sábado, 29 de outubro de 2011

HONÓRIO, O GURGEL - A VENDA

Foi o recado do porteiro, quando se chegava em casa mais uma vez, que despertou aquelas recordações nada exemplares referentes ao nome José Emir. Nada exemplares porque estúpidas, dignas da imbecilidade esporádica dos anos vinte, aquela época dourada, na flor da juventude, quando o sujeito mais faz merda na vida. No caso em questão, a merda era infringir o maior número possível de regras de trânsito durante a madrugada. Afinal de contas, ora pois, o carro jamais fora devidamente regularizado, estava ainda no nome do José Emir, então tome multa para o Zé Emir, tome pose sorridente, com a cabeça pra fora da janela, para a foto do radar do sinal avançado.

Até que veio o porteiro e entregou aquele pedaço de papel com o número de um celular e um nome do lado: José Emir.

Por sorte, a dívida com as multas era menor do que deveria ser, coisa de quinhentos e poucos reais, e o José Emir mostrou ser um sujeito sensato, honesto, que compreendeu perfeitamente as peripécias de um jovem de vinte e poucos anos, que economizou pra comprar o primeiro carro, o gurgelzinho X12, e só seis meses após a compra percebeu que jamais conseguiria botar o Gurgel em seu nome.

E tudo ficou ainda melhor quando, naquele agradável fim de tarde no Cento e Onze do Cem, nós dois confortavelmente acomodados na varandinha fechada do apartamento, em cadeiras da década de 50, com uma outra mola arrebentada, em frente à mesinha com tampo de mármore, carcomida pela ferrugem, o grande Zé Emir disse que até estava pensando em comprar um carro como o meu, ou dele ainda, ou nosso.

O negócio foi fechado ali, na hora, e todos ficaram felizes. De um lado, um cara de vinte e tantos anos que jamais conseguiria regularizar seu carro, vendendo o Gurgel para o único sujeito que jamais teria problemas de documentação com o veículo; e do outro lado esse mesmo sujeito, que finalmente conseguia se livrar das multas injustas em seu nome, e ainda por cima tinha adquirido um carro por módicos dois mil reais, ou mil e oitocentos, com o desconto do IPVA atrasado.

E assim terminava uma época da vida, um período tão desprovido de preocupações de verdade que até tempo pra batizar carro havia, se bem que essa história de dar nome a um veículo automotor continuou ainda por alguns anos, porque depois de Honório, o Gurgel, veio Bóris, o Niva. Mas isso é uma outra história.