quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A QUATRO MÃOS

A entrevista até que correu bem, mas não foi fácil. O entrevistado tinha mais de noventa anos de idade e não falava lá muito alto. Mesmo com a cadeira bem perto da dele, com o gravador o mais próximo da boca dele que a boa educação permitia, algumas falas escaparam na hora, e mesmo no gravador foi trabalhoso recuperá-las. Sorte que a entrevista rendeu o suficiente, e mais sorte ainda que no fim dela, depois de quase uma hora de conversa naquele gabinete colado ao salão branco cercado pelo mar de Copacabana, onde um cavaquinho se recostava atrás da porta, ele pediu pra ver o texto antes da publicação. Queria que o repórter, se fosse possível, por obséquio, enviasse por fax a matéria pronta, e o repórter aceitou de imediato. Só pediu, se fosse possível, por obséquio, que a resposta fosse rápida, no máximo um dia depois do envio, para evitar problemas com o horário de fechamento. O prazo foi cumprido e o que era dúvida, um ou outro trecho meio nebuloso, prejudicado pela dificuldade de ouvir o que tinha sido dito, voltou melhor, claro, nítido, bem mais condizente com um raciocínio que, viu-se depois, manteve-se na ativa por mais de cem anos.

Um ano depois, em nova entrevista no mesmo gabinete, com o mesmo cavaquinho atrás da porta, o método foi repetido. A matéria era uma biografia resumida do entrevistado dividida em quatro capítulos, um por semana. O primeiro texto voltou com um bilhete dele bem sucinto: "Diante dos inúmeros erros em seu texto, favor anotar essas correções, grato". Devia estar de mau humor, porque as correções apontadas, ainda que importantes, eram só três. No segundo e no terceiro textos ele apontou um ou outro detalhe, mas não mandou bilhete. No último, não fez correções e voltou a mandar um bilhete pelo fax. "Gostei muito da matéria. Grato". E claro que o repórter perdeu esse fax.

Oscar Niemeyer morreu ontem, aos 105 anos, a matéria da qual ele disse ter gostado, embora sem qualquer prova disso, é esta aí embaixo.

Revista Istoé Gente, edição 219, de 13 de outubro de 2003

“Não imaginava que minha vida iria dar samba”.


Brasília já tinha sido inaugurada havia três anos quando, antes de partir para uma temporada no exterior, Oscar Niemeyer se encontrou com o amigo Darcy Ribeiro. Na despedida, foi saudado com otimismo pelo antropólogo, que não escondia a euforia com a linha de esquerda adotada pelo então presidente João Goulart. “Estamos no poder, Oscar”, saudou Darcy. O ânimo durou pouco. O arquiteto ainda estava na Europa quando estourou o golpe militar que instaurou a ditadura no Brasil. Depois de passar um mês em Paris, Niemeyer recebeu em Lisboa a notícia do golpe, dias antes de partir para Israel, onde ficaria seis meses.
Hospedado no Hotel Victória, o arquiteto passou os últimos três dias na capital portuguesa com o ouvido colado ao rádio, na expectativa por qualquer boa notícia. Com a confirmação da queda de Jango, foi para Israel. Durante os seis meses em que trabalhou em Tel Aviv, recusou qualquer convite para festas. “Parecia-me que, aceitando os convites, estaria traindo aqueles que no Brasil enfrentavam a opressão e a violência”, justifica.
O escritório do arquiteto no Rio de Janeiro foi invadido e a revista Módulo, que Oscar fundara em 1955, deixou de circular. “Quebraram tudo. Quando voltei tive de prestar contas”, diz ele, que não chegou a ser preso, mas foi interrogado algumas vezes pelas forças da repressão. Em uma delas, numa pequena sala acolchoada e na companhia de um escrivão e um policial encarregado do interrogatório, Niemeyer não dispensou a ironia nas respostas.
– Senhor Niemeyer, o que vocês comunistas querem? Mudar a sociedade? – perguntou o policial.
– Escreve aí, mudar a sociedade – respondeu o arquiteto, virando-se para o escrivão e provocando uma reação desanimada dos policiais.
– Vai ser difícil – disse o escrivão, com ar de desalento, ao policial que fazia as perguntas.
O interrogatório não passou disso, mas não devolveu a paz que o arquiteto precisava para trabalhar no Brasil. A solução foi aumentar o número de projetos no exterior, como o da Universidade de Constantine, na Argélia, em 1969, onde Niemeyer manteve o hábito de levar os amigos misturados com colegas de trabalho. “Tivemos de recrutar às pressas profissionais disponíveis para acompanhá-lo e montar um escritório lá, e todos, de preferência, tinham de ser amigos do Oscar”, diz João Filgueiras, que na época trabalhava com Niemeyer. Darcy Ribeiro apareceu e ficou uns meses por lá, junto com Luiz Hildebrando Pereira da Silva, médico do Instituto Pasteur (na França), que também nada tinha a ver com arquitetura. “Foi um tempo bom”, resume Niemeyer.
Feliz durante a estadia na África, Niemeyer pôde elaborar um de seus projetos prediletos. Sem a importância histórica de obras como Brasília e a sede da ONU, em Nova York, a Universidade de Constantine tem até hoje lugar reservado na memória do arquiteto. “O projeto não é bom porque é monumental, mas porque nele estabelecemos uma série de princípios. Ali reduzimos o número de prédios de vinte para sete, facilitando a circulação dos alunos e tornando a universidade mais versátil”, lembra.
Instalado em Paris a partir de 1967, onde abriu seu escritório na Champs Elysées cinco anos depois, o arquiteto passou a ganhar cada vez mais projeção internacional. Além de projetos como o da sede da editora Mondadori, na Itália, fez novas amizades. Uma delas foi Jean-Paul Sartre. Convidado para a casa do filósofo francês e para reuniões políticas com ele na rua, Oscar dava preferência aos encontros privados, pois o partido comunista não via com bons olhos os eventos políticos. “Sartre não era alinhado ao partido, mas apoiava os movimentos de esquerda. Dizia que gostava de ter dinheiro para dar esmola, e dava com prazer. Era um grande sujeito”, conta Niemeyer.
Não foi qualquer restrição do partido, mas sim o medo de avião que o impediu de conhecer na época outra figura histórica. Temeroso de pegar um avião soviético na Espanha, único meio de chegar a Cuba nos anos 70, não realizou a vontade de visitar Fidel Castro. Adiado em cerca de 20 anos, o encontro acabou acontecendo no escritório de Niemeyer em Copacabana, durante a Rio 92, a conferência que reuniu os principais líderes mundiais para discutir assuntos ligados ao meio ambiente.
Não bastasse o caráter histórico, a reunião foi marcada por uma cena insólita. Na hora de Fidel ir embora, por volta da meia-noite, o único elevador que dava acesso à cobertura de Oscar quebrou. Para pegar o outro, os convidados tinham de passar por dentro do apartamento vizinho, e foi o que aconteceu, Um atônito morador, provavelmente de pijama, abriu a porta de sua casa para que ela passasse o presidente de Cuba e um dos maiores ícones do socialismo mundial. Único comunista do prédio, Niemeyer se orgulhou ao ver, na saída do amigo e companheiro de ideologia, todas as luzes do edifício acesas e seus vizinhos aplaudindo o convidado ilustre.
Dez anos depois, em 2002, aos 94 anos, o motivo de aplausos voltou a ser o arquiteto. De inusitado dessa vez, só o lugar da homenagem. Escolhido como enredo da escola de samba Unidos de Vila Isabel, Niemeyer foi à festa de inauguração da quadra que ele mesmo projetara, na zona norte carioca. Na recepção, o compositor Martinho da Vila, uma das principais figuras da escola, impediu sua progressão na direção do portão fechado. A surpresa durou poucos segundos, tempo necessário para que o sambista abrisse a porta e, com um movimento de braço, desse o sinal para a bateria começar a tocar em homenagem ao homem que inspirara o Carnaval da escola.
O arquiteto não saiu com a escola no desfile pelo grupo de acesso do Carnaval carioca, no Sambódromo da Avenida Marquês de Sapucaí, também projetado por ele. Daquele dia da inauguração da quadra, porém, Niemeyer guarda até hoje a lembrança da bateria tocando em sua homenagem. “Não imaginava que minha vida iria dar samba”.

sábado, 20 de outubro de 2012

MOÇA DA CAPA - A MOCINHA

Depois do último capítulo, ontem, Avenida Brasil já pode ser considerada, talvez, quem sabe, a melhor novela da história da tevê. E a mocinha da história já era capa da revista na época da entrevista. Chegou pontualmente à salinha de imprensa do Projac e, no fim, depois de uns quarenta, no máximo cinquenta minutos, deu até o número do celular para tirar qualquer dúvida. E claro que, três dias depois, o repórter ligou com alguma dúvida besta. E claro que ela não atendeu.

Abaixo, a matéria. As fotos são do Edu Lopes.

Revista Istoé Gente, edição 277, de 29 de novembro de 2004

“Tinha preguiça e achava que tinha medo de dirigir. Mas decidi tirar carteira depois de dois anos de táxi e carona”

Nas ruas, ela quase nunca ouve o próprio nome quando é abordada. Alguns a chamam de Maria Eduarda, a romântica menina rica de Senhora do Destino. Outros lembram da Mel, a sofrida viciada de O Clone. Mas são poucos os que identificam a atriz Débora Falabella como intérprete desses personagens. E ela adora que seja assim. “Não tenho interesse em que saibam que sou a Débora Falabella”, diz a atriz, antes de revelar que talvez mude de idéia quando estiver “com uns 70 e tantos anos”. Hoje, aos 25, protagonista de filmes como Lisbela e o Prisioneiro e A Dona da História – que juntos levaram mais de 4 milhões espectadores aos cinemas – prefere ser reconhecida por seus personagens.
A atitude combina com o discreto charme de Débora. Figura rara na noite, ela preserva ao máximo sua privacidade. Conseguiu, por exemplo, manter longe dos holofotes o início, o meio e o fim do namoro de três anos com o ator Daniel Oliveira, que acabou no ano passado. “Falamos da maneira mais simples: acabou e pronto. Foi tudo muito tranqüilo, sem brigas, e hoje continuamos amigos”, resume.
Do novo namorado, o músico paulista Eduardo Hipólito, 26, Débora revela o mínimo. Eles estão juntos há quatro meses e, além de fazer parte da banda de rock Forgotten Boys, Eduardo estuda gastronomia. “Deixo ele cozinhar pra mim”, diverte-se a atriz.
Outra curiosidade: Débora adora “passear numa farmácia” e não dispensa um remedinho para curar qualquer mal-estar. “Sempre fui um pouquinho hipocondríaca. Não sou dessas naturebas que não tomam remédio”, revela ela, que não deixa faltar nada em sua caixinha de medicamentos. Os cuidados com a saúde foram reforçados após a meningite que a deixou uma semana no hospital, quando fazia a Mel em O Clone, há dois anos. Não foi o tipo bacteriano da doença, considerado mais grave, mas assustou a atriz. Hoje, ela cuida melhor da alimentação e pega mais leve. “Ficava gravando o dia inteiro, cenas fortes, e às vezes esquecia de comer. Agora levo comida de casa e me alimento nas horas certas”, diz ela. Na época, foi substituída em cena por sua irmã Cíntia, 31 anos, que também é atriz. “Nosso pai (Rogério Falabella) é ator. Acho que ele foi a grande inspiração”, diz ela. A mãe, Maria Olímpia, é cantora lírica.  
Débora é a filha temporã – Maria Olímpia engravidou, sem querer, aos 39 anos. Era um bebê inquieto, custava a dormir, chorava muito. Ela sempre foi a mais tímida das três irmãs (Júnia, 35, é publicitária) e na infância criou um elo forte com Cíntia. “Quando a Débora tinha uns 11, 12 anos, elas brincavam de teatro com uma câmera de vídeo, tenho esses filmes até hoje”, diz Maria Olímpia. Em família, é extrovertida e criou um personagem, o Nojinho, que fala engraçado, como um menino meio alienado. “De vez em quando ela faz esse personagem, a Cíntia faz outro e é uma palhaçada. É engraçado, o pai delas adora, morre de rir.”   Mineira, há quatro anos no Rio, a atriz tirou carteira de motorista recentemente. Em Belo Horizonte, tinha um inexplicável medo de dirigir. Após dois anos no Rio, rendeu-se à necessidade de um carro. “Tinha preguiça e achava que tinha medo de dirigir. Mas decidi tirar carteira depois de dois anos de táxi e carona”, conta.
Hoje em dia, Débora não passa sem carro, mesmo que seu trajeto não saia muito do trivial casa–trabalho, talvez porque a atriz não tenha muitos amigos na cidade onde mora. “Não sei se é porque nas novelas a gente acaba não fazendo amizades duradouras. É difícil, as pessoas se tornam colegas de trabalho e depois vai cada um para o seu lado”, especula a atriz, cujo círculo de amigos próximos permanece quase o mesmo da época em que começou no teatro, há 9 anos, em Belo Horizonte. É lá que Débora costuma badalar um pouco mais à noite. Deixa o lado caseiro do Rio de lado, mas sem exageros. “Saio muito com as amigas para jantar e para ir na casa delas”, diz.
A única grande amizade que Débora fez no Rio, quando atuava em Agora É Que São Elas, no ano passado, é de São Paulo, onde também mora boa parte de sua turma mineira. Colega da atriz na antiga novela das seis, Francisca Queiróz, 25, confirma o jeito quieto da amiga. “A gente costuma se encontrar na minha casa ou na dela, para conversar e assistir filmes. É um estilo de vida que compartilhamos”, diz Francisca.
No trabalho, porém, Débora adota uma postura bem menos reservada. Para produzir Noites Brancas, peça baseada no texto de Dostoiévski, em cartaz em São Paulo, ela bateu de porta em porta nas empresas atrás de patrocínio. No início de 2003, em plena virada de governo, ouviu “não” várias vezes, quase desistiu, mas conseguiu levar a história ao palco com dinheiro do próprio bolso. “Tinha feito um comercial e juntei esse dinheiro com uma parte do que já estava economizando para comprar uma apartamento no Rio. Já estávamos ensaiando há um bom tempo. Ia ser muito frustrante parar”, explica ela, que acabou de comprar um apartamento, mas não revela quanto investiu no espetáculo.
Para produzir a peça em que atua, Débora se associou ao seu empresário, Roberto Monteiro, e à Odeon, uma companhia de Belo Horizonte. Foi a maneira que a atriz encontrou para fazer um personagem da sua escolha, embora pareça que ela tenha selecionado a dedo seus últimos papéis. No cinema, além de Lisbela e de Paco, que lhe rendeu elogios por sua atuação em Dois Perdidos numa Noite Suja, de José Joffily, Débora realizou o sonho de contracenar com Marieta Severo em A Dona da História. “É até engraçado falar, mas ela era minha referência mesmo. Toda vez que alguém me pedia para citar uma atriz eu falava Marieta Severo”, conta.
Para viverem a mesma personagem, elas ensaiaram juntas durante dois meses. No início, Débora ficou nervosa, a ponto de gaguejar de vez em quando e não ficar tão à vontade como deveria. Mas isso foi só na primeira semana de trabalho e, pelo visto, Marieta nem percebeu. “Não vi nada disso. Só não sabia se encontraria uma jovem preguiçosa ou disposta. Tive a grata surpresa de ver que a Débora trabalha com bom humor e encara a profissão com seriedade”, afirma Marieta. Está aí a receita do sucesso da jovem atriz.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O MOCINHO

Prestes a terminar, Avenida Brasil já é uma das melhores novelas da história da tevê. E o galã da história, hoje mais que consolidado como bom ator, tava só começando na época da entrevista. Atuava em sua primeira novela. Tranquilo, despreocupado, com uma namorada linda dormindo logo ali, no quarto ao lado, ele contou coisa à beça debaixo do sol da manhã, no pátio de uma cobertura do Recreio. O resultado tá aí embaixo.

Revista Istoé Gente, edição 237, de 23 de fevereiro de 2004

“Dormimos sentados, um encostado no outro, pra ninguém tocar na gente.”

Antes de estrear na Globo, no início de 2002, como o Mau-Mau de Malhação, Cauã Reymond, 23 anos, até fez um curso de interpretação em tevê. E pronto. Acaba aí qualquer semelhança na trajetória do namorado de Alinne Moraes com o caminho percorrido pela maioria de seus colegas. De campeão de jiu-jítsu, passou a modelo internacional aos 18 anos. Morou em Milão, Paris e Nova York, onde decidiu trocar de profissão. Enquanto enfrentava as dificuldades comuns aos latinos na maior cidade americana, incluindo aí dois dias passados na cela de uma cadeia, ao lado de criminosos, começou a estudar para ser ator. Hoje, interpretando o personagem Thor em Da Cor do Pecado, sua primeira novela, e após estrear no cinema em Odiquê, de Felipe Joffily, ele se diverte ao lembrar de tudo o que passou para se firmar na nova carreira.
O atual papel lhe reservou um ponto em comum com o início de tudo: Thor é um lutador profissional. A diferença é que, ao contrário do jiu-jítsu praticado pelo ator desde os 13 anos, as lutas da novela são mais parecidas com o kung fu. Para se adaptar, Cauã fez aulas da arte marcial durante um mês, o que não evitou algumas escoriações decorrentes dos treinos e gravações. “Já machuquei as duas mãos dando socos no saco de boxe”, conta o catarinense de Camboriú.
Bicampeão brasileiro de jiu-jítsu, aos 17 e 18 anos, Cauã entrou na carreira artística através do esporte. Em 1997, a Company, loja que o patrocinava, contratou a então modelo iniciante Ana Hickmann para estrelar uma campanha publicitária à frente de atletas financiados pela marca. Aprovado num teste, o lutador estreou como modelo. O problema era disfarçar as marcas adquiridas nas competições que continuou a disputar. “Lutar me mantinha com o pé no chão”, afirma.
O jiu-jítsu só foi abandonado em 1999, quando o modelo morou seis meses em Milão. A carreira ia bem e, após uma rápida volta ao Brasil, passou mais seis meses na Europa, dessa vez em Paris. Em 2000, mudou-se para Nova York e foi lá que começou a se sentir desconfortável na profissão. “O mercado passou a preferir aqueles tipos ingleses com cabelinho chanel, em vez dos caras mais sarados. Não estava pra mim”, recorda.
O jeito foi tentar ser ator. Para isso, Cauã contou com a sorte de, logo no primeiro teste, agradar à atriz Susan Batson, famosa por treinar Nicole Kidman e Tom Cruise. “A Susan me deu um monólogo e me mandou ler para a parede. Nem sei direito o que falei, mas ela amou. Disse que eu era um Marlon Brandon latino”, conta o ator, que arrumou ali um motivo a mais para freqüentar o curso. “Tinha acabado de terminar um namoro. Precisava ouvir elogios”, brinca.
Dois meses depois, a falta de dinheiro o fez voltar ao Brasil, mas uma conversa com o pai, o psicólogo José Marques, o ajudou a mudar de idéia. “Senti que Nova York seria bom para o Cauã. Ele estava progredindo lá”, diz Marques. Com US$ 600, o ator voltou, e de imediato participou de um workshop com o cineasta Spike Lee, que lhe fez um elogio e um alerta. “Ele disse que eu tinha energia sexual, mas era muito teatral”, diz.
A experiência mais marcante do ator nos EUA, porém, seria a mesma de milhões de pessoas. “Estava entrando num ônibus quando vi o segundo avião atingir a torre do World Trade Center. Acho que foi a cena mais impressionante que vi na vida, mas não sei descrever o que senti, até porque naquele momento não estava entendendo nada do que estava acontecendo”, conta ele. Na época, a falta de dinheiro tinha levado Cauã a dividir um apartamento com um árabe no bairro Spanish Harlem, o que o deixou ainda mais apreensivo após o atentado de 11 de setembro. “Dormia com uma faca embaixo do travesseiro”, lembra.
Mas foi ao lado de um amigo brasileiro que a dificuldade de ser estrangeiro em Nova York ficou mais evidente. Numa farmácia, o ator tentou convencer o amigo a não roubar uma barra de proteína. Descobertos pela segurança, os dois acabaram detidos porque estavam sem passaporte. Passaram dois dias numa cela com 20 presos até resolverem a situação pagando uma fiança de US$ 100 cada. “Dormimos sentados, um encostado no outro, pra ninguém tocar na gente.”
As dificuldades continuaram até a volta definitiva ao Brasil, no fim de 2001. Mesmo elogiado por professores como o cubano Carlos Leon, ex-marido de Madonna, ele não quis esperar a chance de iniciar a carreira no exterior. “O mercado estava mais para os americanos, e já tinha o Antonio Banderas”, diz.
Há um ano e meio no Rio de Janeiro, Cauã mora com Alinne Moraes no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste da cidade. A afinidade entre o casal é o segredo para lidar com o assédio que a beleza de ambos provoca. “Gosto de ver minha mulher o mais bonita possível. A Alinne tem noção do ridículo. Não vai sair com os peitos pulando para fora da roupa e sabe lidar com cantadas. Por isso ela é minha mulher”, afirma. Assim, brigas sérias por causa de ciúme passam longe do casal. “Tenho o ciúme normal, que existe em qualquer relacionamento, mas nunca precisei brigar com ninguém porque o Cauã se dá ao respeito”, diz Alinne. “Adoro que ele seja admirado, mesmo porque estou com ele não só porque o amo, mas porque ele é inteligente e desejado.”

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

AGONIA E ÊXTASE

O jornal agoniza mas não morre, ainda. Ainda se divide o corredor de entrada com os rolos enormes de papel, ainda está lá a rotativa, apitando, trabalhando sem parar, fazendo todo tipo de panfleto e jornalzinho alternativo pra faturar mais algum por fora, e ainda existe a redação, a dois lances de escada da rotativa, de onde se vislumbra a rotativa por trás de vidros embaçados e de onde se escuta os apitos e as engrenagens da rotativa parindo o jornal aos milhares, poucos milhares, porque o jornal não morre mas agoniza, agoniza e vai deixar o prédio histórico, da grande revista, a maior do país durante décadas, de onde repórteres e fotógrafos viajavam para qualquer parte do planeta, pra qualquer grotão do país, sempre em busca da grande matéria.

Hoje não se busca mais a grande matéria. Texto? Pra quê? Busca-se o grande cargo, o poder de mandar em cada vez mais gente, a capacidade de gerar dinheiro, de manter lucrativa a super empresa, o super jornal, que distribui às centenas de milhares, às vezes milhões, as vontades de seus donos, o pensamento único salpicado nas mais diversas editorias, na política, na economia, no esporte. Vende-se muito, anuncia-se mais ainda e o dinheiro jorra, mas nem um pingo pro jornal que agoniza, não morre e noticia com todo o otimismo o vislumbre de muitos investimentos, de muita grana rondando por aí, ainda que a única consequência disso, para o velho jornal, seja a necessidade de se mudar, de deixar o prédio histórico da grande revista sem nem saber para onde vai. Que os rolos gigantes de papel continuem ocupando metade do corredor de entrada, e que a redação continue em volta da rotativa, perto de seus apitos e ruídos, ainda que este seja um sonho praticamente impossível.

O texto abaixo não foi assinado. Saiu com um discreto Da Redação em cima, e um mais discreto ainda Com agências entre parentêses, lá no pé.

Jornal do Commercio, edição de segunda-feira, 5 de outubro de 2009.


"É o marco de um processo de transformação que vai se materializar por grandes investimentos".

A festa pela escolha do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016 não foi apenas pelo valor histórico dessa vitória, que fará do Rio a primeira cidade da América do Sul a receber uma Olimpíada. A comemoração que começou em Copenhague, na Dinamarca, na sexta-feira, e se estendeu por todo o Brasil também diz respeito aos investimentos que o País receberá por conta dos Jogos.
A princípio, a previsão é de que o Rio receba R$ 28,8 bilhões para organizar sua Olimpíada. Além disso, a expectativa é de que sejam gerados dois milhões de empregos no País até 2027: 120 mil postos de trabalho por ano até a realização dos Jogos e 130 mil anuais a partir de 2016. Em Copenhague, a alegria levou às lágrimas o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e o prefeito da cidade, Eduardo Paes, além do presidente do Comitê da candidatura Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman.Dentro dos investimentos previstos para os Jogos estão os US$ 13,92 bilhões (R$ 24,76 bilhões) do projeto apresentado pela candidatura brasileira no Comitê Olímpico Internacional (COI). Desse total, 72% correspondem ao orçamento destinado a obras de infraestrutura, incluindo as reformas do aeroporto internacional da cidade e do metrô, e R$ 7 bilhões já estão em execução no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Outros R$ 7 bilhões serão investidos até 2014 e o restante até 2016, também em áreas como transportes, meio ambiente e segurança.
Entre os projetos para o sistema de transportes da cidade, que receberá R$ 1,4 bilhão, estão a criação de um sistema de ônibus articulado chamado BRT (Bus Rapid Transit), as obras para o Corredor T5, que ligará a Penha até a Barra da Tijuca, além de uma ligação que unirá o bairro de Deodoro à Barra da Tijuca. Ainda está previsto um projeto ligando o metrô da Barra da Tijuca ao Recreio dos Bandeirantes.
A revitalização da zona portuária deve receber R$ 200 milhões. O investimento na área de meio ambiente será de R$ 1 bilhão, com melhorias previstas para as lagoas da Zona Oeste e a Rodrigo de Freitas, além da recuperação dos parques naturais e do monitoramento da qualidade do ar e das praias. Para o setor hoteleiro, a candidatura do Rio prevê a construção de 48,2 mil quartos, sendo 13 mil leitos em hotéis, 25 mil em vilas, 1,7 mil em apart-hotéis e 8,5 mil em navios.
A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, afirmou que a vitória da cidade do Rio de Janeiro é uma demonstração de que o País está sendo reconhecido internacionalmente e atingiu um novo patamar no cenário mundial. “O Brasil está hoje em outro patamar. Acima dos nossos problemas, passaram a ver nossas realizações e nosso potencial”. Dilma creditou a vitórias brasileira à liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à união entre as três esferas de governo.
“Temos que reconhecer também que temos a sorte de ter uma cidade como o Rio de Janeiro”, completou a ministra, que pretendeu fortalecer a Advocacia Geral da União (AGU) para garantir a transparência do uso dos recursos públicos na preparação para os Jogos.
Integrante da delegação que representou o Brasil na reunião do COI na Dinamarca, o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, também comemorou a vitória do País. “O Bradesco parabeniza o Rio de Janeiro e o Brasil. Sou de uma geração de brasileiros que vivenciou o preconceito de que o futuro nunca chegaria por aqui. Rasgamos essa crença tola. A partir de agora, temos orgulho de pertencer ao mundo, com um projeto claro e definido de futuro”. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) também comemorou a escolha do Rio. “É o marco de um processo de transformação que vai se materializar por grandes investimentos e maior inserção do Rio de Janeiro no contexto internacional. O Brasil ganhou com o Rio.”

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

E VEIO O OURO


Não, não estamos falando de ontem, quando o Brasil abriu dois sets a zero, deu pinta de que levaria o tri olímpico mas acabou sendo surpreendido por uma virada espetacular, e merecida, da Rússia. Falamos de 2002, quando a seleção brasileira, ouro em Barcelona dez anos antes, finalmente venceu um campeonato mundial de vôlei, sob o comando de Bernardinho, que começava a virar unanimidade. Só faltava, para ele, o ouro olímpico, que viria dois anos depois, em Atenas, numa vitória de 3 a 1 sobre a Itália.

Abaixo, a matéria, que foi assinada também pelo Marlos Mendes.

Revista Istoé Gente, edição 168, de 21 de outubro de 2002

“Ele tem melhorado, mas continua sem se desligar”

A escuridão do teto do ginásio Luna Park, em Buenos Aires, era a mesma de 20 anos atrás. Lotadas, as arquibancadas também balançavam como em 1982, mas não com brados contra a ditadura militar, que se despediria da Argentina em 1983, e sim no embalo de torcedores dispostos a esquecer, pelo menos por hora, a crise econômica. Aliadas às duas principais recordações de quando jogou e perdeu, para a União Soviética, a única final de um Mundial de vôlei disputada pelo Brasil, o ex-levantador Bernardinho ainda tinha o adversário do último domingo 13, a Rússia, para reforçar suas lembranças. Com tantas coincidências, foi inevitável que, treinando a seleção masculina que deu ao Brasil o primeiro título mundial no esporte com a vitória por 3 sets a 2, Bernardo Rezende, 43 anos, quisesse compartilhar a alegria com os ex-companheiros. “Nossa geração abriu caminho para que ganhássemos um Mundial”, justifica o técnico.
Da época de jogador, Bernardinho manteve o hábito de exigir o máximo da equipe, daí a fama de durão, negada por ele. “Sou é exigente. Dava duro em jogadores muito melhores do que eu, como Renan, Fernandão, Bernard, porque não admitia talentos tão grandes desperdiçarem isso sem dar 100% nos treinos”, diz, referindo-se aos colegas de 1982. Hoje, a exigência é ainda maior. “Não brigo porque a pessoa erra, mas porque ela se desconcentra. Se isso acontece é porque não dá toda a atenção necessária”, explica.
Talvez este seja um dos ingredientes da receita de vitória de Bernardinho. Outro é a união dos jogadores. “A força do grupo é fundamental, assim como a presença de lideranças”, ensina o treinador. Ele teve conversas reservadas com Giovane e Giba. Com Nalbert, chegou a treinar separadamente para que o capitão do time voltasse logo ao ápice de sua forma.
Nada muito diferente do que fez na seleção feminina, que conquistou duas medalhas de bronze olímpicas em 1996 e 2000. É dessa forma que Bernardinho pretende realizar outro sonho. “Falta o ouro olímpico”, reconhece. Por pouco ele não seguiu outra profissão. Em 1984, formado em Economia, ele estagiou 4 meses no banco Garantia. Saiu para ganhar a medalha de prata nas Olimpíadas de Los Angeles, no mesmo ano.
Um convite da ex-jogadora Dulce para treinar a modesta equipe feminina do Peruggia, na Itália, em 1989, sepultou a carreira de economista. Bernardinho ganhou uma Copa da Itália e começou a mostrar sua obsessão por trabalho. Além de técnico e preparador físico, dirigia o ônibus das jogadoras. “Cheguei a rodar quando havia gelo na pista, mas ninguém se machucou”, lembra.
A levantadora Fernanda Venturini, casada com Bernardinho há sete anos, confirma sua obsessão pelo trabalho. “Ele tem melhorado, mas continua sem se desligar”, entrega a mãe de Júlia, 10 meses, filha caçula do técnico campeão. O outro filho, Bruno, 16, do casamento com a ex-jogadora Vera Mossa, joga vôlei pela seleção juvenil de São Paulo. “Ele já tá jogando melhor que eu”, garante o pai coruja.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

DUAS PRATAS

Na primeira vez que ganharam uma medalha olímpica, de prata, Adriana Behar e Shelda choraram muito, de tristeza. Eram as melhores do mundos, francas favoritas ao ouro, e foram surpreendidas pelas australianas Natalie Cook e Kerri-Ann Pottharst na arena de Bondi Beach, em Sidney. Perderam por dois sets a zero. Quatro anos depois, já mais pro fim da carreira, não eram mais favoritas. Disputavam, se tanto, o bronze. Levaram a prata, derrotadas na final pelas americanas Misty May e Kerry Walsh, também por dois sets a zero; e choraram muito, de alegria.


A matéria abaixo foi feita em Fortaleza, num tempo em que Adriana Behar e Shelda eram o que são hoje Walsh e May. As melhores do mundo.

Revista Istoé Gente, edição 09, de 6 de outubro de 1999  

 “Os detalhes é que fazem a diferença no vôlei.”

Quem vibrou com a medalha de ouro de Adriana Behar e Shelda nos Jogos Pan-americanos de Winnipeg certamente não soube que, logo após a vitória sobre as americanas Jennifer Pavley e Masha Miller, a dupla brasileira enfrentou um outro desafio, quase tão difícil quanto a competição no Canadá. Assim que a partida terminou, as duas saíram correndo para o aeroporto, onde embarcaram em um avião fretado para Osaka, no Japão. Saíram do Canadá às 18h da quarta-feira, dia 4 de agosto, e chegaram a Osaka às 23h30 do dia seguinte. Depois de dormirem cerca de cinco horas, Adriana e Shelda enfrentaram 30 minutos de trem até o local da estréia na etapa japonesa do mundial de volêi de praia. Além de ganharem a etapa do Japão, as duas venceram ainda a da China, realizada em Dalian, também em agosto.
O episódio traduz bem como tem sido a vida da carioca Adriana Behar, 30 anos, e da cearense Shelda Kelly Bedê, 26. Hoje, elas formam a dupla de vôlei de praia mais vitoriosa do planeta. Reunidas desde o fim de 1995, quase que por acaso, Adriana e Shelda começaram sua carreira de títulos com o campeonato brasileiro de 1996 e o vice mundial do mesmo ano. De lá para cá, foram outros três campeonatos mundiais - entre eles a Copa do Mundo de Volêi de Praia, em Marselha, na França - e um brasileiro. Depois do ouro em Winnipeg, a dupla está prestes a conquistar o brasileiro e o mundial deste ano, competições em que lidera a classificação geral com folga. Tudo isso pode ser traduzido em lucro. Somente nesta temporada, as duas embolsaram uma premiação total de US$ 245 mil.
Contratadas pelo Vasco da Gama, as duas estão morando no Rio de Janeiro. Adriana não saiu do espaçoso apartamento de Copacabana, que divide com a mãe, o avô, a irmã e duas sobrinhas. Já Shelda deixou o apartamento de classe média no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza, para morar em Ipanema, no Rio, com o irmão Samuel, 19, jogador de futebol de salão do Vasco. A falta de tempo acabou atrapalhando eventuais namoros e, hoje, as duas estão solteiras. “Tenho vivido muito o lado profissional”, diz Shelda. “É complicado arrumar um namorado que te acompanhe em todas as viagens”, completa Adriana. As duas, no entanto, não abrem mão de se divertir nas horas vagas. Sair com os amigos é o programa preferido da dupla, mas nada de praia. “A última coisa que queremos nas horas de lazer é ficar torrando no sol, na areia da praia”, afirma Shelda, com o devido consentimento de Adriana.
Tanto sucesso acabou transformando as duas em ídolos nacionais. Em Fortaleza, a dupla ficou em terceiro lugar na oitava etapa do Circuito Brasileiro, disputada entre os dias 23 e 26 de setembro. Na terra de Shelda, porém, o assédio dos fãs não diminuiu. Nada que aborreça as duas, muito pelo contrário. “É muito bom que as pessoas torçam por você e te admirem. Temos de aproveitar esse momento”, diz Adriana. “As pessoas falam que choraram com nossa vitória no Pan, e eu acabo chorando também”, completa Shelda.
Há quatro anos, a situação da dupla era bem diferente. As duas estavam sem parceria para disputar o brasileiro e sem perspectivas no vôlei de praia. A idéia de unir Adriana e Shelda foi da técnica Letícia Pessoa, que treinava a cearense e hoje encabeça a lista de 12 pessoas que cuidam da preparação das atletas. “A Letícia deu a sugestão para a Shelda, que me chamou. Jogamos o fim da temporada de 1995 como experiência e não paramos mais”, conta Adriana. Além da treinadora, a comissão técnica que acompanha a dupla é formada por um preparador físico, quatro auxiliares, três fisioterapeutas, um ortopedista, um nutricionista e o professor Orlando Cani, que trabalha a concentração das duas com aulas de tai chi chuan, ioga e kenpô, tudo para suportar a agenda com mais de 30 viagens por ano.
Pelo menos seis desses profissionais assistem aos treinos diários da dupla, na praia de Ipanema, no Rio. “Tudo na preparação é importante”, diz Shelda. “Os detalhes é que fazem a diferença no vôlei.” A convivência forçada também não é problema. “A Shelda é tranqüila”, diz Adriana, que recebe elogios semelhantes da parceira. As duas só se conheciam de vista, na época em que se encontravam nos campeonatos de quadra da categoria juvenil - Shelda pela seleção cearense e Adriana pela carioca. A cearense abandonou a quadra em 1992, quando ainda era juvenil. Já Adriana chegou a jogar na Itália por dois anos, antes de voltar ao Brasil em 1993, para a praia.

domingo, 24 de junho de 2012

BRONZE

Leila sorri, simpática toda vida, te dá atenção e pede, com os olhos ainda mais puxados que o habitual, pra fazer a entrevista amanhã, e lá se vai a última possibilidade de um passeio de jangada por águas alagoanas, saindo da Praia da Pajuçara, em Maceió. A jangada saía bem cedo e só voltava à tarde, quando já tinham terminado as partidas do campeonato de vôlei de praia, e o único jeito de falar com a Leila, de puxar ela pra uma exclusiva em algum lugar, era depois do jogo. Como só haveria mais uma manhã na cidade depois daquela, em que a Leila pediu pra adiar a entrevista com toda a educação, o passeio de jangada ficaria pra outra oportunidade, que até hoje não aconteceu.

No dia seguinte, Leila deu a entrevista numa churrascaria, para a matéria abaixo. As fotos são do Leandro Pimentel.

Revista Istoé Gente, edição 122, de 3 de dezembro de 2001

“Sempre odiei praia. Nunca ia. Deus me livre envelhecer rápido com o sol”

É manhã de sol no sábado, 24, em Maceió. A Praia de Pajuçara ferve com a disputa por uma das vagas nas semifinais do Circuito Banco do Brasil de Vôlei de Praia. Enfrentando Alexandra e Tânia, a dupla formada por Sandra Pires e Leila vence, graças sobretudo à atuação primorosa de Sandra, oito anos de praia e medalha de ouro na Olimpíada de Atlanta, em 1996. Na arena lotada, porém, a grande sensação é a brasiliense Leila Gomes de Barros, 30 anos. A musa das quadras superou a insegurança de estreante para começar na areia com um terceiro lugar na etapa de Alagoas do circuito, algo impensável para a própria Leila até recentemente. “Sempre odiei praia. Nunca ia. Deus me livre envelhecer rápido com o sol”, diz a jogadora, que ostenta um bronzeado digno de quem passou os últimos cinco meses treinando durante três horas por dia na Praia do Leblon, zona sul carioca.
As areias são a nova praia de Leila, mas nos últimos meses mudanças importantes também aconteceram em sua vida pessoal. Solteira há quatro meses, depois de seis anos de casamento com o ex-nadador Luís Gustavo Milani, ela está assustada com o assédio, que aumentou desde a separação. “Parece que você vira uma espécie de troféu”, diz. Desde abril, o visual de Leila está turbinado. A jogadora colocou 130 ml de silicone e desfila feliz com a nova silhueta. Na época, ficou irritada com a divulgação do implante, mas hoje não se incomoda em falar sobre o assunto. “Foi a melhor coisa que fiz porque é superfeminino. Por mais que você tenha o corpo e traços legais, o peito é fundamental. Só a mulher tem.” A nova estampa é completada com duas horas diárias de malhação e um corte de cabelo com fios em fase de crescimento. Ainda assim, Leila não se sente à vontade quando exaltam sua beleza. “Nunca aceitei isso, mas é difícil lutar contra. Brasileiro só quer saber de sensualidade.”
Se hoje faz de tudo para fugir de poses sensuais, Leila não tinha esse problema quando começou a jogar vôlei, na escola onde estudava em Taguatinga, cidade satélite de Brasília. Aos 15 anos, a atacante era muito magra e já tinha 1,79m de altura, o que foi motivo de alguns traumas na adolescência. “Parei de ir às festas juninas do colégio porque tinha sempre de me fantasiar de menino”, lembra. “Só voltei quando começaram a entrar garotos mais altos na minha sala.” Os anos passaram e Leila despontou como a musa das quadras de vôlei. Alvo de cantadas, teve de aprender a lidar com o assédio dos fãs e o ciúme do ex-marido. Certa vez, durante um torneio em Campinas, voltava com Luís Gustavo para o hotel onde estavam hospedados e se deparou com o quarto cheio de flores. “Agradeci ao Guga (Luís Gustavo) e ele, enfurecido, disse que não tinha sido ele.”
Em termos de cantada, no entanto, ninguém superou um milionário fã das Filipinas, que a presenteou com um par de brincos de ouro branco e brilhantes, prontamente devolvidos. “Dizem que lá aceitar presente é assumir compromisso.” A relação de amor do povo filipino com a jogadora brasileira, aliás, é um caso à parte, explicada talvez pelos olhos puxados da musa do vôlei. Logo na primeira vez em que jogou nas Filipinas, em 1999, a atacante não acreditou no que viu. Nas arquibancadas do ginásio lotado, deparou-se com desenhos gigantes de seu rosto, pedidos de casamento em cartazes e até sugestões para sua candidatura à presidência.
Tamanha idolatria acabou gerando um convite para participar de uma novela nas Filipinas. Seriam três semanas de gravações no país, mas uma operação no joelho, em agosto passado, acabou com o projeto. Durante seus jogos por lá, cada cortada era precedida por urros ensandecidos da torcida. “Na primeira vez subi para cortar e, quando ouvi os gritos, dei um peteleco na rede”, lembra a jogadora que, ironia do destino, odeia ser o centro das atenções. “Sou meio bicho do mato.” Quando tinha 16 anos, Leila saiu no meio do casamento de uma prima para trocar o vestido que usava por uma calça. “Estavam me olhando demais. Não agüentei de vergonha.”
Hoje, depois de duas medalhas de bronze nas Olimpíadas de Atlanta e Sydney, em 2000, e uma carreira repleta de títulos nas quadras, a timidez diminuiu, mas a simplicidade da atacante consagrada não muda. “Sou o que sou, em qualquer lugar.” É com sinceridade também que justifica a mudança para a praia. “Estava ficando velha e baixa para a quadra”, afirma, do alto de 1,79m. “Os outros times estavam crescendo e eu fiquei.”
Para os padrões da praia, Leila voltou a ser alta, mas essa não é sua principal qualidade segundo seu técnico, Marcelo Del Negro, o Alemão. “Ela é disciplinada e consegue aliar o carisma com humildade.” A parceira faz coro: “Ela é guerreira e tem experiência como vencedora. Isso ela pode trazer para a praia”, diz Sandra, que só faz uma ressalva. “Leila se cobra demais, mas faz isso porque já conquistou muito na quadra.”
O objetivo de Leila no novo esporte ela não esconde de ninguém: conquistar o ouro olímpico em Atenas, em 2004, a medalha que deixou escapar há cinco anos, em Atlanta. “Aquela geração merecia”, afirma, ainda se lamentando da derrota para Cuba na semifinal, quando as duas equipes saíram no tapa depois do jogo. “Tenho vergonha da briga, mas não me arrependo. Elas provocaram.”
Leila só não sabe o que fará depois de 2004. “Não faço mais planos.” O mesmo serve para os sonhos, como o de ser mãe. “Quero muito, mas vivo o que aquele lá de cima manda pra mim.”

segunda-feira, 9 de abril de 2012

AH! É EDMUNDO!

 Imagine-se com vinte e cinco anos de idade e torcedor apaixonado de um determinado time. Imagine que este time seja, no momento, o melhor do país e um dos melhores do planeta, com um goleiro de alto nível, um zagueiro veterano simplesmente imbatível, um lateral-esquerdo imarcável – amigo de infância do ponta-de-lança promissor, ambos com dezoito anos –, um meia de passe perfeito, que ainda faria o gol mais importante da história do clube, e um atacante em fim de carreira que lembrava, no físico, no jeito de jogar e nas cobranças de falta, o sujeito que marcou mais de setecentos gols com a camisa do time, e que além de maior artilheiro da história do campeonato carioca, é também o maior do Brasileirão, em todos os tempos. Imagine agora que o grande craque desse time campeão brasileiro não é nenhum desses caras, mas sim outro atacante; e que, além de quase a mesma idade, este outro atacante tem o mesmo nome do torcedor apaixonado de vinte e cinco anos.

Imagine-se então no Maracanã lotado, num jogo decisivo contra o maior rival, numa situação parecida com outra, de cinco anos antes, decidindo vaga na final do brasileiro, quando o torcedor, então com vinte anos, também estava no estádio. Há cinco anos, o Xará era a maior revelação do campeonato e já tinha feito o rival cair de quatro na fase de classificação. No jogo decisivo, quando estava no chão, caído após sofrer falta não marcada pelo juiz, o Xará foi atingido por um soco na cara. Estava estirado, com o rosto voltado pro chão, e levou um soco sem a menor chance de defesa, do zagueirão malandro, então um dos ídolos do rival. O zagueirão malandro não levou nem amarelo pela agressão covarde, que, vá entender, é lembrada e celebrada por torcedores do rival. Levou amarelo apenas quando, último homem, deu uma banda por trás no craque do time, que viria a ser o artilheiro do campeonato e partia sozinho na cara do gol. Não foi expulso. Ficou em campo até o fim da partida. Expulso, mesmo, só um zagueiro do time, que além disso viu seu lateral-esquerdo sair de campo contundido para voltar com o braço enfaixado, colado ao corpo. E com um a menos e outro sem um dos braços, o time acabou perdendo por dois a zero, jogo duro até o final, e o rival foi pra decisão, comemorando, entre outros “feitos e glórias”, a agressão covarde do zagueirão malandro.

Voltemos, pois, aos vinte e cinco de idade do torcedor e imaginemos que, no começo da revanche daquela partida, com menos de quinze do primeiro tempo, o Xará tabela com o atacante em fim de carreira e passa em disparada por toda a defesa do rival, incluindo o goleiro e o zagueirão malandro, que continua por lá, ainda ídolo. Enquanto todos os defensores batem cabeça, o Xará só não entra com bola e tudo porque tem humildade em gol e sai em disparada na comemoração, provocando a torcida adversária como o mais apaixonado dos torcedores. No fim do primeiro tempo, o time, pela milionésima vez na história do confronto com o rival, tem um jogador expulso, e volta do intervalo com um a menos e a vantagem do empate.

A impressão é que o rival virá com tudo para o segundo tempo e eles até tentam, mas sofrem os contra-ataques. Num deles, em lançamento do meia de passe perfeito, monumental, o Xará e o zagueirão malandro correm juntos enquanto a bola descai, já na entrada da grande área. Os dois correm lado a lado, um pouco à frente dela, esperando a altura ideal para interceptá-la ou dominá-la e partir em direção ao gol, mas a bola não quica no chão, não ainda. Antes disso, bate com capricho de deusa nas costas do Xará e tira do lance não só o zagueirão malandro mas também o goleiro, que já saía desesperado. A bola então, claramente apaixonada, se oferece na frente do Xará com o gol escancarado; e no Maraca, aos vinte e cinco de idade, o torcedor começa a enlouquecer de alegria, junto com a maioria mais que absoluta da torcida presente.

A festa da vitória não é abafada nem pelo gol do rival, no milionésimo pênalti “polêmico” marcado a favor deles na história do confronto. O zagueirão malandro bateu e converteu, em lance destinado ao esquecimento, não só pelo que já tinha acontecido na partida, mas sobretudo pelo que estava por vir. Àquela altura, o Xará já tinha batido o recorde de gols num só jogo, seis, superando o próprio artilheiro histórico do time, que enfiara cinco de uma vez só num certo timão. Artilheiro do campeonato, sem chance de ser alcançado, o Xará estava a três gols do recorde absoluto em uma edição de Brasileirão. Com os dois marcados na partida, já tinha igualado e estava a um gol apenas de superar a marca quando dominou a bola dentro da área, na frente do lateral adversário e do zagueirão malandro. Daí levou para o meio com a direita, como quem iria chutar, mas na hora do chute cortou de letra com a direita, deixando o lateral e o zagueirão malandro com ares de vilão de comédia muda, virados para um lado com a bola do outro, na medida para o chute rasteiro de canhota, no cantinho, devagarinho, e lá se foi um recorde prestes a completar vinte anos. O Xará então saiu balançando os braços, rebolando, fazendo careta, sacaneando, esculachando; e na arquibancada, aos vinte e cinco, o torcedor pulava pelos degraus abraçado com desconhecidos, ele que já tinha presenciado, na mesma arquibancada, seis anos antes, um gol de placa do Xará sem nem saber de quem se tratava, na preliminar de juniores de um clássico pelo carioca.

O Xará não era nem titular dos juniores. Entrou no segundo tempo da partida e dominou a bola no círculo central, para partir em disparada driblando um, dois, três, quatro e, de frente pro goleiro, tocar no canto, sem defesa, sem que ninguém entre os milhares de torcedores presentes ao estádio sequer soubesse o nome dele, porque ele só começou a ficar famoso uns seis meses depois, na estreia no time principal, quando ajudou a meter quatro no tal timão dentro do estádio dele. Campeão carioca invicto, na despedida do artilheiro histórico, partiu para seguir carreira, sempre voltando ao time, declarando amor ao time, perdendo pênaltis contra o time e sendo ovacionado no estádio do time, pela torcida do time, marcando golaços em jogos de suma importância, como na vitória inesquecível sobre o campeão europeu no Maraca, pelo Mundial de Clubes, e protagonizando grandes tragédias, como na final do mesmo Mundial, contra o rival sem título continental. E o Xará sofria como poucos nas derrotas. Após outro pênalti perdido, numa semifinal de Copa do Brasil, depois de fazer o gol salvador no último minuto do tempo regulamentar, em que o time teve um gol legal anulado, raspou a cabeça e decidiu abandonar o futebol. Mudou de ideia para seguir até o fim do ano, tentando evitar a queda esperada por todos, do jornalista recalcado à grande emissora de televisão, dos rivais de sempre à confederação brasileira de futebol. Mesmo fazendo treze gols aos trinta e sete de idade, consolidando de vez a terceira colocação como maior goleador da história do Brasileirão, a apenas dois gols do ex-amigo também formado pelo time, e bem na frente do maior ídolo do rival, o Xará não conseguiu evitar a queda. Encerrou a carreira ali, com mais uma dura derrota, mas há exatos doze dias, pouco mais de três anos depois da queda, teve a despedida que sempre mereceu.

No estádio do time, lotado por milhares de torcedores do time, o Xará jogou sua última partida com a camisa do time. Ovacionado sem parar, cantou o hino do time junto com os torcedores e os colegas de equipe, entre eles o meia da cobrança de falta mortal, monumental. Fez dois na goleada de nove a um, um de pênalti e outro de voleio, de primeira, e depois desse, após os cumprimentos de praxe dos companheiros, saiu balançando os braços, rebolando e sorrindo, lembrando aquela noite mágica no Maracanã em que o torcedor apaixonado de vinte e cinco anos rolava pela arquibancada de pura felicidade, e gritava seu próprio nome com todas as forças, já rouco, ensandecido.

Ah! É Edmundo!

A matéria abaixo, assinada também pela Rosângela Honor, mostra um pouco do que enfrentou o xará ao longo da carreira. No caso, já de volta ao Vasco, pagava por um erro cometido quando defendia as cores de exu. Coincidência?

Revista Istoé Gente, edição número 10, de 13 de outubro de 1999

No regime semi-aberto, o condenado tem de se apresentar na prisão até às 22h, de onde só sai no dia seguinte. No caso do atacante vascaíno, a Justiça poderá levar em conta os horários dos jogos e liberar o craque até por alguns dias, para as partidas disputadas fora do Rio.

A última terça-feira, 5 de outubro, parecia mais um dia rotineiro na vida do atacante Edmundo Alves de Souza Neto, 28 anos. De manhã, ele foi à concentração do Vasco, no hotel Rio Othon, em Copacabana, fez musculação e ficou sabendo que seria poupado do jogo do time naquele dia, contra o Cerro Porteño, do Paraguai, pela Copa Mercosul, porque o time já não tinha mais chances na competição. O jogador ainda almoçou com os companheiros antes de voltar para casa. Por volta das 15h15, porém, um telefonema do advogado Arthur Lavigne mudou seu trajeto. O Tribunal de Justiça do Rio tinha acabado de manter a sentença da 17.ª Vara Criminal, que em março condenara o jogador a quatro anos e meio de prisão, em regime semi-aberto. Ele foi considerado culpado por ter provocado a morte de três pessoas no acidente com o Cherokee que dirigia na madrugada de 2 de dezembro de 1995, na Lagoa, zona sul do Rio.
Um acordo entre o vice-presidente jurídico do Vasco, Paulo Reis, e o diretor da Polinter, delegado Cláudio Nascimento, evitou que o jogador fosse preso na terça-feira. Enquanto isso, o advogado do atacante, Arthur Lavigne, tentava conseguir um habeas-corpus para seu cliente no Superior Tribunal de Justiça. No mesmo dia, instruído por seus advogados, Edmundo não apareceu em casa, num luxuoso condomínio na Barra, zona oeste da cidade.
Na noite do acidente, Edmundo e alguns amigos seguiram para a boate Sweet Home, na Lagoa, onde encontraram Joana Martins Couto, 16, e sua amiga Déborah Ferreira da Silva, então com 21 anos. Barrada na boate naquele dia, Joana ainda hesitou em aceitar a carona oferecida por Edmundo até o bar El Turfe, na Gávea, mas foi convencida por Déborah. Na esquina da avenida Borges de Medeiros com a rua Batista da Costa, na Lagoa, o Cherokee do atacante se chocou com o Fiat Uno cinza dirigido por Carlos Frederico Pontes, 24. O carro de Edmundo capotou várias vezes e ficou com as rodas para o ar, enquanto o Fiat foi jogado a uma distância de 30 metros e colidiu com um poste. Carlos Frederico morreu na hora. A namorada dele, Alessandra Cristina Perrota, 20, e Joana morreram algumas horas depois, no hospital Miguel Couto.
Déborah quebrou a bacia, a quinta vértebra da coluna e quase ficou paraplégica. Ela ainda está se recuperando do acidente. "Levei quase dois anos para voltar à vida normal", diz Déborah, que teve de largar o emprego de vendedora na loja Blue Man, em Ipanema, e perdeu as provas do vestibular naquele ano. Além das duas amigas, também estavam no carro do atacante do Vasco o empresário Marckson Gil Pontes, 31, e a estudante Roberta Campos, 19. Os dois ficaram levemente feridos, assim como Natasha Marinho Ketse, 19, que estava no Fiat Uno. A mãe de Joana, Eliane Artiaga Martins, 47, assistiu ao julgamento de terça-feira 5 na 6.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça e aplaudiu a decisão dos desembargadores Eduardo Mayr, Erié Sales da Cunha e Maurício da Silva Lintz. "Pensei que iria encontrar uma pessoa arrependida, mas não foi isso que aconteceu", diz Eliane.
Os advogados das vítimas, Técio Lins e Silva e Avelino Gomes, garantem que, mesmo que o habeas-corpus seja concedido pelo STJ, Edmundo dificilmente escapará da prisão. "A sentença não feriu preceito algum da Constituição e, por isso, dificilmente será revogada", diz Técio, que representa a família de Joana.
O recurso ao Superior Tribunal de Justiça é a única alternativa que resta à defesa de Edmundo. Quando chegar ao tribunal superior, serão três as possibilidades. O STJ poderá se recusar a apreciá-lo, manter a decisão da Justiça do Rio ou modificar a sentença. A última possibilidade, no entanto, é considerada remota, já que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio foi unânime. Se a sentença for mantida, Edmundo terá de cumprir no mínimo nove meses - um sexto da pena - até ter direito à liberdade condicional, em caso de bom comportamento. Sem curso superior, ficará em uma cela comum caso venha a ser preso. Se isso acontecer, ele dependerá do juiz da Vara de Execuções Penais para continuar jogando pelo Vasco. No regime semi-aberto, o condenado tem de se apresentar na prisão até às 22h, de onde só sai no dia seguinte. No caso do atacante vascaíno, a Justiça poderá levar em conta os horários dos jogos e liberar o craque até por alguns dias, para as partidas disputadas fora do Rio. 
O acidente já proporcionou outras condenações, em ações cíveis movidas pelas vítimas. Déborah recebeu R$ 100 mil, mas seus advogados ainda cobram R$ 60 mil estabelecidos pela sentença. Roberta Campos entrou em acordo e recebeu três parcelas de R$ 40 mil. A família de Joana Martins Couto ganhou uma indenização de mais R$ 300 mil, mas não recebeu um centavo porque a sentença ainda está em fase de execução. O atacante também foi condenado a pagar R$ 227 mil à família de Alessandra Perrota - em processo no qual poderá ter sua mansão penhorada para garantir o pagamento da indenização. A família de Carlos Frederico Pontes ainda aguarda uma decisão da Justiça no processo que move contra Edmundo.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

RENOVAÇÃO

Ontem saiu o resultado de mais um desfile de carnaval no sambódromo. A Unidos da Tijuca, vascaína de coração, foi a grande campeã. Foi o segundo campeonato de Paulo Barros, que já há algum tempo vem sendo tão badalado, mas tão badalado, que só pode ser apontado como legítimo sucessor do Joãosinho Trinta, mesmo que ele não queira isso.

A badalação começou na época da matéria abaixo, depois do primeiro desfile dele no Grupo Especial.

Revista Istoé Gente, edição 239, de 8 de março de 2004

“Me impressionei com um carro que só tinha latas de tinta, sem nenhum enfeite, e estava bonito”

Antes de estrear como carnavalesco no Grupo Especial do Rio de Janeiro, Paulo Barros, 41 anos, teve uma missão difícil: convencer o presidente da Unidos da Tijuca, Fernando Horta, a montar um enredo sobre as conquistas da ciência, tema considerado complexo para o Carnaval. “Achei complicado de início. Passei uns dias pensando até aceitar”, conta Fernando, que hoje não se arrepende. Com o enredo A Arte da Criação e a Criação do Sonho; a Arte da Ciência no Tempo do Impossível, a escola que só ganhara um Carnaval no longínquo 1936, e nunca figurou entre as grandes, conseguiu um inédito vice-campeonato, atrás da Beija-Flor. Paulo, o mentor do desfile, foi aclamado como a grande revelação de 2004.
Comissário de bordo da Varig por 14 anos – de 1983 a 1997 – Paulo é um apaixonado pelo Carnaval carioca desde os 13 anos. Nessa idade, começou a acompanhar os preparativos para o desfile da Beija-Flor de Nilópolis, escola da cidade onde nasceu e foi criado, na Baixada Fluminense. “Nas vésperas do desfile, o Farid (Abrahão David, irmão de Anísio, patrono da Beija-Flor) fazia um mutirão para ajudar a preparar a escola. Eu sempre ia”, lembra. Era a época em que Joãosinho Trinta tinha acabado de assumir a escola, transformando-a numa grande agremiação ao conquistar o tricampeonato de 1976-1978.
Com o tempo, Paulo passou a prestar atenção no mestre. Mesmo depois de sair de Nilópolis, em 1984, e assumir o emprego na Varig, continuou a freqüentar o barracão da Beija-Flor até 1993, último ano de Joãosinho na escola. Paulo só não aceita ser apontado como sucessor do carnavalesco. “Quem sou eu para hoje me achar sucessor desse homem. Ele revolucionou o Carnaval numa época em que o desfile das escolas estava em decadência”, afirma ele, que, solteiro, mora em Niterói, na região metropolitana do Rio.
Revolucionário também é um dos adjetivos que vêm sendo usados para definir o desfile da Unidos da Tijuca em 2004. Graças, principalmente, ao carro do DNA, no qual a alegoria era formada pela coreografia dos 127 componentes, pintados de azul. Considerada a criação mais inovadora do Carnaval desse ano, o carro é fruto da originalidade de um carnavalesco que aprendeu a trabalhar sem muito dinheiro desde 1994, quando assinou seu primeiro desfile com a pequena Vizinha Faladeira, do centro do Rio.
Logo no primeiro ano, conquistou o segundo lugar do Grupo de Acesso B (espécie de terceira divisão do Carnaval), subindo para o Acesso A. A partir daí, acumulou experiências. “O Grupo de Acesso foi minha universidade. Aprendi a trabalhar com poucos recursos”, conta Paulo, que estudou até o quarto período de Arquitetura e usa seus conhecimentos no barracão. “Até hoje sou eu quem desenha a planta dos carros”, diz.
Livre do emprego na Varig, ingressou na Arranco de Engenho de Dentro, onde trabalhou de 1999 a 2001, mas foi na Paraíso de Tuiuti, no ano passado, que o carnavalesco começou a chamar a atenção das escolas do Grupo Especial. “Me impressionei com um carro que só tinha latas de tinta, sem nenhum enfeite, e estava bonito”, lembra Fernando Horta.
Após ser sondado pela Caprichosos de Pilares, penúltima colocada em 2004, Paulo acabou acertando com Fernando. Com o sucesso no Grupo Especial, ele só quer continuar inovando. “Cada carnavalesco tem sua marca, mas, talvez por comodismo, o desfile ficou monótono. Espero contribuir para mudar isso.”

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

SELVA NO APÊ

A primeira sensação, ao receber a pauta, foi de incredulidade. Será que tinha mesmo um cientista brasileiro que trabalhava num apartamento de dois quartos em Copacabana e podia ganhar o Nobel de Química? Tinha, mas ele próprio ironizava a tal candidatura ao Nobel, ainda que seu trabalho merecesse o prêmio, talvez mais do que qualquer outro.

Depois de chegar ao Brasil fugindo de um tal de Hitler, e de se embrenhar durante anos pelas matas nacionais, descobrindo remédios em mais de 20 mil plantinhas, todas catalogadas nas estantes que ocupavam quase todo o apartamento de dois quartos, Otto Gottlieb morreu no dia 19 de junho de 2011. Não ganhou o Nobel.

Abaixo, a matéria

Revista Istoé Gente, edição 47, de 26 de junho de 2000

“Somos mal financiados para ganhar um grande prêmio, como o Nobel. É necessário muito marketing”

Em meio à selva de pedra formada pelos edifícios de Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro, o químico Otto Richard Gottlieb, 79 anos, preserva uma floresta particular. Em vez de árvores, o paraíso de Gottlieb tem estantes, que tomam conta de seu apartamento de dois quartos. São cerca de 20 mil fichas, referentes às substâncias que podem ser encontradas em 270 famílias de plantas espalhadas pelo Brasil. A selva de papel do químico é fruto de sua tentativa de entender a linguagem das plantas, um trabalho pioneiro iniciado em 1944, que permite prever o valor medicinal das espécies. Esse sacerdócio já lhe rendeu três indicações (1998, 1999 e 2000) para o Prêmio Nobel.
Nascido na cidade de Brno, na República Tcheca, e naturalizado brasileiro desde os 21 anos, Gottlieb começou a se interessar pela flora nacional graças ao pai, o também químico Adolf Gottlieb. Assim que se estabeleceu no Rio de Janeiro, Adolf montou uma fábrica que transformava óleos da Amazônia em produtos químicos. “Era evidente que continuaria nesse meio”, diz, ainda com sotaque. “Meu avô paterno era químico e meu filho primogênito, Hugo, também optou pela química”, diz Gottlieb, casado com a professora de matemática Franca e pai de outros dois filhos, Marcel e Raul, ambos engenheiros.
Hoje, depois de assinar 642 publicações sobre o tema, entre livros e artigos, Gottlieb tem a convicção de que a vegetação brasileira faz parte de uma rede que liga todas as regiões do País, desde a Amazônia até os pampas, no extremo sul. E faz um alerta: “Isso é muito bonito, até o ponto em que se compreende que arruinar uma região significa machucar a outra”, afirma. Se atualmente divide o seu tempo entre o apartamento de Copacabana e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde também desenvolve suas pesquisas, ele já passou boa parte da vida viajando por regiões inóspitas, em busca de matéria-prima para seus estudos.
O professor continua viajando para participar de palestras e congressos. Em setembro, presidirá o 22º Simpósio Internacional de Química de Produtos Naturais, que pela primeira vez será realizado no Brasil, em São Carlos (SP). A idade avançada, no entanto, não o impede de voltar à mata. No ano passado, ele enfrentou tranqüilamente 40 minutos de avião de Belém até Breves, no interior do Pará, e outras 13 horas de barco até a reserva ecológica de Caxiuanã. “Encontrei uma mulher numa choupana que quase caiu para trás quando eu disse minha idade”, conta. “Ela nunca tinha visto alguém tão velho por ali”, completa.
Os anos de observação não se resumiram às plantas. O comportamento dos índios e até de macacos já foi estudado por Gottlieb, que conseguiu encontrar semelhanças entre homens e primatas no consumo de alimentos vegetais e até na utilização de plantas medicinais. “Resta saber quem imitou quem”, brinca. Substâncias descobertas por ele já estão sendo estudadas em laboratórios como o da Fiocruz, no Rio. É lá que pesquisadores trabalham no combate à doença de Chagas com a burcherina, planta da planície amazônica catalogada e estudada por Gottlieb. Outra planta catalogada pelo cientista, a porosina, originária da Região Sul, vem sendo testada na fabricação de antiinflamatórios.
Indicado para o Prêmio Nobel de Química três vezes, o cientista brasileiro não vê a mais remota possibilidade de ser agraciado, e culpa a falta de incentivo do governo pelo seu pessimismo. “Somos mal financiados para ganhar um grande prêmio, como o Nobel. É necessário muito marketing”, diz. Ganhador de 21 prêmios, entre eles o da Academia de Ciências do Terceiro Mundo, em 1991, Gottlieb trabalha com a ajuda da também química Maria Renata Borin, sua ex-aluna. “Como nós dois vamos competir com institutos que têm verbas milionárias?”, questiona o químico.
A originalidade do trabalho de Gottlieb é outro empecilho para que sua atividade ganhe um Nobel de Química. “Estamos desenvolvendo uma disciplina nova, que chamamos de químico-biologia”, explica. Longe de mostrar a sisudez esperada em cientistas, o químico brasileiro até se diverte com algumas bobagens escritas sobre seu trabalho. “Um repórter chegou a escrever o hífen por extenso quando eu disse o nome da disciplina”, conta. “Com as notícias que lemos nos jornais, onde estaríamos se não houvesse alguém para nos fazer rir escrevendo hífen por extenso? As bobagens são essenciais.” Gottlieb só perde o bom humor ao comentar a violência urbana. Acostumado a se embrenhar na mata, o cientista foi obrigado a antecipar das 18 horas para as 16 horas a caminhada diária no calçadão de Copacabana depois que foi assaltado. O químico das selvas acha muito perigoso andar na cidade depois do pôr-do-sol.