domingo, 31 de outubro de 2010

O PREFEITO

As paredes do gabinete estão tomadas por cartazes de propaganda soviética. Na mesa de trabalho, colado nela na verdade, ao lado, o computador não para. O prefeito dá entrevista com desenvoltura, é bom nisso, e de tempo em tempo se vira para o computador, mostra alguma coisa na tela ou apenas checa os emails, sem parar de responder a pergunta. Estava no meio do segundo de seus três mandatos e mantinha popularidade suficiente para ser reeleito com folga no ano seguinte, no primeiro turno, até pela ausência de adversários decentes.

No total, foram 12 anos à frente da Prefeitura do Rio e o início foi, sim, promissor. Mesmo resvalando um pouco além da conta pra direita, se é que ela ainda existe, conseguiu dar uma arrumada na cidade, ainda que tenha sido na base daquele velho discurso de busca pela ordem que sempre remonta a Orwell, Big Brother, a Hitler, Stalin, Mussolini, e a qualquer guardinha de rua todo-poderoso. Mas tinha também o humor involuntário, ou nem tanto. O picolé no açougue, o casaco azul da Lacoste, a resistência heroica pelo horário de verão e outros factóides.

De qualquer maneira, o primeiro governo do prefeito teve projeto, boas ideias como o favela-bairro e, o melhor de tudo, teve investimento em Saúde. Hospitais municipais como o Souza Aguiar e o Miguel Couto passaram a funcionar direito, a olhos vistos. Já no segundo mandato, a história foi diferente. Para vencer o pupilo, colocado por ele na Prefeitura, precisou fazer muitos conchavos, prometeu muita coisa pra muita gente, o que prejudicou sua administração. A saúde começou a degringolar, entre outros problemas, e o prefeito passou a ser alvo constante de todos os jornais.

Começou a virar vilão, mas conseguiu se reeleger mesmo assim, para, sob bombardeio intenso da mídia, perder de vez a popularidade em seu terceiro mandato. No último ano, nas eleições para sua sucessão, sua candidata teve votação pífia. No pleito deste ano, o prefeito tentou uma das duas vagas de senador. Ficou em quarto lugar, com 1,5 milhão de votos a menos que o terceiro colocado.

Abaixo, a entrevista

Revista Istoé Gente, edição 191, de 31 de março de 2003

"Qualquer político tem como objetivo ser secretário-geral da ONU, presidente dos Estados Unidos, se for americano, ou papa, se estiver na hierarquia da Igreja Católica. O político que não tem ambição maior não tem motivação no estágio em que está. Mas ninguém planeja ser presidente. O senador Antônio Carlos Magalhães diz: 'Ser prefeito é questão de competência, ser governador é questão de oportunidade e ser presidente é questão de sorte'. Depende das conjunturas."

Em seu segundo mandato como prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, 57 anos, tem mostrado que continua fiel ao estilo que o transformou num dos principais líderes do PFL. Preocupado com a violência do Rio, o prefeito não poupa críticas a adversários políticos como o ex-governador fluminense Anthony Garotinho, ao mesmo tempo em que acena com uma trégua com a atual governadora e mulher de Garotinho, Rosinha Matheus. Na segunda-feira 18, ocupou o noticiário ao acertar o empréstimo ao Estado do Rio de R$ 230 milhões para o pagamento da folha salarial, num acordo que prevê ainda a cessão de R$ 100 milhões do município para o combate à violência.

A onda de violência que tem atingido o Rio de Janeiro poderia ser evitada?
Poderia, se, no início dos anos 80, o governo federal tivesse consciência do que estava acontecendo em matéria de tráfico de drogas no Brasil. Na primeira metade da década de 80, os governos democraticamente eleitos nos Estados entraram enfatizando prioridades sociais e reduzindo as aplicações em Segurança Pública. Natural, se nem eles, e nem o governo federal, sabiam dos problemas nessa área, mas isso terminou produzindo o quadro dramático que se vê hoje, principalmente no Rio e em São Paulo.

Quem é responsável pela crise de segurança no Rio?
O fracasso da Segurança Pública a partir de 1999 é atribuível a quem hoje responde pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, o senhor Luiz Eduardo Soares. Ele deu a ordem de levantar a repressão ao narcovarejo de drogas, num momento em que a ação repressiva no final do governo Marcello Alencar (1998) tinha reduzido os índices de criminalidade e criado condições para a implementação de uma política que combinasse modernização e inteligência com repressão.

Por que isso não aconteceu?
O senhor Luiz Eduardo Soares trabalhou com a ilusão de que, sem repressão, as gangues se estabilizariam nas suas regiões, como aconteceu com a contravenção. Cada vez que havia disputa à bala por bocas de fumo, ele entrava reprimindo, como castigo. A linha era de liberação do tráfico, desde que não houvesse disputa à bala entre eles. Foi um desastre, e acho gravíssimo o presidente nomear quem produziu esse desastre como secretário nacional de Segurança Pública.

Não acredita no plano do PT para a Segurança?
Não sei se o ministro da Justiça está adotando aquelas idéias, nunca mais vi aquele livrão que eles gastaram meses para produzir e apresentaram na campanha eleitoral. Se o ministro for influenciável por Luiz Eduardo Soares, Deus me livre. É distribuir colete à prova de bala para todo mundo.

Por que o senhor defendeu recentemente que se atirasse nos bandidos para matar?
Respondi uma pergunta sobre a rebelião em Bangu 1 (em setembro de 2002, quando presos comandados por Fernandinho Beira-Mar mataram colegas de cela e tomaram o presídio). Eram 16 presos rebelados e a polícia negociou com eles durante 16 horas. Em qualquer lugar do mundo, numa situação de rebeldia, os presos têm de se deitar de bruços, de calção ou nus, e se alguém tentar fazer o que está ameaçando, a polícia atira para matar. Não no dedão do pé de um homem com uma arma na mão. Se não fizeram isso, perderam a autoridade.

O senhor é a favor da pena de morte?
Não é eficaz. O ato de delinqüir está mais relacionado com a velocidade da punição, e com a probabilidade de que ela venha, do que com o nível da punição. Vivemos no Rio uma banalização da vida que todos esses bandidos sabem que, se não forem presos, vão morrer, ou na mão de outros bandidos ou da polícia. E introduzir a pena de morte gera uma sofisticação legal enorme, com vários cuidados adicionais na área de Justiça. Não é prático.

Como vê o governo Lula?
Não começou ainda. O governo Lula ainda está em campanha. Raro é o dia que não vejo o Lula num comício. Ele recebe prefeitos, faz comício, vai para porta de fábrica, faz outro. Se fosse o partido do governo federal, ele estaria cumprindo seu papel, de presidente do Partido do Governo Federal. Em muitos momentos ele é um chefe de Estado qualificado. Tem enfrentado questões com muita coragem, mas o País não tem governo porque não há chefe de governo.

Por que o senhor diz isso?
O presidente não dedica parte substantiva de seu tempo a gerir a administração, que é complexa. Pego o Rio de Janeiro, segunda maior cidade do País, mas que perto do governo federal é um cisco, e vejo o tempo que tenho que me dedicar à gestão. Fico surpreendido que o Lula não precise dedicar esse tempo à administração.

Outros membros do governo não estão fazendo isso?
O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, podia estar de primeiro-ministro, mas está tratando acanhadamente da sua esfera de responsabilidade. José Dirceu podia estar fazendo, não está. Ele tem poder político de nomear cargos em comissão. É um governo de muitos tentáculos não coordenados. Cada um atira para um lado.

Qual a expectativa para o governo Rosinha?
A administração pública estadual está desintegrada praticamente em todos os segmentos. Numa crise grave como essa, não cabe fazer oposição, e sim discutir medidas concretas para que o Estado recupere sua capacidade de autogerir-se. Senão caminhamos para um segundo momento que é de intervenção, o que nenhum de nós deseja. Espero que a administração de Rosinha seja diferente da de Garotinho.

A ex-governadora Benedita da Silva tem culpa na atual crise?
Propus à Benedita que ela, quando assumisse, fosse à Assembléia Legislativa e pedisse a ruptura com a situação que recebera. Alertei que ela tinha de fazer a tomada de contas naquele momento, porque a responsabilidade para enquadramento na Lei de Responsabilidade Fiscal e no Código Penal seria dos últimos oito meses do governante. Ela não fez porque não quis, e porque não tinha consciência do que receberia. Devia ter, porque os números estavam no Diário Oficial do Estado, não eram secretos. Quando viu que era grave, Benedita agravou a situação com medidas que incharam mais a folha de pagamentos. Portanto, ela é agente desse processo de desintegração financeira do Estado.

Acredita que ex-governadores como Itamar Franco, Benedita da Silva e Olívio Dutra deveriam ser punidos por descumprirem a Lei de Respondabilidade Fiscal?
O artigo 42 da LRF é combinado com artigo próprio do Código Penal e prevê pena de 1 a 2 anos de prisão. Se não for aberto processo e eles não forem julgados para alguma condenação neste intervalo, a LRF estará sendo desmoralizada.

A família Garotinho é uma força política a ser considerada?
Não quero falar da Rosinha porque ela não é a matriz. Ela diz que cumpre uma missão para o marido. Mas esses ciclos de populismo estão pelo País há décadas. À medida em que a política ganha envergadura, que é exigida da administração pública não um cargo de cabo eleitoral, mas uma administração profissional, o oportunismo perde espaço. Minha ascensão no Rio correspondeu a esse movimento, nosso grupo ganha eleição na cidade há 10 anos. Espero que o Estado se vacine também contra o populismo.

Anthony Garotinho é um populista?
Certamente, mas um populista sem estofo, sem raiz. É diferente do ex-governador Leonel Brizola. Brizola tinha clareza de que a resposta para a pobreza passava pela Educação. O Garotinho imagina que a resposta passa pelo cheque-cidadão, pelo sopão, e depois pelo reino dos céus. Você sobrevive por conta de políticas assistencialistas e ascende por conta de políticas divinas. Essa é a combinação do populismo dele. O resultado disso deve estar afligindo muito a governadora, até porque ela não tem pele grossa de político, porque nunca foi vereadora.

Acha que a governadora pode dissociar-se da imagem de Garotinho?
Não é fácil, mas pode. Uma remontagem do governo com quadros técnicos de primeira qualidade, suprapartidários, ia ser uma forma de dar uma resposta à situação. Não se dá resposta a essa crise fazendária se, como gestor de uma Secretaria de Finanças, não tiver um quadro que dê absoluta tranqüilidade à sociedade, senão você vai achar
sempre um Silveirinha.

Pensa em se candidatar ao governo?
Não, quero ser prefeito de novo. Quero ajudar a eleger o próximo governador, apresentar mais uma vez nosso programa de governo, que já foi derrotado duas vezes, discutir, apoiar e ajudar o governo, se precisar.

Tem ambição de ser presidente?
Qualquer político tem como objetivo ser secretário-geral da ONU, presidente dos Estados Unidos, se for americano, ou papa, se estiver na hierarquia da Igreja Católica. O político que não tem ambição maior não tem motivação no estágio em que está. Mas ninguém planeja ser presidente. O senador Antônio Carlos Magalhães diz: “Ser prefeito é questão de competência, ser governador é questão de oportunidade e ser presidente é questão de sorte”. Depende das conjunturas.

O governo estadual não seria um caminho para a Presidência?
Não precisa mais passar pelo governo estadual para ser candidato a presidente, principalmente nas grandes cidades, que são pólos propagadores do desenvolvimento. Marta Suplicy pode ser candidata à sucessão do Lula. Jacques Chirac foi prefeito de Paris e presidente da França. Jorge Sampaio, prefeito de Lisboa e presidente de Portugal.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A FUTURA GOVERNADORA

Ela era negra, pobre e favelada. Virou vereadora, depois deputada, e quase foi prefeita do Rio, mas perdeu de virada para César Maia, naquela que foi a primeira grande vitória eleitoral do prefeito mais longevo da cidade na história recente. A popularidade, no entanto, foi suficiente para que Benedita da Silva se tornasse a primeira mulher negra eleita senadora e, quatro anos depois, garantisse a vaga de vice-governadora na chapa vitoriosa de Garotinho, nas eleições de 1998. A entrevista aconteceu quando ela estava prestes a se tornar a primeira governadora da história do Rio de Janeiro, mas Benedita minimizava o fato. Dizia que feliz, mesmo, ela ficaria se vencesse as eleições para o governo, dali a sete meses. Acabou perdendo no primeiro turno, para outra mulher, e terminou sua curta experiência no Palácio Guanabara com a desagradável marca de ter deixado de pagar o décimo terceiro salário dos servidores, entre outros problemas. Acusou o antecessor de ter deixado a bomba estourar na mão dela. Pode até ser, mas também a digníssima governadora não soube se cercar de bons quadros no governo. Na Secretaria de Fazenda, por exemplo, botou uma raposa, que graças aos meandros de nossa política estadual conseguiu se colocar novamente, dessa vez no galinheiro instalado no saudoso Vasco da Gama, hoje transformado em covil de aproveitadores com o beneplácito da mídia que sempre odiou o clube. Mas é claro que a Benedita, eleita agora deputada federal, com pouco mais de 60 mil votos, não tem nada a ver com isso.

Abaixo, a entrevista

Revista Istoé Gente, edição 136, de 11 de março de 2002

"Sei muito bem quando estou sendo vítima de um preconceito e quando estou sendo vítima de uma disputa. Você vê isso na medida em que vai galgando posições. É um preparo constante de saber reagir. O que não pode é entrar numa paranóia de achar que essa ou aquela ação são preconceituosas."

Ela nasceu na favela da Praia do Pinto, no Rio, cresceu e morou 57 anos no Morro do Chapéu Mangueira, no Leme, zona sul carioca, só entrou na faculdade aos 40 anos e hoje, prestes a chegar aos 60, se prepara para ser a primeira mulher a governar o Estado do Rio de Janeiro. Na expectativa de substituir o governador Anthony Garotinho – que deverá licenciar-se do cargo em abril, para disputar as eleições presidenciais – a vice-governadora Benedita da Silva terá nove meses para mostrar serviço. Sem tirar os pés do chão, Bené transfere os louros de seu sucesso ao trabalho coletivo do PT. Mas, candidata ao governo estadual nas próximas eleições, avisa que não vai esconder a satisfação pessoal se ganhar a disputa. A ex-empregada doméstica, que já se destacava em organizações como a Associação das Mulheres do Chapéu Mangueira e a Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro, começou na política em 1982, como vereadora. De lá para cá, foi deputada federal duas vezes e senadora. Nada que fizesse a mãe de dois filhos e avó de quatro netas deixar a família de lado. Viúva duas vezes, faz questão de, quando tem tempo, preparar a comida do marido, o ator Antônio Pitanga.

É uma vitória pessoal assumir o governo do Estado do Rio, mesmo por nove meses?
Nem pensar. A vitória se deu quando fomos eleitos. Governar nove meses é um desafio grande para o PT. Foi o PT, junto com o povo do Rio de Janeiro, que me elegeu para representá-lo nesse momento. A vitória é resultado de um trabalho coletivo.

Nem uma ponta de orgulho? Nem quando foi eleita para o Senado (Em 1994, foi a primeira mulher negra eleita senadora, com 2,2 milhões de votos)?
A vitória nunca pode ser atribuída unicamente aos seus méritos. Na política há outros componentes que formam esta constelação. Na eleição para o governo estadual, a vencedora foi a política de aliança (Benedita foi vice na chapa do governador Anthony Garotinho, na época ainda no PDT). Quando saí senadora, o PT não tinha representação no Senado no Rio. Foi para fortalecer o partido que saí candidata. Nunca coloco essas vitórias como um patrimônio da Benedita.

E qual a sensação da Benedita mulher quando a candidata vence?
Como representante dessa política, fico muito feliz quando sou vitoriosa. E quando perco, como nas disputas para a prefeitura do Rio (Benedita perdeu em 1992 e em 2000 para César Maia), tenho que administrar. Quando se ganha, a vitória é de todos. Mas quando se perde, a derrota é só sua. A política me deixa na posição de assumir o governo por nove meses. Agora é só complementar esse período e disputar para ganhar o governo do Estado do Rio de Janeiro. Quero ser governadora eleita. Aí pode ter certeza que vou ficar muito contente.

Frei Betto disse que nove meses é muito tempo e que dá para fazer até gente. O que acha?
Concordo. Só que neste caso será um parto prematuro. Terá menos de nove meses.

A senhora vai morar no Palácio Laranjeiras (residência oficial do governador do Rio)?
Essa não é uma decisão colocada como prioridade. Mas, se necessário for, morar mais perto é sempre melhor do que morar longe. Moro em Jacarepaguá (Zona Oeste do Rio), mas não tenho dificuldades em chegar no horário. Mas é de domínio público que o palácio é um espaço para o governador. Nesse caso, poderá ser um espaço onde a governadora estará.

Imaginava chegar onde chegou quando começou na política?
Nunca passou pela minha cabeça que eu pudesse sequer ser candidata a vereadora em 1982, mas minha história política vem da base. Até as universidades que fiz – sou formada em Serviço Social e Estudos Sociais – foram em função da luta que travava. Não nasci em berço de ouro, mas acredito que a inteligência e a sabedoria vêm de Deus, da natureza do ser humano. O segredo é como aproveitar essa inteligência na adversidade.

Que característica marcou sua trajetória na política?
Sempre fui muito modesta. Ser modesto não significa que você não seja ousado. Às vezes os colegas me acham fria diante de uma boa notícia, mas não é isso. Sou calorosa, mas vivo cada dia, porque se carrega um peso grande na hora em que as coisas não dão certo. Não sou de soltar foguetes antes e muito menos de ter o passado como a impossibilidade do presente. Tem gente que olha para trás e não consegue avançar, porque o passado foi ruim. Tenho o passado como uma grande lição. No presente vou preparando um futuro, que na política sempre é projetado, mas que na minha cabeça depende muito do hoje, porque você sai de casa e não sabe o que vai acontecer. Posso ter sonhos, mas nada que me faça regozijar por algo que ainda vai acontecer. Parece frieza, mas não é. Tenho o pé no chão.

Sua ascensão política representa uma quebra de preconceito?
O preconceito racial brasileiro é gritante, mas você não pode assimilar isso diante dos desafios. O preconceito não é meu, é de quem tem. Cabe a mim seguir em frente e mostrar que é possível a convivência com as diferenças e construir um mundo de paz. Estamos perto de grandes vitórias nessa área, e não falo só de negros e indígenas. Se somamos no Brasil uma maioria de não brancos, então isso vai ser bom para todo mundo.

A senhora já sofreu preconceito na política?
Sei muito bem quando estou sendo vítima de um preconceito e quando estou sendo vítima de uma disputa. Você vê isso na medida em que vai galgando posições. É um preparo constante de saber reagir. O que não pode é entrar numa paranóia de achar que essa ou aquela ação são preconceituosas.

E como reage?
Procuro me pronunciar. Há momentos em que você nem reage, tal é o nível de ofensa. É um estado de choque. Já tive reações diversas, dependendo do ambiente, porque você tem que pensar muito rápido.

Pode dar exemplos?
Prefiro não falar. Mas a coisa é tão maléfica que a reação tem de ser de autoridade, porque as justificativas são logo “não, não é nada disso'”. Então ataco com autoridade mesmo, senão é bem capaz de ter de dar explicações sobre a reação. Como se um cachorro te mordesse e alguém dissesse: “Quem mandou passar por aqui?”. Então você fala: “Aqui não pode passar? Quem pode passar?”.

Como concilia a dona-de-casa com a política?
Sempre estou próxima da minha família. Outro dia eu e minha irmã Celeide (70 anos) pensamos a mesma coisa sobre o Pitanga, sem saber. Ele está trabalhando em O Clone, faz o personagem Tião e come muitos pastéis em cena. Ela pensou em fazer os pasteizinhos para ele levar e eu pensei a mesma coisa, porque nós duas somos ótimas cozinheiras e o conquistamos com nossos pastéis.

Foram seus pastéis que conquistaram Antônio Pitanga?
Não é bem isso. O Pitanga gostava demais dos pastéis quando começou a freqüentar nossa casa. É uma tradição na minha família tratar bem quem chega lá em casa, e você dá aquilo que sabe fazer melhor. Então eu fazia uns pasteizinhos para o Pitanga, e ele gostava demais. Estou muito sem tempo, mas sempre faço uma comidinha que ele e nossos filhos gostem. Não quero abrir mão disso, porque na política é tudo passageiro.

O que conseguiu dar aos netos que não teve na infância?
Pelo menos eles estão estudando na época certa. Eu fiz o primário e depois fui autodidata. Batalhei para completar o segundo grau e só fiz a universidade com 40 anos. Meus netos estão estudando de acordo com a faixa etária. A mais velha, Ana, está com 18 e fazendo o pré-vestibular. Ela acabou de voltar dos Estados Unidos, onde ficou um ano fazendo curso de inglês. Ela e os outros três (Benito, 16, Ettiene, 15, e Diego, 11) têm muito mais chances do que eu.

O que acha de Roseana Sarney, a primeira mulher a se candidatar, com chances, à Presidência?
Ela é uma política e está perseguindo sua trajetória. A observação que faço é sobre o que ela representa: não é um projeto de renovação, que possa dar combate às desigualdades sociais do País. Não estou tratando de política de gênero e muito menos racial. Me colocaria da mesma forma sobre a candidatura de um negro ou de uma negra.

E qual a expectativa de disputar o governo com a primeira-dama Rosinha Matheus?
Espero ganhar. Vou tratá-la como estarei tratando os demais candidatos. Não escolho adversários.

A senhora já trabalhou com Garotinho. Ele daria um bom presidente?
Meu candidato é Luiz Inácio Lula da Silva.

Dia 8 é o Dia Internacional da Mulher. O que mudou para você?
Sou uma vitoriosa. Na família, na política e na relação com os amigos. Nesse 8 de março, podemos levantar bandeiras que ajudaram na trajetória de cada uma de nós. Estamos um pouquinho aquém, mas houve grandes evoluções. O ano que passou foi pesado para as mulheres, com guerras, mortes. Espero no próximo 8 de março festejar com mais alegria. Não deixo de agradecer por mais essa data, sem esquecer que a luta continua.