sábado, 31 de julho de 2010

O CARA

Na primeira abordagem, o cara riu, depois de uma pelada entre veteranos no Maraca em que o grande destaque foi o alemão Voëller, campeão mundial em 1990. Andava ofegante, as meias arriadas, a camisa para fora da calça, ainda molhada, e ao ser abordado pelo repórter da revista brasileira de celebridades pedindo uma hora de entrevista no dia seguinte, achou fôlego para repetir o tempo pedido, One Hour?!, e rir. O repórter insistiu, dessa vez bem mais modesto, e pediu Half an Our como uma súplica. O cara, eleito o melhor jogador do mundo por três vezes na década de 80, falou para o repórter passar no hotel no dia seguinte.

Craque das Copas do Mundo de 78, 82, e 86, o cara hoje é presidente da UEFA, mas na época iniciava sua carreira política no futebol. Era apenas conselheiro da FIFA, sem poder de voto para nada. Estava no Rio para o primeiro Campeonato Mundial de Clubes da entidade, de belas e fatídicas lembranças, e o evento no auditório do hotel cinco estrelas, nas pedras de São Conrado, era uma espécie de balanço do torneio, na véspera da decisão. Na mesa, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, discorria sobre alguma coisa; o cara, por sorte, estava sentado no meio do auditório, longe da primeira fila e com alguns lugares vagos atrás dele.

Já tinha esquecido do encontro da véspera, com certeza, e por isso foram necessárias mais duas abordagens, a primeira discreta, em sussurros, para a assessora ao lado dele enquanto Blatter falava, sem parar, sobre algum dado importante. Muito educada, na elegância de seu tailleur azul, o corpo esguio, os cabelos escorridos, na maioria amarelos, e o rosto com os vincos naturais da idade, a assessora não passou a menor garantia de que ajudaria, então a segunda abordagem foi direta, depois que Blatter encerrou o evento.
Campeão europeu e mundial de clubes em 1985, quando marcou um dos gols anulados mais bonitos da história, o cara ficou surpreso de novo, mas pareceu ter se lembrado do encontro da véspera, no estacionamento do Maracanã. Disse para o repórter esperar na piscina do hotel e para lá também se dirigiu. Ficou um tempo conversando com dois sujeitos no bar da piscina e depois saiu. Andou ao encontro do repórter, que esperava, gravador em punho, numa fila de espreguiçadeiras. Sentou numa delas, o repórter na outra, o gravador na mesinha de plástico entre as duas, e deu a entrevista, que durou pouco mais de quarenta minutos.

Revista Istoé Gente, edição número 25, de 24 de janeiro de 2000

"Jogamos duas semifinais contra a Alemanha, em 1982 e 1986. Precisávamos ganhar, mas os juízes não fizeram a parte deles. Em 1982, venceríamos se o juiz tivesse expulsado o Schumacher e marcado penâlti quando ele atingiu Battiston dentro da área. Já em 1986 fiz um gol e o juiz julgou que eu estava impedido. Não estava, mas o que podia fazer?"

Para quem gosta de futebol, o atual conselheiro da Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa), Michel Platini, 44 anos, dispensa apresentações. Considerado o melhor jogador da história do futebol francês e um dos melhores do mundo, nas décadas de 70 e 80, Platini fez fama na seleção de seu país e em times como a Juventus da Itália, onde conquistou a Copa Toyota de 1985, o equivalente na época ao campeonato mundial interclubes. Eleito o melhor jogador do planeta por três vezes consecutivas, em 1983, 1984 e 1985, ele só não conseguiu ganhar uma Copa do Mundo como atleta.
Atualmente, o ex-craque trabalha como uma espécie de embaixador do futebol. Em novembro, Platini assistiu à derrota do Palmeiras para o Manchester United, na Copa Toyota. Na semana passada, ele esteve em São Paulo e no Rio de Janeiro, prestigiando o primeiro Campeonato Mundial de Clubes organizado pela Fifa. Em entrevista a Gente, realizada na véspera da decisão entre Vasco e Corinthians, o francês defendeu a realização da Copa do Mundo de 2006 na África, criticou o individualismo de Rivaldo e relembrou alguns momentos de sua carreira de jogador, como o histórico jogo entre Brasil e França, na Copa do México, em 1986. O ex-jogador também fugiu do futebol para contar que o mais velho de seu casal de filhos, Laurent, foi concebido no Rio, em 1978. A outra filha de Platini é Marine, 9 anos. "Esse lugar é especial para mim", afirma ele, sentado numa espreguiçadeira do Hotel Sheraton, de frente para o mar de São Conrado.

O que você achou deste primeiro Campeonato Mundial de Clubes da Fifa?
O sucesso da competição é inegável, e isso pode ficar provado pelos comentários dos jogadores, da imprensa especializada e até pelos índices de audiência das televisões que transmitiram o campeonato, que foram altos em todo o mundo. Para o futuro, o torneio deverá ficar ainda melhor. Ele veio para ficar.

Em 1985, você ganhou a Copa Toyota com a Juventus de Turim, quando o torneio era considerado o mundial de clubes. Com o novo campeonato da Fifa, qual será o verdadeiro mundial interclubes?
Considero-me campeão mundial de 1985 porque a Copa Toyota valia esse título na época. Só que isso acabou com o novo torneio. A partir de agora, o time campeão mundial sairá do campeonato organizado pela Fifa. A Copa Toyota passará a ser uma disputa entre o campeão europeu e o campeão sul-americano.

Pelo que mostrou ao organizar o mundial de clubes, o Brasil pode sediar a Copa do Mundo de 2006?
O Brasil é um grande país e tem condições de organizar uma Copa. Só que na mesma situação de vocês estão a Alemanha, a Inglaterra, Marrocos e África do Sul (outros países que se candidataram). Não tenho poder de voto na Fifa, mas acho que 2006 seria um ótimo momento para o continente africano, que nunca organizou uma Copa do Mundo. A América do Sul poderia ser beneficiada em 2010. A hora agora é da África. Há tempos que o futebol de lá vem evoluindo e, na minha opinião, merece essa chance, até para se aprimorar ainda mais.

Depois da Copa de 1998, o futebol brasileiro continua sendo o melhor do mundo?
Pelo que já fez e por toda a sua tradição, o Brasil será sempre um dos três melhores do mundo. Mas apontar o melhor é sempre difícil. Vocês podem argumentar que a final do mundial de clubes foi disputada por dois times brasileiros, mas se o campeonato fosse na Europa, a decisão mais provável seria entre duas equipes européias. Então diríamos que o futebol europeu é melhor. O fato é que não se pode apontar um país apenas como o melhor, mas o Brasil será sempre um grande e lindo país do futebol.

Antes de assumir o cargo na Fifa, você chegou a ser técnico da seleção francesa, depois que abandonou o futebol, em 1987. Pensa em voltar?
Não. Fui técnico da França entre 1988 e 1992, peguei o time nas eliminatórias para a Copa de 1990, quando não tínhamos quase nenhuma chance e acabamos eliminados. Depois fizemos uma boa campanha nas eliminatórias do Campeonato Europeu, mas na fase final perdemos da Dinamarca, que acabou sendo a campeã. Não suporto mais ficar sentado no banco, dependendo do que os jogadores estão fazendo dentro do campo. Prefiro ficar com minha função na Fifa. Assim continuo convivendo com meus amigos do futebol, sem tanto estresse.

E no Brasil, quem são os amigos?
Zico é um de meus grandes amigos. Tenho orgulho de ter sua amizade. O Brasil, aliás, é um lugar especial para mim. Foi no Rio de Janeiro que eu e minha mulher (Christel, 43 anos) concebemos nosso primeiro filho, durante umas férias em 1978. Eu e mais alguns jogadores viemos para cá com nossas mulheres depois que a França foi eliminada na primeira fase da Copa do Mundo da Argentina. Voltei em 1979 e 1980 e depois só vim 16 anos depois, já como presidente do comitê organizador da Copa de 1998. Espero voltar muitas vezes.

O brasileiro Rivaldo já ganhou vários prêmios como o melhor jogador do mundo em 1999 e é o favorito para receber o título da Fifa, na eleição do próximo dia 24. Você concorda com essa escolha?
Pessoalmente, prefiro os jogadores mais coletivos. Rivaldo é um excelente atacante e joga sempre para o gol, mas é um pouco individualista para o meu gosto. Ganhei esse título três vezes e posso dizer que acho tudo muito subjetivo. Você pode gostar do jogo de Zidane, e não gostar de Rivaldo. Pode gostar de Ronaldo e não gostar de Zidane. Rivaldo é bom, mas não diria que ele é o melhor do mundo.

E qual é o melhor jogador do mundo, na sua opinião?
Como falei, prefiro quem joga para o time. Poderia citar Zidane, Veron (apoiador argentino que joga na Lazio), Figo (meio-campo português do Barcelona) ou Beckham (armador inglês do Manchester United), mas prefiro não escolher um nome. Talvez em 15 anos eu possa responder essa pergunta, já que o importante será o jogador que ficar na lembrança dos torcedores. Aqui no Brasil temos Pelé, Rivelino, Zico e muitos outros que entraram para a história. Prefiro esperar para ver quais os craques dessa geração que também entrarão.

Ronaldo seria um deles?
Acho que sim. O futebol precisa de Ronaldo. É muito importante que ele volte, readquira a antiga forma e seja novamente considerado um dos melhores ou mesmo o melhor do mundo.

E da sua geração, qual foi o melhor jogador?
Também é difícil dizer. Um termo de comparação seria o campeonato italiano, que reunia os maiores craques do mundo na minha época de jogador. Só que Maradona começou a se destacar depois que eu abandonei o futebol. Zico, por sua vez, foi para o Udinese, um clube sem expressão. Acho que a torcida de Turim me considera o maior. Já os napolitanos acham que foi Maradona. Provavelmente, o pessoal de Udine considera Zico o melhor.

O que lhe deu mais prazer, eliminar o Brasil na Copa do Mundo de 1986 ou ver a França ganhar a Copa em 1998?
Foram dois grandes momentos. O jogo de Guadalajara, em 1986, foi fantástico. Os dois times jogaram muito bem, mas foi um dia de sorte para nós. Já a final de 1998 foi o grande dia do futebol francês. Ganhamos a Copa depois de tantas chances desperdiçadas, em tantos anos. Era presidente do comitê organizador da Copa e, ao entregar as medalhas de segundo lugar para Roberto Carlos, Dunga e Ronaldo, disse para que eles não ficassem tristes. O Brasil já era tetra, mas para nós era a primeira vez. O jogo de 1986, porém, foi significativo para mim. Naquele 21 de junho, eu completei 31 anos e marquei meu último gol pela seleção francesa (a partida valeu pelas quartas-de-final da Copa e terminou 1 a 1. A França ganhou nos pênaltis).

Ficou alguma frustração por não ter conquistado a Copa do Mundo como atleta?
Jogamos duas semifinais contra a Alemanha, em 1982 e 1986. Precisávamos ganhar, mas os juízes não fizeram a parte deles. Em 1982, venceríamos se o juiz tivesse expulsado o Schumacher (goleiro alemão) e marcado penâlti quando ele atingiu Battiston (meio-campo francês) dentro da área. Já em 1986 fiz um gol e o juiz julgou que eu estava impedido. Não estava, mas o que podia fazer? (Em 1982, a França perdeu da Alemanha nos pênaltis. Já em 1986, a semifinal terminou 2 a 0 para os alemães.)

A respeito de Maradona, como você se sente vendo mais esse problema dele relacionado com a cocaína?
Diego Maradona é uma pessoa de quem eu gosto, porque ele é bom. Mas comete muitos erros, e o maior deles é esse envolvimento com a droga. Espero que se recupere. Não falo isso nem pelo futebol que ele jogou, mas pelo próprio Diego Maradona, para o seu bem e de sua família. Joguei muito contra ele na Itália. Não posso dizer que somos amigos porque nunca fomos muito próximos, mas gosto dele porque ele é uma pessoa legal.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O VELHO LOBO SE RETIRA

Zagallo marcou a entrevista no playground do prédio e na hora marcada estava lá, sentando numa cadeira de plástico, com algumas folhas de papel na mão. Era o currículo dele, disse, como se precisasse daquilo para se apresentar. Uns seis meses antes, o Brasil tinha conquistado sua quinta Copa do Mundo, na Coreia do Sul e no Japão. Foi a primeira e até agora única sem a participação de Zagallo, bicampeão em 1958 e 62 como jogador, tri como treinador em 70 e tetra como coordenador técnico em 1994, o que lhe valeu a honra de ser o único técnico da história da seleção brasileira a ganhar o direito de um jogo de despedida dirigindo o Brasil. A entrevista aconteceu menos de um mês depois desse jogo, quando o Velho Lobo já estava plenamente recuperado de uma embolia pulmonar adquirida nas quase 50 horas de voo para ir e voltar da Coreia do Sul, onde o Brasil venceu os anfitriões por 3 a 2. Bem ao seu estilo, Zagallo minimizou o problema de saúde. O importante, mesmo, foi a vitória na despedida definitiva dos gramados. Justa vitória.

Abaixo, a entrevista

Revista Istoé Gente, edição 176, de 16 de dezembro de 2002

"Estou com quatro conquistas nas costas e, se não fosse isso, o Brasil não seria penta. Me considero penta porque todo brasileiro é penta. Cada um de nós tem de botar banca, sim"

Nada melhor do que os números para apresentar Mário Jorge Lobo Zagallo. Aos 71 anos, único homem a ostentar quatro Copas do Mundo no currículo, o alagoano de Maceió que começou a jogar futebol aos 17, no América do Rio, não esconde uma preferência especial pelas estatísticas da sua passagem como técnico da Seleção. Em 154 partidas, Zagallo venceu 110, empatou 33 e perdeu apenas 11. “É difícil alcançar esses números”, diz, sem falsa modéstia. Campeão mundial como jogador em 1958 e 1962, como técnico em 1970 e como coordenador técnico em 1994, o velho Lobo, como é conhecido, deu adeus como técnico da Seleção no último dia 20, dirigindo o Brasil na vitória por 3 a 2 sobre a Coréia do Sul, em Seul. Largar o futebol, porém, ainda não está nos seus planos. “A paixão continua. O futebol é minha vida”, diz o marido da dona-de-casa Alcina de Castro Zagallo, pai de quatro filhos e avô quatro vezes.

Sentiu medo quando foi internado recentemente?
Não, porque tive uma embolia pulmonar em conseqüência do tempo em que fiquei sentado para ir e voltar de Seul. Um coágulo se deslocou da perna e se alojou no pulmão direito. Poderia ocorrer com qualquer um, de qualquer idade. Só senti uma dorzinha quando puxava o ar. Felizmente, tinha um check-up de rotina marcado logo depois e comentei essa dor com o médico. Ele disse que era normal, afinal foram quase 50 horas sentado, na ida, na volta e esperando nos aeroportos. Viajo desde 1950 e só foi acontecer isso agora. Graças a Deus foi tudo bem. Daqui a um mês estarei liberado para jogar meu tênis quatro vezes por semana.

O médico deu alguma outra recomendação?
Disseram-me que em viagem longa tem de andar no avião. Só que ali tem umas 400 pessoas. Já imaginou se todos resolvem andar, como o trânsito ia ficar interrompido? Tem que rir agora, porque o susto já foi embora.

Como foi se despedir da Seleção na Coréia?
O coração até que agüentou bem. Me sinto honrado porque nunca aconteceu uma despedida de técnico como essa no esporte brasileiro. Acabou sendo um evento mundial, porque foi na Coréia, passou no mundo inteiro e foi bom também o resultado positivo. Me despedi com uma vitória e é sempre importante, porque futebol brasileiro é sinônimo de vitória.

Teve medo de perder o jogo final?
Na palestra antes do jogo disse aos jogadores que festa é muito bonita, mas com vitória. Com derrota, não adiantava nada. Foi difícil porque viajamos direto para o jogo, sem tempo de nos acostumar com o fuso horário. Tivemos que correr contra tudo e ainda jogar na casa do adversário, quarto colocado na Copa. Felizmente as coisas não poderiam ter sido melhores. Comecei vencendo e terminei da mesma forma a carreira de técnico da seleção.

Como foi assistir ao Brasil ser campeão do mundo como torcedor?
Sempre disse que, quando ganhávamos a Copa, proporcionávamos um Carnaval em junho e julho aos brasileiros. Demorou mas acabei tendo a alegria de curtir cada vitória na Copa como torcedor, porque lá dentro é uma adrenalina só. Quando você está no comando a responsabilidade é tão grande que você só comemora alguma coisa quando tudo acaba.

O senhor se considera pentacampeão?
Estou com quatro conquistas nas costas e, se não fosse isso, o Brasil não seria penta. Me considero penta porque todo brasileiro é penta. Cada um de nós tem de botar banca, sim, porque quando estávamos mal nas eliminatórias a Argentina estava aí nos gozando. Tiveram de engolir, não é? Agora vamos para o hexa.

Como avalia o trabalho do técnico Luiz Felipe Scolari?
Ele ficou com um rabo de foguete tremendo nas eliminatórias e não podia ser diferente, porque pegou o time numa situação delicada. Mas classificou e depois prosseguiu. Fazia uma variação entre o 3-5-2 e o 4-4-2, escolheu o primeiro e foi feliz. Sempre disse que o técnico tem que escolher um esquema e ir com ele até o fim. Ficar variando de um para outro é querer mostrar que sabe mexer em sistema,
mas o futebol não é isso.

Acredita que os técnicos fazem isso por vaidade?
Acredito que sim. Não tem essa de variar de jogador dependendo do adversário, ou passar alguém da ponta para o meio. Você pode tentar tudo antes de montar o time,
como fiz em 1970, avançando o Tostão, recuando o Piazza e tirando o Rivelino e o Clodoaldo do banco. Mas fiquei dois meses trabalhando em cima da minha idéia antes da Copa. Depois que acertei, não mexi mais e fomos campeões. Futebol é simples. Se há craques no time, eles têm de saber desempenhar a função no esquema.

Hoje, quem é craque?
Temos jogadores que já mostraram que são craques e se firmaram com o tempo. O Roberto Carlos é o melhor na posição dele. O Ronaldinho Gaúcho também se firmou e se desenvolveu ainda mais indo para a França. Ronaldo é outro, um fenômeno.

A recuperação de Ronaldo o redime da decisão de ter confiado nele em 1998?
O meu problema, entre aspas, com o Ronaldo foi a doença dele, o estresse emocional, convulsão ou como queiram chamar. Depois do problema na concentração, ele não estava escalado. Quando voltou da clínica, disse que queria jogar. Não foi vetado pelos médicos e eu o coloquei para jogar. Esse ano o Felipão acreditou nele e eu, nas crônicas que escrevia, apoiei essa decisão. Felizmente, o Ronaldo chegou lá, mesmo sem estar 100%, porque é um artilheiro nato.

Arrepende-se de tê-lo escalado em 1998?
Em absoluto. A doença dele é que deixou a seleção apática. Se não jogasse, o time sentiria da mesma maneira. Se eu não o escalasse, seria o único culpado. Mas escalei
o melhor jogador do mundo, que não tinha sido vetado e disse que queria jogar.

Levaria Romário para a Copa de 2002?
Tenho uma ação na Justiça contra Romário porque, quando ele foi cortado em 1998, inaugurava o Café do Gol e me botou sentado na privada (uma das caricaturas pintadas nas portas dos banheiros da boate de Romário no Rio) e, do lado, o Zico com papel higiênico. Mas o chamaria para a Copa, porque não misturo vida pessoal com profissional. É meu ponto de vista e respeito o do Felipão. Deve ter havido problemas quando o Felipão estava no comando, mas quem tem de falar disso não sou eu.

Ficou magoado com Romário?
Sempre o convoquei, mas quando o cortei ele me detonou. Fiquei magoado porque ele quis desmoralizar a mim e ao Zico. Entrei com ação porque a imagem correu mundo, em jornal e televisão. Já estivemos juntos novamente, nos cumprimentamos, mas ele não me pediu desculpas.

É verdade que o senhor estava trabalhando no Maracanã na final da Copa de 1950?
Estava como soldado da Polícia do Exército. Não fui convocado só para a Seleção. Fui também para o Exército e para tirar madeira do Maracanã. Trabalhei uns três dias retirando as sobras da obra do estádio. Na final, vi o jogo da arquibancada, com a farda verde-oliva, fazendo a segurança. Mas ninguém me falou que tinha de ficar de costas para o campo, vigiando a torcida, e não fiquei. Não ia perder a final da Copa.

Já imaginava o que faria no futebol naquela época?
Fico até arrepiado pensando nisso. Nunca podia imaginar, apesar de já estar jogando nos juvenis do Flamengo em 1950, que um dia seria o único a ser quatro vezes campeão do mundo e uma vez vice. Muitos acham que não, mas chegar à final de uma Copa do Mundo é coisa à beça.

Pensa em continuar no futebol?
Não vou dizer que dessa água não beberei. Como técnico da Seleção, me despedi. Toparia trabalhar como coordenador técnico de clube ou da Seleção. Não quero mais é ficar dentro das quatro linhas, mas pode ser que me dê uma coceirazinha e eu aceite algum convite de clube. No brasileiro desse ano recebi quatro convites, do Inter, do Botafogo, do Palmeiras e do Atlético Paranaense. Quase aceitei o do Atlético, mas achei que não era o momento.

Sua vocação de técnico se manifestou quando?
Comecei na meia-esquerda do América, com 17 anos. Já acompanhava bem o futebol e, naquela idade, tive a intuição de mudar para a ponta-esquerda para, num futuro, chegar à Seleção. Passei a jogar ali pra fugir da concorrência no meio, que tinha gente demais. Em 1958, fui convocado para a Copa, mas todos achavam que ia ser cortado. O Vicente Feola (técnico da seleção de 1958) percebeu que eu fazia a dupla função, jogando na ponta e fechando o meio-campo, e me confirmou como titular. Fui muito criticado, mas o tempo me deu razão. Hoje quem não faz isso não joga, tirando as exceções.

O início de carreira foi difícil?
Meu pai (Aroldo Cardoso Zagallo) era contra, apesar de gostar de futebol e ir aos estádios aos domingos. Na época todos achavam que jogador de futebol era vagabundo. Depois ele acabou deixando e ia sempre me ver jogar. Meu pai morreu em 1958. Até hoje acho que foi por causa das emoções que ele viveu ouvindo os jogos da Copa. Fomos campeões em junho e ele morreu em setembro.

Qual seu time de coração?
Meus dois clubes foram o Flamengo e o Botafogo, onde ganhei os principais títulos. Se disser que sou um ou outro, magoaria os torcedores de um dos dois. Então digo que sou América. Não magôo ninguém e ainda faço justiça com o meu primeiro clube.