domingo, 24 de junho de 2012

BRONZE

Leila sorri, simpática toda vida, te dá atenção e pede, com os olhos ainda mais puxados que o habitual, pra fazer a entrevista amanhã, e lá se vai a última possibilidade de um passeio de jangada por águas alagoanas, saindo da Praia da Pajuçara, em Maceió. A jangada saía bem cedo e só voltava à tarde, quando já tinham terminado as partidas do campeonato de vôlei de praia, e o único jeito de falar com a Leila, de puxar ela pra uma exclusiva em algum lugar, era depois do jogo. Como só haveria mais uma manhã na cidade depois daquela, em que a Leila pediu pra adiar a entrevista com toda a educação, o passeio de jangada ficaria pra outra oportunidade, que até hoje não aconteceu.

No dia seguinte, Leila deu a entrevista numa churrascaria, para a matéria abaixo. As fotos são do Leandro Pimentel.

Revista Istoé Gente, edição 122, de 3 de dezembro de 2001

“Sempre odiei praia. Nunca ia. Deus me livre envelhecer rápido com o sol”

É manhã de sol no sábado, 24, em Maceió. A Praia de Pajuçara ferve com a disputa por uma das vagas nas semifinais do Circuito Banco do Brasil de Vôlei de Praia. Enfrentando Alexandra e Tânia, a dupla formada por Sandra Pires e Leila vence, graças sobretudo à atuação primorosa de Sandra, oito anos de praia e medalha de ouro na Olimpíada de Atlanta, em 1996. Na arena lotada, porém, a grande sensação é a brasiliense Leila Gomes de Barros, 30 anos. A musa das quadras superou a insegurança de estreante para começar na areia com um terceiro lugar na etapa de Alagoas do circuito, algo impensável para a própria Leila até recentemente. “Sempre odiei praia. Nunca ia. Deus me livre envelhecer rápido com o sol”, diz a jogadora, que ostenta um bronzeado digno de quem passou os últimos cinco meses treinando durante três horas por dia na Praia do Leblon, zona sul carioca.
As areias são a nova praia de Leila, mas nos últimos meses mudanças importantes também aconteceram em sua vida pessoal. Solteira há quatro meses, depois de seis anos de casamento com o ex-nadador Luís Gustavo Milani, ela está assustada com o assédio, que aumentou desde a separação. “Parece que você vira uma espécie de troféu”, diz. Desde abril, o visual de Leila está turbinado. A jogadora colocou 130 ml de silicone e desfila feliz com a nova silhueta. Na época, ficou irritada com a divulgação do implante, mas hoje não se incomoda em falar sobre o assunto. “Foi a melhor coisa que fiz porque é superfeminino. Por mais que você tenha o corpo e traços legais, o peito é fundamental. Só a mulher tem.” A nova estampa é completada com duas horas diárias de malhação e um corte de cabelo com fios em fase de crescimento. Ainda assim, Leila não se sente à vontade quando exaltam sua beleza. “Nunca aceitei isso, mas é difícil lutar contra. Brasileiro só quer saber de sensualidade.”
Se hoje faz de tudo para fugir de poses sensuais, Leila não tinha esse problema quando começou a jogar vôlei, na escola onde estudava em Taguatinga, cidade satélite de Brasília. Aos 15 anos, a atacante era muito magra e já tinha 1,79m de altura, o que foi motivo de alguns traumas na adolescência. “Parei de ir às festas juninas do colégio porque tinha sempre de me fantasiar de menino”, lembra. “Só voltei quando começaram a entrar garotos mais altos na minha sala.” Os anos passaram e Leila despontou como a musa das quadras de vôlei. Alvo de cantadas, teve de aprender a lidar com o assédio dos fãs e o ciúme do ex-marido. Certa vez, durante um torneio em Campinas, voltava com Luís Gustavo para o hotel onde estavam hospedados e se deparou com o quarto cheio de flores. “Agradeci ao Guga (Luís Gustavo) e ele, enfurecido, disse que não tinha sido ele.”
Em termos de cantada, no entanto, ninguém superou um milionário fã das Filipinas, que a presenteou com um par de brincos de ouro branco e brilhantes, prontamente devolvidos. “Dizem que lá aceitar presente é assumir compromisso.” A relação de amor do povo filipino com a jogadora brasileira, aliás, é um caso à parte, explicada talvez pelos olhos puxados da musa do vôlei. Logo na primeira vez em que jogou nas Filipinas, em 1999, a atacante não acreditou no que viu. Nas arquibancadas do ginásio lotado, deparou-se com desenhos gigantes de seu rosto, pedidos de casamento em cartazes e até sugestões para sua candidatura à presidência.
Tamanha idolatria acabou gerando um convite para participar de uma novela nas Filipinas. Seriam três semanas de gravações no país, mas uma operação no joelho, em agosto passado, acabou com o projeto. Durante seus jogos por lá, cada cortada era precedida por urros ensandecidos da torcida. “Na primeira vez subi para cortar e, quando ouvi os gritos, dei um peteleco na rede”, lembra a jogadora que, ironia do destino, odeia ser o centro das atenções. “Sou meio bicho do mato.” Quando tinha 16 anos, Leila saiu no meio do casamento de uma prima para trocar o vestido que usava por uma calça. “Estavam me olhando demais. Não agüentei de vergonha.”
Hoje, depois de duas medalhas de bronze nas Olimpíadas de Atlanta e Sydney, em 2000, e uma carreira repleta de títulos nas quadras, a timidez diminuiu, mas a simplicidade da atacante consagrada não muda. “Sou o que sou, em qualquer lugar.” É com sinceridade também que justifica a mudança para a praia. “Estava ficando velha e baixa para a quadra”, afirma, do alto de 1,79m. “Os outros times estavam crescendo e eu fiquei.”
Para os padrões da praia, Leila voltou a ser alta, mas essa não é sua principal qualidade segundo seu técnico, Marcelo Del Negro, o Alemão. “Ela é disciplinada e consegue aliar o carisma com humildade.” A parceira faz coro: “Ela é guerreira e tem experiência como vencedora. Isso ela pode trazer para a praia”, diz Sandra, que só faz uma ressalva. “Leila se cobra demais, mas faz isso porque já conquistou muito na quadra.”
O objetivo de Leila no novo esporte ela não esconde de ninguém: conquistar o ouro olímpico em Atenas, em 2004, a medalha que deixou escapar há cinco anos, em Atlanta. “Aquela geração merecia”, afirma, ainda se lamentando da derrota para Cuba na semifinal, quando as duas equipes saíram no tapa depois do jogo. “Tenho vergonha da briga, mas não me arrependo. Elas provocaram.”
Leila só não sabe o que fará depois de 2004. “Não faço mais planos.” O mesmo serve para os sonhos, como o de ser mãe. “Quero muito, mas vivo o que aquele lá de cima manda pra mim.”