sexta-feira, 20 de julho de 2012

DUAS PRATAS

Na primeira vez que ganharam uma medalha olímpica, de prata, Adriana Behar e Shelda choraram muito, de tristeza. Eram as melhores do mundos, francas favoritas ao ouro, e foram surpreendidas pelas australianas Natalie Cook e Kerri-Ann Pottharst na arena de Bondi Beach, em Sidney. Perderam por dois sets a zero. Quatro anos depois, já mais pro fim da carreira, não eram mais favoritas. Disputavam, se tanto, o bronze. Levaram a prata, derrotadas na final pelas americanas Misty May e Kerry Walsh, também por dois sets a zero; e choraram muito, de alegria.


A matéria abaixo foi feita em Fortaleza, num tempo em que Adriana Behar e Shelda eram o que são hoje Walsh e May. As melhores do mundo.

Revista Istoé Gente, edição 09, de 6 de outubro de 1999  

 “Os detalhes é que fazem a diferença no vôlei.”

Quem vibrou com a medalha de ouro de Adriana Behar e Shelda nos Jogos Pan-americanos de Winnipeg certamente não soube que, logo após a vitória sobre as americanas Jennifer Pavley e Masha Miller, a dupla brasileira enfrentou um outro desafio, quase tão difícil quanto a competição no Canadá. Assim que a partida terminou, as duas saíram correndo para o aeroporto, onde embarcaram em um avião fretado para Osaka, no Japão. Saíram do Canadá às 18h da quarta-feira, dia 4 de agosto, e chegaram a Osaka às 23h30 do dia seguinte. Depois de dormirem cerca de cinco horas, Adriana e Shelda enfrentaram 30 minutos de trem até o local da estréia na etapa japonesa do mundial de volêi de praia. Além de ganharem a etapa do Japão, as duas venceram ainda a da China, realizada em Dalian, também em agosto.
O episódio traduz bem como tem sido a vida da carioca Adriana Behar, 30 anos, e da cearense Shelda Kelly Bedê, 26. Hoje, elas formam a dupla de vôlei de praia mais vitoriosa do planeta. Reunidas desde o fim de 1995, quase que por acaso, Adriana e Shelda começaram sua carreira de títulos com o campeonato brasileiro de 1996 e o vice mundial do mesmo ano. De lá para cá, foram outros três campeonatos mundiais - entre eles a Copa do Mundo de Volêi de Praia, em Marselha, na França - e um brasileiro. Depois do ouro em Winnipeg, a dupla está prestes a conquistar o brasileiro e o mundial deste ano, competições em que lidera a classificação geral com folga. Tudo isso pode ser traduzido em lucro. Somente nesta temporada, as duas embolsaram uma premiação total de US$ 245 mil.
Contratadas pelo Vasco da Gama, as duas estão morando no Rio de Janeiro. Adriana não saiu do espaçoso apartamento de Copacabana, que divide com a mãe, o avô, a irmã e duas sobrinhas. Já Shelda deixou o apartamento de classe média no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza, para morar em Ipanema, no Rio, com o irmão Samuel, 19, jogador de futebol de salão do Vasco. A falta de tempo acabou atrapalhando eventuais namoros e, hoje, as duas estão solteiras. “Tenho vivido muito o lado profissional”, diz Shelda. “É complicado arrumar um namorado que te acompanhe em todas as viagens”, completa Adriana. As duas, no entanto, não abrem mão de se divertir nas horas vagas. Sair com os amigos é o programa preferido da dupla, mas nada de praia. “A última coisa que queremos nas horas de lazer é ficar torrando no sol, na areia da praia”, afirma Shelda, com o devido consentimento de Adriana.
Tanto sucesso acabou transformando as duas em ídolos nacionais. Em Fortaleza, a dupla ficou em terceiro lugar na oitava etapa do Circuito Brasileiro, disputada entre os dias 23 e 26 de setembro. Na terra de Shelda, porém, o assédio dos fãs não diminuiu. Nada que aborreça as duas, muito pelo contrário. “É muito bom que as pessoas torçam por você e te admirem. Temos de aproveitar esse momento”, diz Adriana. “As pessoas falam que choraram com nossa vitória no Pan, e eu acabo chorando também”, completa Shelda.
Há quatro anos, a situação da dupla era bem diferente. As duas estavam sem parceria para disputar o brasileiro e sem perspectivas no vôlei de praia. A idéia de unir Adriana e Shelda foi da técnica Letícia Pessoa, que treinava a cearense e hoje encabeça a lista de 12 pessoas que cuidam da preparação das atletas. “A Letícia deu a sugestão para a Shelda, que me chamou. Jogamos o fim da temporada de 1995 como experiência e não paramos mais”, conta Adriana. Além da treinadora, a comissão técnica que acompanha a dupla é formada por um preparador físico, quatro auxiliares, três fisioterapeutas, um ortopedista, um nutricionista e o professor Orlando Cani, que trabalha a concentração das duas com aulas de tai chi chuan, ioga e kenpô, tudo para suportar a agenda com mais de 30 viagens por ano.
Pelo menos seis desses profissionais assistem aos treinos diários da dupla, na praia de Ipanema, no Rio. “Tudo na preparação é importante”, diz Shelda. “Os detalhes é que fazem a diferença no vôlei.” A convivência forçada também não é problema. “A Shelda é tranqüila”, diz Adriana, que recebe elogios semelhantes da parceira. As duas só se conheciam de vista, na época em que se encontravam nos campeonatos de quadra da categoria juvenil - Shelda pela seleção cearense e Adriana pela carioca. A cearense abandonou a quadra em 1992, quando ainda era juvenil. Já Adriana chegou a jogar na Itália por dois anos, antes de voltar ao Brasil em 1993, para a praia.