra isso mesmo. As alfinetadas ficaram por conta de Zizinho, que também deu suas pixotadas. Errou, por exemplo, a zaga do Brasil na Copa de 90. Botou Mozer no lugar de Mauro Galvão. Mas tudo bem, foi um erro plenamente desculpável, ainda mais pra um sujeito de 72 anos, com história à beça no futebol. O resultado da matéria, com todas as características de um texto para o velho e bom O Fluminense, na abertura principalmente, está aí embaixo.

Jornal O Fluminense, edição de domingo, 15, e segunda-feira, 16 de maio de 1994

“O Brasil está aí para brigar e vai à Copa para ganhar, já que a cada Mundial perdido a cobrança sobre a seleção aumenta.”

“Uma conquista de Copa do Mundo sempre gera ídolos, não importa o momento.”

Zizinho, craque das décadas de 40 e 50, e Leonardo, atual titular da seleção brasileira e camisa 10 do São Paulo, têm muitas coisas em comum, apesar dos mais de 40 anos que os separam. Ambos jogaram no Flamengo e na seleção, e Zizinho também vestiu a camisa 10 do São Paulo. Além disso, os dois são de Niterói – Leonardo nasceu e foi criado na cidade, enquanto Zizinho, nascido em São Gonçalo, veio para a “terra de Araribóia” aos 17 anos. No último dia 7, houve uma homenagem a esses dois representantes de gerações tão diferentes do nosso futebol com a Feijoada da Copa, no Clube Central, em Icaraí. O idealizador do encontro inédito foi o irmão de Leonardo, Francisco Araújo Júnior, de 27 anos.
Thomaz Soares da Silva, 72 anos, o Zizinho, também conhecido como Mestre Ziza, iniciou sua carreira aos 15 anos, no Carioca Futebol Clube, de São Gonçalo, clube fundado por seu pai. Antes de começar a jogar profissionalmente, atuou ainda pelo Byron, de Niterói, aos 17 anos. No Flamengo, onde iniciou a carreira profissional, Zizinho participou do primeiro tricampeonato da história do clube (1942/43/44) e foi convocado para disputar a Copa de 1950. Depois disso, jogou seis anos pelo Bangu e, em 1957, aos 35 anos, foi campeão paulista pelo São Paulo. Após encerrar a carreira, no Audax Italiano, do Chile, Zizinho chegou a trabalhar como técnico. “Esse esquema do 4-4-2, que todo mundo usa hoje, foi criado por mim no América, em 71”, garante.
Leonardo Nascimento de Araújo, 24, começou no Flamengo e se transferiu para o São Paulo em 1990. Foi negociado com o Valencia, da Espanha, em 1991, mas voltou ao clube paulista, emprestado, em 93. Em entrevista a O Fluminense, Zizinho e Leonardo analisaram o atual momento do futebol brasileiro e se mostraram otimistas quanto às possibilidades do Brasil na Copa. Em relação aos nossos adversários na primeira fase, a Rússia foi apontada pelos dois como a seleção mais perigosa.

Como vocês estão vendo o atual estágio do futebol brasileiro?
Leonardo:
O momento é bom. O nível tem crescido muito ultimamente. Basta ver os campeonatos paulista e carioca, por exemplo, que estão levando um bom público aos estádios. Acho que, com a proximidade da Copa, o nosso futebol tinha mesmo de melhorar em relação aos últimos anos.
Zizinho: O futebol paulista é muito forte e, na minha opinião, ainda está melhor que o carioca. O Palmeiras, patrocinado pela Parmalat, conseguiu formar um timaço e o São Paulo é o clube mais organizado da América. O futebol do Rio só se arrumou às vésperas do campeonato. Mas, no geral, o momento é bom.

E quais as nossas chances na Copa?
Leonardo:
O Brasil está aí para brigar e vai à Copa para ganhar, já que a cada Mundial perdido a cobrança sobre a seleção aumenta. O importante é que o grupo está bem e está formado há muito tempo, o que já ajuda muito.
Zizinho: O Brasil só perde essa Copa se a direção atrapalhar. Apesar de alguns erros do Parreira, que já devia ter definido o time titular, nós ainda somos favoritos. Ninguém pode ganhar da gente, nós é que podemos perder.

O Parreira está no caminho certo, ou seu esquema tático ainda poderia ser modificado?
Leonardo:
O que tinha de ser feito já foi feito. Temos agora é que nos adaptar ao esquema com dois cabeças-de-área, parar de fazer amistosos com dois dias de intervalo e se preparar realmente para a Copa.
Zizinho: Essa história de dois volantes é um atraso. Temos que ter cuidado com a defesa, mas o importante é o ataque. Os outros times é que têm de ter medo da gente, pois a nossa tradição sempre foi de partir para cima do adversário. Outra coisa que ninguém percebeu é que esse esquema do 4-4-2, que a maioria das seleções usa, foi criado por mim no América, em 71, com Edu (irmão de Zico) jogando de ponta-de-lança e municiando os dois centroavantes. Mais tarde, eu utilizei o mesmo esquema na seleção de novos, campeã do Pré-Olímpico de 72.

O fato de países como a França e a Inglaterra estarem fora da Copa facilita ou as dificuldades serão as mesmas de sempre?
Leonardo:
Se eles estão eliminados é porque alguém eliminou. Não existe moleza em Copa do Mundo. A primeira fase ainda pode ser considerada leve, porque classificam-se dois de cada grupo, mas a partir das oitavas-de-final só tem jogo duro.
Zizinho: Acho que fica um pouco mais fácil, sim. A Inglaterra, por exemplo, sempre foi um adversário chato. Além disso, algumas seleções européias sem tradição certamente vão tremer contra a gente. Mesmo assim, o Zagalo ainda me preocupa. Ele conseguiu ser retranqueiro até com aquele timaço de 70, já que o único jogador que não voltava para marcar era o Tostão.

E quanto aos nossos adversários na primeira fase, qual será o mais perigoso?
Leonardo:
A estréia é sempre difícil. Por mais que a Rússia esteja com problemas (brigas entre o técnico e os principais jogadores), o primeiro jogo oficial nunca é fácil. Confesso que não sei direito como os russos estão, mas assisti ao último jogo deles, um empate de 1 a 1 com a Alemanha. A Suécia tem aquele estilo europeu já bastante conhecido, explorando os contra-ataques e os chuveirinhos na área. Já Camarões joga com aquela irreverência, sem responsabilidades. Acho que mesmo depois de 90, quando fizeram uma boa campanha e foram eliminados por pura inexperiência, eles vão continuar jogando da mesma forma, e vão aos EUA só para participar. Teoricamente, o jogo contra Camarões deve ser o melhor pra gente, porque eles jogam e deixam jogar.
Zizinho: Também acho que Camarões vai continuar na inocência e naquela correria de 90. Na Suécia eu não acredito, talvez porque eu meti 7 neles em 50 (Zizinho se refere aqui à goleada de 7 a 1 que o Brasil aplicou na Suécia no quadrangular final da Copa de 50). Sobra a Rússia, que apesar de tudo ainda é nosso adversário mais perigoso.

No que diz respeito ao grupo de jogadores, vale a pena chamar a mesma defesa da Copa de 90, quatro anos mais velha? E o Branco, por exemplo, ainda tem lugar no time titular?
Leonardo:
Esse grupo está sendo testado há muito tempo e o Parreira confia nos jogadores. Quanto à lateral-esquerda, eu vou brigar pra ser titular.
Zizinho: A defesa de 90 tinha três zagueiros de esquerda, Ricardo Gomes, Mozer e Ricardo Rocha, e o Caniggia fez o gol da nossa eliminação entrando pela direita. Agora vem o Parreira e chama os mesmos zagueiros. Na lateral-esquerda, o meu titular é o Leonardo.

O que ainda está faltando para a seleção chegar aos 100%?
Leonardo:
Juntar o grupo e treinar, para chegar à Copa no melhor momento.
Zizinho: Falta definição do time e do esquema. Acho ainda que o Parreira poderia fazer com o Cafu o mesmo que eu fiz com o Rosemiro na seleção de novos. O Rosemiro era lateral, mas eu coloquei ele jogando como ponta-direita, junto com o Mauro, que era o verdadeiro lateral. O resultado é que eles ficaram no dois contra um o jogo inteiro, em cima do lateral-esquerdo adversário. O Parreira poderia fazer a mesma coisa com Cafu e Jorginho.

O Brasil vive uma crise de ídolos. A conquista do Tetra atenuaria esse problema?
Leonardo:
A conquista do Tetra, se acontecer, certamente vai contribuir para que o futebol brasileiro volte a ser o que sempre foi. O bicampeonato mundial do São Paulo já ajudou bastante, e a conquista da Copa seria perfeita para levantar de vez o nosso futebol.
Zizinho: Uma conquista de Copa do Mundo sempre gera ídolos, não importa o momento.