terça-feira, 29 de junho de 2010

O OUTONO DO CRAQUE

As pernas já não obedeciam como antigamente. O fôlego, já não era o mesmo há alguns anos, e as atuações antológicas, os golaços de voleio, as tabelas com o maior de todos os tempos dentro da área e aquele toque de chapa, mortal, preciso, ficaram no passado. Mas como abandonar tudo isso assim, de repente, de uma hora pra outra? Como deixar de ser tratado como ídolo, num clube de massa, depois de tantas glórias, de tantos gols?

A carreira de Bebeto estava prestes a acabar quando a matéria foi feita, na casa dele, arrumada por um assessor de imprensa que "vendeu" a pauta para a revista; e o sujeito que anos antes deveria lidar com uns vinte pedidos de entrevista por semana me recebeu sorridente, feliz da vida, porque estava voltando a um grande clube, no caso, o Vasco.

Dois anos depois de sua última passagem pelo Rio, no Botafogo, onde quase ganhou uma Copa do Brasil, Bebeto retornava de duas breves temporadas frustradas no exterior, uma no México, de onde saiu correndo com medo de ameaças veladas do presidente de um clube sem qualquer tradição, e outra no Japão, onde foi obrigado a treinar conclusões a gol exaustivamente como se fosse um iniciante, ele que formou com Romário a maior dupla de atacantes que uma geração inteira viu jogar com a camisa da seleção brasileira.

E foi o parceiro da Copa América de 1989, e depois do Tetra, em 94, quem levou de volta ao Vasco o artilheiro do Brasileiro de 92, o campeão do Brasileiro de 89. Bebeto agradecia muito ao Romário na entrevista, e sorria, feliz com a oportunidade. No tempo parado, sem clube, tinha treinado na quadra e na piscina do condomínio, com um personal trainer. Garantia que estava em forma, com um entusiasmo de início de carreira. O problema eram os 37 anos, porque é preciso ser muito acima da média, é preciso ser gênio, lendário, para jogar em alto nível depois dos 37.

Bebeto não virou lenda como o parceiro Romário, que aos 41 anos registrou média de um gol por jogo em 14 jogos de campeonato; mas Bebeto foi grande, enorme. Antes de sair para o All-Ittihad, da Arábia Saudita, onde encerrou a carreira sem pompa nem circunstância, fez apenas dois gols nessa última passagem pelo Vasco, em dois empates sem importância no Brasileiro de 2001. Tudo bem. O que fica na memória são as atuações antológicas, os golaços de voleio, as tabelas com o maior de todos os tempos dentro da área e aquele toque de chapa, mortal, preciso.

Abaixo, a matéria.

Revista Istoé Gente, edição número 109, de 1 de setembro de 2001

“O presidente deles prometeu que iria contratar mais três brasileiros, mas não fez nada disso. Ele disse que eu não sabia do que ele era capaz. Me mandei com meus filhos. Não sabia se ele era mafioso."

Desde janeiro, José Roberto Gama de Oliveira, 37 anos, ilustre morador do luxuoso condomínio Santa Marina, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, vinha cumprindo uma rotina árdua para manter a forma física. Diariamente, passava duas horas e meia com o preparador físico Ronaldo Torres exercitando-se na piscina, na academia de ginástica e no campo de futebol. Tudo sem sair do condomínio. A recompensa veio no início de agosto, quando José Roberto, ou Bebeto, o atacante tetracampeão mundial com a seleção brasileira em 1994, acertou sua volta ao Vasco da Gama, após uma negociação que incluiu declarações públicas de Romário pedindo sua contratação. No domingo 26, o craque não fez gol, mas entrou em campo no segundo tempo e ajudou o Vasco a golear o Atlético Paranaense por 4 a 0.
Foi o fim de oito meses de inatividade e de pesadelos como as temporadas frustrantes no México e no Japão. Artilheiro e ídolo de clubes como o Vitória, Vasco, Flamengo e La Coruña da Espanha, Bebeto começou seu calvário em 1999, quando deixou o Botafogo para assumir o desafio de transformar o desconhecido time mexicano do Toros Neza numa grande equipe. “O presidente deles (Juan Antonio Hernandez) prometeu que iria contratar mais três brasileiros, mas não fez nada disso.” Para piorar a situação, só Bebeto recebia salário na equipe. Ao entrar na briga pelo pagamento dos companheiros, acabou afastado do time, mas ganhou o respeito dos jogadores mexicanos. “Num jogo do Toros contra o Puma, os dois times exibiram camisas de apoio a mim na entrada em campo”, conta, orgulhoso.
O estopim para a saída do México foi uma ameaça velada do presidente do Toros, diante da insistência de Bebeto em brigar pelos salários. “Ele disse que eu não sabia do que ele era capaz.” Foi a senha para que o atacante deixasse o país com sua família. “Me mandei com meus filhos. Não sabia se ele era mafioso.”
Casado há 14 anos com a ex-jogadora de vôlei Denise, 32, e pai de três filhos – Roberto Nilton, 11, Stephannie, 10, e Matheus, 7 –, Bebeto tem fama de bom moço e dificilmente fala mal de alguém. Prova disso foi a passagem pelo Kashima Antlers do Japão, no ano passado. Obrigado a treinar chutes a gol durante duas horas, pelo técnico e ex-jogador da seleção brasileira Toninho Cerezo, sofreu uma lesão por estresse nos ligamentos do joelho. Nada que o fizesse ficar aborrecido com Cerezo. “Não guardei mágoa dele”, afirma.
O craque deixou o Japão e voltou para a casa no Rio, que divide com a família e sete cachorros, entre eles o yorkshire Campeão. “Em Kashima não tinha nem escola para meus filhos. Tinha que contratar professora particular.” Quarto artilheiro da história da seleção brasileira, com 50 gols, atrás apenas de Pelé, Romário e Zico, o atacante contou com a ajuda de dois companheiros dos bons tempos, os também tetracampeões mundiais e agora colegas no Vasco Romário e Jorginho.
Jorginho foi o primeiro a telefonar para o amigo. Romário fez ainda mais. Depois da estréia do Vasco no campeonato brasileiro contra o Gama, no dia 1º de agosto, deu entrevistas pedindo a contratação do antigo parceiro. A atitude dobrou até o presidente vascaíno Eurico Miranda, que fechara as portas do clube para Bebeto depois que, em 1996, o atacante preferira voltar da Espanha para o Flamengo. “Fiquei emocionado. Sempre tive carinho pelo Romário e juntos ganhamos tudo.” Agora, o artilheiro que fez mais de 500 gols desde 1983 só quer jogar futebol: “Parece que ele assinou seu primeiro contrato profissional. A garra dele é de um iniciante”, resume Ronaldo Torres, o preparador físico que ajudou o craque quando ele estava sem clube.