domingo, 7 de dezembro de 2014

NO ÔNIBUS

O repórter primeiro viu tudo na tevê da redação pequena de sucursal, cinco mesas, cinco computadores, cinco telefones, a tevê no alto, de quatorze polegadas, e mais nada além do trabalho nem tão corrido nem tão descansado de uma véspera de fechamento. Finda a tragédia que mudava tudo, inclusive a capa, ou quase, na véspera do fechamento, o repórter foi direto à delegacia do caso, na Gávea, de bloquinho e caneta e com a vantagem inestimável de não precisar escrever nada para a manhã seguinte. Anotou endereços, telefones, nomes e no dia seguinte, cedo, partiu para a Rocinha e adjacências enquanto outro repórter contratado especialmente para o caso, também criado e curtido entre as delícias da saborosa Jurujuba e os mais sombrios valões da valente São Gonçalo, seguia no encalço do perfil da outra vítima fatal da história.

A matéria abaixo foi escrita com a colaboração do Júlio Castañeda.



Revista Istoé Gente, edição 46, de 19 de julho de 2000

"Ele mandou que ela ligasse a televisão. Naquele momento, esfregou o rosto da Luciana no vidro".

Para trocar um cheque de R$ 130, na segunda-feira 12, a professora Geisa Firmo Gonçalves, 20 anos, aproveitou o intervalo entre os dois turnos de trabalho no Projeto Curumim, que atende a crianças da favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, para ir ao banco. O dinheiro, obtido com a venda das cestas que fabricava artesanalmente, seria incorporado ao salário de R$ 302. Essa poupança vislumbrava dois sonhos: o desejo de ser mãe e o retorno para Fortaleza, no Ceará, com o marido, o cavalariço Alexandre Magno de Macedo Oliveira, 21.
Naquele momento, ela servia de escudo para Sandro, que finalmente descera do ônibus. “Assisti minha mulher sendo carregada. Quando cheguei ao hospital, já estava morta”, contou o viúvo, em seu depoimento na 15ª Delegacia do Rio, na Gávea. A primeira bala que atingiu Geisa, de raspão, no queixo, foi disparada pelo soldado Marcelo Oliveira dos Santos, do Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope), conforme constataria a perícia na terça-feira 13. Ele alvejou o bandido, mas a má pontaria levou Sandro a descarregar o revólver na refém. Foram mais três tiros contra Geisa. O seqüestrador não levou nenhum tiro, foi dominado e, colocado num camburão por cinco policiais, terminou asfixiado. Depois de provocar a morte da refém, a polícia executou Sandro.
A habilidade como artesã fez de Geisa uma das expositoras do Posto de Recreação e Recepção de Turistas da Rocinha, mantido pela Secretaria Municipal de Trabalho do Rio. "Ela trabalhava conosco há pouco tempo, mas já tinha várias encomendas", afirma Telma Santos, uma das coordenadoras do posto. Três dias antes de morrer, Geisa disse a Vera que estaria grávida de dois meses. "Ela ainda não tinha contado para o marido, mas estava muito feliz." As suspeitas, porém, eram infundadas. Os exames realizados no Instituto Médico Legal não confirmaram a gravidez de Geisa, que vivia cercada de crianças. "Ela era muito boa. Ajudava e dava conselhos", diz Pamela Gomes da Costa, 13, uma das alunas do Projeto Curumim.
As quatro horas que antecederam sua morte foram de pânico e incerteza. Assim que o ônibus foi interceptado pela polícia, Geisa assistiu o assaltante fazer Glória de Jesus Albuquerque, 63, como sua primeira refém. Um policial chegou a subir a bordo do 174, mas recuou atendendo às ameaças do bandido. Para salvar Damiana, Geisa apelou para que Sandro a deixasse ir embora, sob o argumento de que a amiga era sua mãe. O bandido a atendeu, num único momento de generosidade. A partir daí, Sandro aterrorizou os passageiros friamente. Andava de um lado para o outro, trocando várias vezes de refém. "Ele dizia que a mãe tinha sido morta a facadas, o pai a tiros e a irmã, degolada. Por isso não tinha nada a perder", conta Luana Belmonti, 19, aluna do quinto período de Comunicaçãoo Social na PUC, uma das torturadas.
Na viagem do terror, Geisa integrava a amedrontada platéia nos momentos em que não estava nas mãos do bandido. Assistiu à simulação da morte da estudante Janaína Lopes Neves, 23 anos, quando Sandro mandou que ela se deitasse no chão e atirou próximo a seus pés. Também escutou Sandro cantarolar uma versão macabra do sucesso "Xibom Bombom", em que anunciava um pacto com o diabo. "A Geisa e a Janaína estavam muito assustadas. Segurava as mãos delas e dizia que sairíamos dali", conta Luana. A professora ainda testemunhou o bandido apanhar o celular da secretária Luciana Ximenes, 29 anos, e discar para a irmã dela, Cláudia. "Ele mandou que ela ligasse a televisão. Naquele momento, esfregou o rosto da Luciana no vidro", contou Rita de Cássia Ximenes, outra irmã de Luciana.
No dia seguinte ao crime, moradores do Jardim Botânico depositaram flores no local onde a professora fora abatida. Seus vizinhos da Rocinha também lhe prestaram uma homenagem. Só não conseguiram fazer com que o corpo de Geisa fosse velado no morro, antes de seguir para Fortaleza, em um võo fretado pelo governador Anthony Garotinho. A irmã da professora, Maria Elisângela Gonçalves, chegou ao Rio na terça-feira 13. Ela fez chegar uma carta de agradecimento às crianças do Projeto Curumim. Em um dos trechos, escreveu: "crianças, vocês são puras e simples, assim como a Geisa, minha irmã, que era vestida de simpatia e amor. Por isso que Deus a quis junto a ele".
Normalmente, Geisa apanharia um ônibus da linha 592 (Gávea-Leme) para chegar a seu destino, uma agência bancária no Humaitá, a cerca de 6 km da favela onde morava. Naquele dia, mudou o itinerário, a pedido da amiga, Damiana Nascimento de Souza, 40, que a acompanhava. Damiana usou um argumento irrefutável para convencê-la a embarcar num coletivo da linha 174 (Gávea-Central), cujo ponto final fica um quilômetro mais distante. Hipertensa, Geisa precisava caminhar por recomendação médica. A professora jamais desceu no ponto planejado. Quatro horas e cinqüenta minutos depois de embarcar no ônibus, ela foi morta, por um erro policial.
O drama dos passageiros começou às 14 horas, quando a polícia interceptou o ônibus, na Rua Jardim Botânico, para tentar prender o bandido Sandro do Nascimento, 22 anos, que planejava um assalto a bordo. Para se defender, Sandro manteve Geisa e outros nove reféns sob a mira de seu revólver, um Rossi calibre 38, até as 18h50. A professora foi uma das que mais sofreram. Ela foi puxada pelos cabelos e torturada com o cano da arma em sua boca. As cenas de terror eram transmitidas ao vivo pela televisão para o Brasil e para o mundo, através da CNN.
A menos de 200 metros dali, no Jockey Club do Rio, Alexandre interrompia seu trabalho para acompanhar o martírio das vítimas pela tevê. Teve a ingrata surpresa de descobrir a mulher entre os reféns. O cavalariço não desgrudou os olhos da tela até o desfecho daquela saga, quando uma ação desastrada da polícia fez com que Geisa fosse alvejada por quatro tiros. 
Alexandre e Geisa trocaram Fortaleza pelo Rio há um ano e meio. Os dois namoravam quando Alexandre decidiu tentar a sorte no Rio, no início de 1998. O casal morava numa casa de dois cômodos na favela da Rocinha, onde Geisa conseguira o emprego no Projeto Curumim, há oito meses. No início, ela ajudava a cuidar das 150 crianças de 6 a 14 anos. Com o tempo, aperfeiçoou-se na confecção de cestas de papel e miçangas e passou a dar aulas de artesanato em turmas cada vez mais concorridas. “As aulas dela enchiam a sala”, conta Vera Lúcia Caldeira, 47, que também trabalha no Projeto Curumim. “Com seu jeito tímido, de quem veio do interior, era muito carinhosa com as crianças.”
Mergulhado em denúncias contra a polícia que comanda desde o início do ano, Garotinho agiu rápido. Exonerou o comandante da Polícia Militar, o coronel Sérgio da Cruz, e afastou o soldado Marcelo Oliveira dos Santos, cuja pontaria errática transformou em vilania sua candidatura a herói. A partir de agora, exercerá apenas funções burocráticas na corporação. Outros cinco militares do Bope - o capitão Ricardo de Souza Soares e os soldados Luiz Antônio de Lima Silva, Márcio de Araújo David, Paulo Roberto Alves Monteiro e Flávio Dias -, que entraram com Sandro no camburão, foram presos e serão indiciados por homicídio. Sandro tinha quatro passagens por delegacias do Rio e duas condenações, por tentativa de furto e roubo qualificado, que somavam uma pena de cinco anos e seis meses de prisão. Uma organização não-governamental carioca, o Centro Brasileiro de Defesa da Criança e do Adolescente, sustenta que o bandido era também uma vítima. Ele seria um dos sobreviventes da chacina da Candelária, ocorrida em 1993.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

MAIS QUATRO ANOS

Com 51,64% dos votos válidos, contra 48,36% de Aécio Neves, do PSDB, a presidenta Dilma Rousseff foi reeleita ontem para mais quatro anos de mandato. Que venham.

A matéria abaixo é daquelas não assinadas, mais editada que escrita, com o auxílio da reportagem da Agência Reuters

Jornal do Commercio, edição de segunda-feira, 27 de outubro de 2014

"Nas democracias maduras, união não significa necessariamente unidade de ideias nem ação monolítica conjunta. Pressupõe, em primeiro lugar, abertura e disposição para o diálogo".

A presidente Dilma Rousseff (PT) afirmou em seu pronunciamento logo após ser reeleita ontem que seu primeiro compromisso do segundo mandato será o do diálogo em busca da união. Falando a aliados e militantes, Dilma disse que união não significa necessariamente unidade de ideias, mas ressaltou que, algumas vezes, resultados apertados produzem mudanças mais fortes e mais rápidas do que vitórias muito amplas. "Minhas primeiras palavras são de chamamento de base e união. Nas democracias maduras, união não significa necessariamente unidade de ideias nem ação monolítica conjunta. Pressupõe, em primeiro lugar, abertura e disposição para o diálogo. É esse meu primeiro compromisso do segundo mandato: diálogo".
Em seu discurso, a presidente reeleita disse ainda que a reforma política é a primeira e a mais importante de seu segundo mandato. "Meu compromisso, como ficou claro durante toda a campanha, é deflagrar esta reforma que é responsabilidade constitucional do Congresso e que deve mobilizar a sociedade por meio de uma consulta popular", disse Dilma, em um hotel de Brasília. "Como instrumento desta consulta, o plebiscito, nós vamos encontrar a força e a legitimidade para levarmos à frente a reforma política", acrescentou.
Dilma disse saber que foi reconduzida à Presidência para realizar mudanças que a sociedade brasileira exige, e que tem um compromisso com a refoma política. Sobre economia, afimou que promoverá ações localizadas, em especial para retomada do crescimento, garantia do elevado nível de emprego e valorização dos salários. "Vamos dar mais impulso à atividade econômica em todos os setores, em especial no setor industrial", disse ela. "Quero a parceria de todos os segmentos, áreas produtivas e financeiras, nessa tarefa que é responsabilidade de cada um de nós brasileiros e brasileiras".
A presidente afirmou também que seguirá "combatendo com rigor a inflação e avançando no terreno da responsabilidade fiscal". Em outra frente, Dilma disse que terá o "compromisso rigoroso" de combater a corrupção, com proposição de mudanças na legislação atual para acabar com a impunidade.
Vencida a batalha das urnas, a presidente precisa agora reunificar a base aliada no Congresso para a aprovação de propostas. Na corrida à reeleição, ela perdeu apoio de partidos que integravam sua base de sustentação, como o PSB de Eduardo Campos, morto em acidente aéreo, e o PTB, que apoiou o adversário, Aécio Neves (PSDB), o PSC e o PRTB, que lançaram candidatura própria no primeiro turno e depois se aliaram a Aécio.
A presidente também vai ter de trabalhar para reunir a própria base. A expectativa é que ela tenha hoje 304 deputados e 40 senadores. Apesar de grande, a base está rachada. Dentro do próprio PMDB, partido do vice-presidente eleito Michel Temer, Dilma tem a rejeição de 30% da bancada. Ela também terá de volta no Congresso o senador Eunício Oliveira (PMDB), derrotado na disputa ao governo do Ceará, que apareceu em santinhos ao lado do tucano Aécio Neves. Po outro lado, Dilma contará com o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB), que perdeu ontem o governo do Amazonas para José Melo (Pros).
A vitória acirrada nas urnas também contará negativamente para a presidente Dilma no Congresso. Especialistas analisam o placar como mostra de um governo enfraquecido. Se Dilma venceu com 51% dos votos válidos, a oposição se mostrou fortalecida com 48%. É um alto índice de eleitores que apostaram numa possível mudança nas urnas. E essa oposição poderá usar o discurso da mudança para atacar a presidente nos próximos quatro anos. Além disso, os adversários derrotados Aécio Neves e o vice Aloysio Nunes (PSDB) voltam ao Senado para mais um mandato de quatro anos ao lado dos tucanos José Serra (SP), Antônio Anastasia (MG), Cássio Cunha Lima (PB), Lúcia Vânia (GO), Paulo Bauer (SC) e Ruben Figueiró (MS).
A oposição no Congresso ainda encontrará na CPI da Petrobras munição para tentar desconstruir o governo. Já está agendado para quarta-feira o depoimento do doleiro Alberto Youssef no Senado. Os parlamentares ainda podem ter nas mãos as delações premiadas do ex-diretor de Refino e Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa e do doleiro ao Ministério Público Federal (MPF), que foram sendo divulgadas a conta gotas ao longo da campanha eleitoral, mesmo que sem provas, na medida em que depoimentos dos dois nas delações foram sendo vazados. "A Dilma vai ter que aprender a lidar com o Congresso", disse um interlocutor do Planalto.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

VOLTAS DA VIDA

Ele apareceu primeiro ainda estudante, liderando passeatas de cima de carros de som com milhares e milhares de pessoas abaixo dele pedindo a deposição de um presidente, aliás, justíssima deposição. Tinha a cara pintada e era radical, tão radical de esquerda que se filiou ao PC do B, o que na época fazia algum sentido. Dois anos depois de despontar para a fama, foi eleito deputado federal, mas continuou radical, tão radical de esquerda que acabou no PSTU. Nas eleições seguintes, obteve votos suficentes para se eleger tanto para a Câmara dos Deputados quanto para vereador, isso se não estivesse no PSTU. Sem coeficiente eleitoral, acabou derrotado mesmo ficando entre os campeões de votos nos pleitos. Então, em dado momento, cansou. Mudou de estratégia e filiou-se ao PT. Mudou-se para uma cidade onde jamais tinha morado e, pouco tempo depois, foi eleito prefeito dela, derrotando um cacique local com apoio da família Garotinho, que governava o estado. Quatro anos depois, foi reeleito prefeito, fato raro na região, e em mais dois anos ganhava a cadeira de senador, com milhões de votos em todo o estado. O próximo passo, natural, era virar governador. Pois ontem, na eleição pra governador, ele ficou em quarto lugar com cerca de setecentos mil votos, um pouquinho só à frente do candidato mais radical de esquerda, do PSol, que também teve cerca de setecentos mil votos.

A matéria abaixo foi no momento da virada, quando ele virou prefeito e não parou mais de ganhar eleição, até ontem. A foto aí de cima é do Leandro Pimentel.

Revista Istoé Gente, edição 280, de 20 de dezembro de 2004

“Fui falando, mas o senador ficava sorrindo e dizendo ‘muito bem, muito bem’”.

A poesia O Jovem e a Paz Caminham Juntos, escrita por Lindberg Farias aos 14 anos, era inspirada nas primeiras leituras do adolescente. Um dos versos mencionava “pombas brancas sobre o Kremlin e a Casa Branca” e o último afirmava que se Karl Marx fosse vivo diria: “Jovens de todo mundo, uni-vos”. “É das coisas mais ridículas da minha vida”, reconhece, entre risos, o prefeito eleito de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Aos 34 anos, o deputado federal do PT se aliou a partidos como o PFL e o PP para vencer Mário Marques, do PMDB de Anthony Garotinho, com 57,74% dos votos
no segundo turno. Seu futuro político pode ser medido pelas palavras do aliado César Maia. “Se passar pelo teste nessa prefeitura, Lindberg tem tudo para ser uma forte liderança estadual e até nacional”, diz o prefeito carioca.
Na sala do apartamento para onde se mudou há um ano e meio, com o intuito de disputar a eleição, o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) não exibe biografias da revolucionária Rosa Luxemburgo ou de Che Guevara. Os textos da adolescência foram substituídos por um relato da trajetória de Manoel Ferreira (PP), pastor da Assembléia de Deus, e obras de Eça de Queiroz e Marcel Proust. O socialismo sobrevive de maneira mais suave, num livro do fotógrafo cubano Alberto Korda. “O cara que queria a insurreição deu lugar a alguém que sabe que tem que dar um passo de cada vez”, explica o prefeito eleito.
Filho do médico Luiz Lindbergh Farias, vice-presidente da UNE em 1961, paraibano de João Pessoa, ele cresceu num ambiente de discussão política. O pai lhe contava suas experiências, mas não aprovou quando o filho se mudou para São Paulo, em 1991, ao ser eleito secretário-geral da entidade. “Ele disse que eu ia prejudicar os estudos, que o movimento estudantil não tinha mais força”, lembra Lindberg, que tirou o h do nome em 2000, aconselhado por uma numeróloga. Um ano depois, já presidente da UNE, o filho de Luiz Lindbergh liderou os estudantes no movimento dos cara-pintadas, que reuniu centenas de milhares de pessoas em manifestações pelo Brasil e ajudou a derrubar o presidente Fernando Collor.
Vieram, então, as primeiras gafes do líder estudantil ainda verde na política. Ao se reunir com o então presidente do Congresso, Mauro Benevides, em Brasília, Lindberg não sabia do costume da foto protocolar, tirada antes de encontros solenes. Na frente de dezenas de fotógrafos, o presidente da UNE apertou a mão do senador e, enquanto piscavam os flashes, tentou, sem sucesso, iniciar a conversa. “Fui falando, mas o senador ficava sorrindo e dizendo ‘muito bem, muito bem’”, lembra Lindberg.
O desconforto com as práticas políticas continuou durante o primeiro mandato como deputado federal, pelo PC do B, entre 1995 e 1998. O defensor do povo nas ruas como única solução chamava o Congresso de casa das elites e não perdia uma manifestação contra as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso. Na venda da Vale do Rio Doce, entrincheirou-se com 100 estudantes na Bolsa de Valores do Rio. No leilão das Teles, jogou pedra na polícia. Achava o máximo. “Me sentia o próprio Guevara”, afirma.
Mas o momento era de tristeza. Em janeiro de 1995, Lindberg soube que o pai tinha câncer terminal. Até fevereiro de 1996, quando Luiz Lindbergh faleceu, trocou os fins de semana no Rio por idas a João Pessoa. Ficou deprimido e chegou a 100kg. “Achava que a vida tinha perdido o sentido”, conta. Um alento foi a notícia que recebeu no mesmo dia em que foi informado da doença do pai. Maria Antônia Goulart, 29, sua mulher, estava grávida de Luiz, 9.
O casal se separou em 1999, mas se reconciliou em fevereiro deste ano. Maria Antônia levou Luiz para Belo Horizonte, mas Lindberg via o filho único todo fim de semana. Ou ia para Minas, ou Luiz viajava para o Rio. “O Lindberg não pára de beijar e abraçar o Luiz. Eu é que dou bronca, ele fica com a parte boa”, entrega Maria Antônia.
Derrotado na eleição de 1998, Lindberg ganhou tempo para recuperar a forma e os estudos. Pegava ônibus para o curso de Direito na PUC carioca (ele está a um ano de se formar), corria na Praia de Copacabana, fazia musculação e nadava. Em um ano, voltou aos atuais 87 kg e retomou a aparência que lhe rendeu o apelido de Lindinho e o assédio de boa parte do eleitorado feminino.
A maneira de ver a política também mudou. Filiado ao PSTU, dissidência do PT de extrema esquerda, Lindberg não aceitou coligações em 1998. Foi o sexto entre os candidatos do Rio para a Câmara Federal, com 73 mil votos, mas perdeu a vaga porque sua legenda não conseguiu o mínimo necessário de eleitores. Aproveitou a ocasião para reforçar o discurso radical. “Dizia: de que serve o Parlamento? O que vale é a luta nas ruas”, lembra.
Na eleição para vereador em 2000, ficou em 4o lugar, com 47 mil votos, e novamente de fora, mas dessa vez a reação foi diferente. “Não queria chegar aos 40 anos fazendo agitação em carro de som, fora do debate político.” Favorável ao apoio a Lula em 2002, Lindberg se transferiu para o PT quando os antigos correligionários lançaram candidatura própria a presidente. “No PSTU, estava abrindo mão de um papel que podia jogar”, afirma.
Voltou à Câmara em 2002 como vice-líder da bancada. Numa conversa com Lula e José Genoino, presidente da legenda, surgiu a idéia da candidatura em Nova Iguaçu, onde o PT nunca tinha sido forte. Eleito, após começar em 3º lugar, com 12% dos votos, surpreendeu o presidente. “O Lula me disse que vencer lá era projeto para 20 anos”, diz.
Ameaçado de morte algumas vezes na Baixada, tem andado com seguranças, o que não tira sua animação com futuros projetos. Quer explorar áreas verdes como o parque municipal, onde se exercita. Também pensa numa empresa de saneamento em parceria com a iniciativa privada, para se ver livre da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgotos), que, no passado, defendeu contra os planos de privatização do ex-governador Marcello Alencar (1995-1998).
Aliado de Lindberg na última campanha, Marcello ouviu dele um mea culpa. “Ele me confessou que hoje pensa como eu. Ele está mudado. É talentoso e carismático pra burro”, diz o ex-governador. As mudanças, segundo o prefeito eleito, não são tão gritantes. Se houvesse a chance de uma revolução no Brasil, ele garante, largava tudo e entrava. “Mas essa bandeira não é real. Dizem que de revolucionário passei a reformista. É isso mesmo. É com reformas que conseguiremos avançar".

segunda-feira, 14 de julho de 2014

REDENÇÃO

Terminou ontem a segunda Copa do Mundo disputada no Brasil, e depois do que se viu na última terça-feira, no Mineirão, só nos cabe homenagear os caras de 50, o goleiro principalmente. Todos eles, desde a primeira semifinal desta segunda Copa brasileira, enfim descansam em paz, cientes de que honraram a história e a força do futebol brasileiro.

A matéria abaixo não foi assinada. Saiu com um discreto Da Redação em cima, e com um mais discreto ainda Com Agência Reuters no pé, entre parênteses.

Jornal do Commercio, edição de quarta-feira, 9 de julho de 2014

Foi o maior placar já registrado numa semifinal de Copa. Feito semelhante só foi obtido, por ironia do destino, pelo Brasil de 1950, que fez 7 a 1 na Suécia no quadrangular final da Copa, isso depois de aplicar 6 a 1 na Espanha, sempre num Maracanã em delírio.


Barbosa, Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Os jogadores que estiveram em campo na derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950 ficaram marcados por toda a vida como protagonistas de uma tragédia sem precedentes, de uma derrota inimaginável e, muitos diziam, do maior vexame da história do futebol brasileiro. O goleiro Barbosa, então, sofreu ainda mais que os companheiros de time, isso porque deixou passar entre ele e a trave um chute à queima-roupa do atacante uruguaio Gigghia, que carregou a bola livre, sem marcação, até a quina da pequena área. O Brasil jogava pelo empate para ser campeão mundial pela primeira vez, em casa, mas com esse gol de Gigghia perdeu, e por 2 a 1, o suficiente para dar início ao pesadelo que perseguiu os jogadores de 50 até o fim da vida de todos eles, já falecidos. Pois ontem, em sua segunda Copa do Mundo jogando no País, a Seleção Brasileira, pentacampeã mundial desde 2002, mostrou o que é, de verdade, um vexame histórico. Na semifinal contra a Alemanha, no Mineirão, o time da dupla Felipão-Parreira foi goleado por inacreditáveis 7 a 1, diante de uma torcida atônita, estupefata, que antes dos 30 minutos de jogo já via o Brasil perder de 5 a 0, e jogar como um bando de crianças nervosas diante dos pragmáticos e talentosos alemães.
Foi o maior placar já registrado numa semifinal de Copa. Feito semelhante só foi obtido, por ironia do destino, pelo Brasil de 1950, que fez 7 a 1 na Suécia no quadrangular final da Copa, isso depois de aplicar 6 a 1 na Espanha, sempre num Maracanã em delírio. Ontem, no Mineirão, a festa parou na emoção de sempre do hino nacional. Com 7 minutos de jogo, Müller fez 1 a 0 completando livre na área uma cobrança de escanteio, por baixo do goleiro Julio Cesar. Logo em seguida, Klose fez o segundo pegando rebote do goleiro brasileiro, e ultrapassou Ronaldo Fenômeno para se tornar o maior artilheiro de todas as Copas, com 16 gols, um a mais que o brasileiro.
Sem Neymar, machucado, e Thiago Silva, suspenso, o técnico Luiz Felipe Scolari optou por manter o criticado Fred no ataque e entrar com Bernard e Hulk para auxiliá-lo na frente. No meio, entraram Luis Gustavo, Fernandinho e Oscar, e mais ninguém. A opção ofensiva abriu o caminho para o passeio alemão, e mesmo com dois gols sofridos em tão pouco tempo, Felipão não achou que deveria tentar corrigir seu erro. Viu do banco de reservas, tão incrédulo quanto o coordenador técnico Carlos Alberto Parreira, a Alemanha fazer o terceiro com o meia Toni Kroos, num chute que Julio Cesar quase defendeu. Ele chegou a tocar na bola, mas sem força suficiente para desviar do gol. Depois vieram o quarto gol, também de Kroos, e o quinto, do volante Khedira, e aos 29 minutos do primeiro tempo a primeira
semifinal do Mundial de 2014 já estava mais que definida.
Ao fim do primeiro tempo, os jogadores brasileiros foram muito vaiados e saíram de campo de cabeça baixa. Para a segunda etapa, Felipão fez duas alterações, colocando Paulinho e Ramires nos lugares de Fernandinho e Hulk, respectivamente. O time brasileiro até melhorou, mas desperdiçou chances claras logo depois do intervalo, com Oscar e Paulinho, com o goleiro alemão Manuel Neuer fazendo grandes defesas. A torcida alemã já gritava “Rio de Janeiro ô ô ô”, enquanto os brasileiros começaram a hostilizar Fred, que chutou muito fraco a gol aos 15 minutos e passou a ser vaiado quando pegava na bola. 
A Alemanha esperava o Brasil na defesa e ao se aventurar no ataque trocando passes fez 6 x 0 com Schuerrle, de dentro da área aos 24 minutos. O mesmo atacante ampliou dez minutos depois, num chute alto de esquerda. Para poupar Fred, o treinador brasileiro o substituiu por Willian aos 24 minutos, mas o atacante do Fluminense não escapou das vaias ao sair. Nos minutos finais, a Alemanha tocou bola ao som de "olé" das arquibancadas lotadas do Mineirão. Aos 45 minutos, Oscar ainda diminuiu para o Brasil, fazendo a torcida vibrar um pouco, ainda que meio sem graça.
Ao contrário do silêncio sepulcral no Maracanã no fim da decisão da Copa de 50, o que se ouviu ontem com o apito final foram vaias, muitas vaias. Com alguns jogadores chorando, especialmente Oscar, Felipão reuniu todos no meio-campo e eles aplaudiram a torcida. Abraçados, David Luiz e Thiago Silva foram os últimos a deixar o campo. Com o time bagunçado, o Brasil encerrou de forma constrangedora a chance de disputar o título no Maracanã e vai jogar pelo terceiro lugar em Brasília, no sábado, depois de chegar ao torneio como favorito devido ao título da Copa das Confederações de 2013, e por jogar em casa. 
Mas a Seleção, que jogava para fazer história como a primeira a chegar à final nas duas Copas que disputou em seus domínios, não conseguiu repetir o feito de 50. Ao contrário daquela equipe, que fez de Ademir artilheiro do torneio e o brasileiro que mais gols (nove) marcou numa só Copa - além de ter feito o primeiro do Mundial, contra o México, no Maracanã -, o Brasil de 2014 teve uma campanha fraca no Mundial em casa, com desempenhos que não convenceram mesmo quando seu astro, Neymar, estava em campo. Sem ele, virou vexame.

terça-feira, 8 de julho de 2014

TRISTEZA NA COPA

Ele gostava de jogar bola desde muito antes de ficar famoso. Peladeiro de coração, como muitos que conhecemos, continuou a ser depois da fama. Pintando a oportunidade e o momento sendo adequado, lá estava ele jogando futebol, se divertindo, mesmo sendo o gordo da turma, o que só aumentava a popularidade. Na Copa do Mundo de 2006, trabalhava na Alemanha, acompanhando de perto a seleção, e em dado momento a oportunidade apareceu. Uma pelada nas proximidades da concentração brasileira, campo de grama, perfeita, no friozinho gostoso do verão alemão, em meio a um clima que, durante o Mundial, agora sabemos, só o país sede pode proporcionar. Deve ter se divertido muito, e deve ter se excedido um pouco também na empolgação do momento, porque de noite passou mal, e na manhã seguinte sofreu o infarto fulminante, fatal, aos quarenta e três anos, depois de fazer o que gostava desde criança, no lugar ideal para isso, num momento mágico, em meio àquela que, por isso mesmo, pode ser considerada a mais triste das Copas.

A entrevista abaixo foi feita uns dois anos e meio antes da morte do entrevistado, na Alemanha, durante a Copa de 2006, em que o Brasil foi eliminado antes, nas quartas, mas de uma maneira bem mais aceitável que a de hoje, nas semis.

Revista Istoé Gente, edição 225, de 24 de novembro de 2003

"Jogo pelada toda sexta. Já fui lateral, centroavante, e hoje pareço mais a bola. Mas se os caras correrem por mim, posso jogar tranqüilamente. Vão achar que sou o Romário. Minha movimentação é igual".

Irmão do economista Sérgio e do médico pediatra Marcos, Cláudio Besserman Vianna, 41 anos, tinha tudo para ser a ovelha negra da família. Chegou a provocar uma reunião convocada pelos pais para se discutir seu futuro, até que o humor o salvou. Como Bussunda, virou um dos mais populares entre os sete integrantes do Casseta & Planeta. Além do programa semanal na Globo – que atualmente se reveza com A Grande Família no posto de humorístico de maior audiência da emissora –, poderá ser visto nas telas de cinema a partir desta quarta-feira 19, no primeiro filme dos cassetas, A Taça do Mundo É Nossa.

Por que situar a história na década de 70?
O humor da época era contra a ditadura, e hoje em dia só se lembram do período para falar sério, porque ainda é esse tabu. A ditadura é a guerra mundial do brasileiro, uma coisa que marcou. E é uma época que dá muita piada. Tem comunistas, militares, sexo, drogas e rock’n’roll, jovem guarda, seleção tricampeã. Quando chegamos nessa época a história veio surgindo, foi tranqüilo.

A década de 70 também marcou o começo de vocês.
É verdade. A Casseta Popular (jornal alternativo que, junto com o Planeta Diário, de Hubert, Reinaldo e Cláudio Paiva, deu origem ao Casseta & Planeta) começou em 1977. Até hoje, Beto Silva, Marcelo Madureira e Hélio de la Peña usam os nomes que escolheram na época, porque o jornal era clandestino e não podíamos dar os nomes verdadeiros. Como já era Bussunda, eu assinei como Bussunda Dois. Se viessem me prender, diria que eu era o Bussunda Um. A Casseta éramos nós quatro e o Cláudio Manoel, que era Claude Mañel na época, mas abdicou desse nome gay.

É verdade que na faculdade você era uma preocupação para a família?
Fiz até uma palestra uma vez com o título “Como o Humorismo Salvou Minha Vida”. Meus pais chegaram a reunir meus irmãos sem mim para falar: “Tem que cuidar do Claúdio. Se a gente morrer, quem vai cuidar dele?”. Realmente, eu era um problema. No segundo grau cheguei a ser reprovado com zero em todas as matérias, porque eu matava a aula e ninguém em casa sabia. Depois cheguei na faculdade pública (escola de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Como passou no vestibular matando aulas?
Tinha uma boa base. Na verdade, meu projeto de vida nessa época era não fazer nada. Estudei um pouco pra passar no vestibular e pronto. Fui o penúltimo colocado para o segundo semestre. Na faculdade pública, meus pais não podiam reclamar que pagavam mensalidade, e a faculdade ajudava nesse projeto de não fazer nada. Então fiquei lá. Não me formei, mas foram ótimos anos.

Como entrou na Casseta?
A Casseta surgiu na Engenharia da UFRJ, quando o Beto, o Hélio e o Marcelo fizeram um jornal para reclamar da falta de mulher na faculdade. Era amigo deles da praia, em Ipanema, e o Cláudio também. Quando resolveram ampliar o jornal, nos chamaram. Entrei na faculdade lançando o primeiro número de que participei. A gente fazia o jornal e vendia até ter grana para rodar outro. Isso durava quatro, cinco meses. Fiquei assim na faculdade, até que, quando estava tentando me formar, juntando um monte de matéria, pintou o convite da Globo para escrever o TV Pirata (em 1988). Aí abandonei a faculdade.

Você vê muita televisão para criar as paródias do programa?
Já fui noveleiro. Hoje, vejo a novela das oito às terças-feiras, na espera do programa. Não acompanho muito, e acho que esse é o nosso mérito. Fazemos a paródia para o cara que vê a novela de vez em quando. A gente chama o personagem da Malu Mader de Malu Mader, isso é o que dá certo. Vejo mais tevê a cabo, mas também vejo tevê aberta. Adoro os programas bons e os ruins. Só não gosto dos médios. Tem uns programas muito ruins que são involuntariamente engraçados. Não vou ficar nomeando, mas tem vários aí, todo mundo sabe. Os programas de auditório em geral, as novelas mexicanas. Gosto de ver.

Sempre vê televisão com olhar de humorista?
Depende. Quando o noticiário é pesado, vejo de baixo astral como todo mundo. Talvez fique até mais baixo astral por saber que não vai dar para fazer piada com aquilo. Mas normalmente tenho esse olhar, sim. Quinta-feira, por exemplo, é o dia que escrevemos piada. Então na quarta vejo o Jornal Nacional pensando o que dá piada ali. Mas também não sou maluco de ver televisão o tempo inteiro pensando no que vou botar no programa. As coisas aparecem.

Como surgem as piadas?
A gente fica na redação com a tevê ligada na Globonews, sem som. No último programa (ele se refere à terça-feira 4), teve uma piada com o Lula na África. Tinha aparecido na tevê ele falando com um cara, que estava com uma negra bonita do lado. Aí o Marcelo Madureira falou: “Olha lá, ele quer trocar a Bené dele pela do africano”. A gente botou no programa. Muita piada surge porque você tá vendo o Lula falando, sem som, e começa a dublar.

Como intérprete do presidente Lula, o que espera dele?
Gostaria muito que ele raspasse a barba, porque é insuportável colar aquela barba toda semana. Como cidadão, ainda estou como todo mundo. Vendo esse governo na espera. Tem coisas boas e coisas ruins, mas ainda não dá para julgar. E como humorista não tenho do que reclamar. Está ficando cada vez melhor. Os ministros estão colaborando.

Os políticos brasileiros ajudam os humoristas?
Uma das gravações mais legais que fiz foi na época do impeachment do Collor. Eu e o Beto fomos para Brasília de vestido tomara-que-caia. Entrevistávamos os deputados até que o Roberto Freire disse que estava acontecendo uma reunião dos líderes do movimento Fora Collor na casa do Orestes Quércia, e nos deu o endereço. Chegamos e fomos entrando. Quando vi, estavam sentados na sala o Ulysses Guimarães, o Lula, o Quércia e eu, de tomara-que-caia. Ficamos aquela meia hora antes da reunião, para a imprensa fazer as imagens, depois mandaram a gente sair.

Já desistiu de alguma piada por se tratar de um assunto forte?
Várias vezes. O que provoca comoção é muito complicado. O atentado de 11 de setembro, por exemplo, era um assunto único. Só se falava disso e a gente não podia fazer piada, porque tinha morrido muita gente. Depois de umas duas semanas, decidimos apontar para o Osama Bin Laden, para tirar a piada de Nova York, e conseguimos fazer. Mas é difícil. Fatos como a morte do Senna, a dos Mamonas Assassinas, por mais que as pessoas contem piadinhas, nunca tornamos público. Em alguns casos, você não pode usar um canhão como a TV Globo, por respeito às pessoas que estão sofrendo.

Existe algum critério para definir o que pode virar piada?
É uma questão de respeito. Tem gente que você respeita e tem gente que você, e o povo brasileiro, não respeita. Na época do impeachment do Collor, fizemos um programa todo sacaneando ele, que não pôde ir ao ar. Passado um mês, o cara continuava presidente, mas a situação tinha mudado tanto que ninguém mais o respeitava. Então o programa foi ao ar um mês depois.

Vocês sofrem censura na Globo?
Esse foi um veto do departamento jurídico. Não encaro como censura. Os caras estão vendo qual o processo que eles podem levar. De vez em quando a gente chama de ladrão o cara que ainda não foi condenado, isso acontece. Agora, censura política não me lembro de ter sofrido. Tanto temos a compreensão de até onde podemos ir, como eles têm a compreensão de que a gente é humor.

Já sofreu reclamações?
É raro alguém querer pagar esse mico, mas acontece. Fomos processados por um puxa-saco do Collor, de quem não me lembro o nome. O Benedito Ruy Barbosa não gosta de piada com novela dele. Mas os atores pedem para fazer piada com seus personagens. A maioria das pessoas gosta. Deve ter quem não goste, mas nunca levei porrada na rua.

Esperava todo esse sucesso?
Esperava o salário no fim do mês e estava bom demais, mas a gente trabalhou para isso. Temos a vantagem de adorar televisão. Gosto do público da tevê, enorme, e a gente buscou a popularidade sempre.

Mudou sua rotina por causa da fama?
Tenho essa coisa contraditória. Adoro meu trabalho, mas detesto ser o centro das atenções. Por isso, e também porque adoro ficar em casa com a minha família (Bussunda é casado com a jornalista Angélica Nascimento e pai de Júlia, 10) saio pouco à noite. Não gosto de ir num bar e todo mundo ficar olhando para mim.

Ainda acompanha futebol?
Parei com a coluna que escrevia no Lance (diário esportivo) no início do ano, para ter mais tempo para o filme. Cansei um pouco, até pela fase ruim do futebol carioca. Só volto a escrever agora no dia em que o Eurico Miranda sair do Vasco, mas continuo acompanhando. Vejo qualquer jogo.

Qual a expectativa para o jogo com o Ronaldo (Bussunda vai à Suíça, gravar a participação do Tabajara F.C. num amistoso entre os amigos de Ronaldo e os de Zidane)?
Se derem mole, vamos entrar pra jogar. Jogo pelada toda sexta. Já fui lateral, centroavante, e hoje pareço mais a bola. Mas se os caras correrem por mim, posso jogar tranqüilamente. Vão achar que sou o Romário. Minha movimentação é igual.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

REGIME SEMI-ABERTO

O início da carreira tinha sido promissor, como tantos outros. Em termos de Vasco, ele fez história já aos 17 anos de idade, quando, junto com Valdir Bigode, Leandro Ávila, Pimentel e cia., venceu a Copa São Paulo de Juniores de 1992, num Pacaembu lotado, no aniversário de São Paulo, contra um dos três grandes da cidade. Na semifinal, inclusive, fez os dois gols da vitória sobre o glorioso Santa Tereza, de Minas Gerais, e depois participou ativamente, junto com o pessoal da geração dele, que tinha ainda Carlos Germano, Edmundo e Jardel, do único tricampeonato estadual do clube. Mas titular inconstestável, como Bismarck, William e Ricardo Rocha, ele nunca foi. No meio de tanta gente boa, de Geovani a Alexandre Torres, de  Carlos Alberto Dias a Roberto Dinamite, Hernande foi se apagando, perdendo espaço a ponto de precisar rodar o mundo pra viver de jogar bola. Foi pra Bolívia, pra Eslováquia e pro Equador. Passou também pela Alemanha até voltar ao Brasil para assinar com o Botafogo e, enfim, voltar a jogar na sua terra.

Mas não era só essa a razão da entrevista, ali, no campo do Caio Martins, estádio em Niterói que o Botafogo usava na época para treinos e jogos. Para a revista, a história de Hernande jamais despertaria algum interesse se entre suas andanças atrás da bola ele, num deslize até desculpável pela idade, não tivesse atropelado quatro pessoas, sem matar ninguém e parando pra socorrer todas elas, e não estivesse preso por isso, convivendo com traficantes da pesada no Complexo do Bangu. Saía só pra trabalhar, no caso treinar, concentrar e jogar com o time, e também dar entrevista, logo depois do treino, cansado mas feliz, antes de voltar a Bangu pra dormir na sua cela, à espera da liberdade completa que até que estava próxima, de acordo com a matéria aí embaixo.

Revista Istoé Gente, edição 107, de 20 de agosto de 2001

“Digo para eles que o pai tem que se concentrar com o time e não pode dormir em casa. Quando tudo se resolver, vamos contar a verdade”.

Na noite de quarta-feira, 18 de julho, a delegação do Botafogo do Rio chegou em Florianópolis para disputar um amistoso contra o Figueirense, time local. Acostumados com a rotina de viagens e noites longe da família, os jogadores nem repararam na emoção de um de seus colegas. Preso desde 22 de dezembro passado, depois de ser condenado a cinco anos de prisão por ter atropelado quatro pessoas na zona norte do Rio, em 1995, o atacante Hernande Gomes Flores, 27 anos, mal podia acreditar que iria dormir fora da cadeia. “A sensação de liberdade que senti naquele dia não tem preço”, lembra o jogador, que cumpre pena em regime semi-aberto no presídio Plácido de Sá Carvalho, em Bangu, zona oeste do Rio.
O martírio do jovem, que aos 19 anos já era tricampeão carioca pelo Vasco, começou na noite em que ia para uma festa com dois amigos. Numa rua do Méier, um carro fechou seu Tempra. “Subi na calçada e atropelei quatro pessoas. Ninguém morreu e socorri todos.” Emprestado ao Curitiba do Paraná, o jogador deixou o caso com os advogados do Vasco. Ele considera que esse foi o seu erro. É que Hernande ganhou passe livre e jogou em times do Equador, da Alemanha, da Eslováquia e da Bolívia e seu caso foi julgado à revelia. Sem defesa, foi condenado a cinco anos de prisão. Assim que voltou da Bolívia, em dezembro de 2000, recebeu a notícia da condenação pela mulher, Wanessa Simões, de 24 anos. “Decidi me entregar na delegacia de Silva Jardim, onde mora toda a família da Wanessa.”
Mesmo longe de presos perigosos, Hernande não teve vida fácil na delegacia em Silva Jardim, no norte fluminense. Dividiu uma cela com nove detentos e só saía uma vez por semana para tomar banho de sol. “Só tinha um buraco pra fazer as necessidades”, conta o jogador, que dormia no chão, só com um cobertor. “Tinha noite que eu me cobria todo e chorava sem parar.”
Dois meses e meio depois, já no presídio em Bangu, o jogador passou a dormir num dos 38 beliches de sua cela. Lá, Hernande teve contato com criminosos como José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, um dos traficantes mais procurados do Rio na década de 80. “Do que eu convivi com ele, posso dizer que era um cara tranqüilo. Tanto o Escadinha como os outros presos me respeitavam. E eu respeitava a todos”, diz. Com o tempo, ele passou a ter vantagens. Disputado pelos colegas no campeonato interno da prisão, marcou 35 gols em 12 jogos. Além disso, trabalhava no gabinete do diretor, Paulo Roberto Rocha. “Foi ele quem avisou a imprensa que eu estava lá. Aí o Botafogo foi me buscar.”
A prisão em regime fechado foi até julho. Com a ida para o Botafogo, Hernande, que já tinha sido beneficiado com a redução da pena para três anos, ganhou direito, no regime semi-aberto, a uma cela individual. Todo dia, uma van do clube vai buscá-lo na porta do presídio, às 6h, e o leva de volta às 21h. “Quando ele cumprir um ano, em dezembro, vamos pedir a condicional”, diz o advogado Jorge Ministro. Enquanto isso, Wanessa se desdobra para não deixar que os filhos, Hernande Filho, 6, e Pamela, 4, fiquem sabendo da prisão do pai. “Digo para eles que o pai tem que se concentrar com o time e não pode dormir em casa. Quando tudo se resolver, vamos contar a verdade.”

sexta-feira, 30 de maio de 2014

DA INEXORABILIDADE DAS REGRAS ALEATÓRIAS

Eis que chegamos, enfim, àquela que provavelmente será a última matéria com algum cineasta a ser publicada neste blog. E o leitor atento, sagaz, inteligente, deve ter percebido que elas, as entrevistas com cineastas, foram publicadas entrelaçadas com reportagens sobre presos, só cineastas e detentos dos mais diferentes tipos, crimes e classes sociais. E por que isso? Ora, porque havia a vontade de publicar essas matérias em algum momento, e por isso foi criada mais essa regra editorial inquestionável, ainda que irracional. E viva o jornalismo realmente independente, inclusive de algum sentido...

A entrevista abaixo foi feita por email, uma bela ferramenta para os tímidos.

Revista Istoé Gente, edição 184, de 10 de fevereiro de 2003

"Cá entre nós, aquele Benigni é um camarada insuportavelmente chato".

Até o ano passado, o cineasta e publicitário Fernando Meirelles, 47 anos, era quase um anônimo para o grande público, apesar das cinco palmas de ouro no Festival do Filme Publicitário de Cannes e dos dois longas-metragens (Menino Maluquinho 2 – A Aventura, de 1996, e Domésticas, de 1999) no currículo. Hoje, depois que Cidade de Deus, seu último filme, levou 3,2 milhões de pessoas ao cinema, batendo o recorde de bilheteria desde a retomada do cinema brasileiro, em 1994, Fernando vive a expectativa de ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro na terça-feira 11, após os elogios da crítica no mundo todo, inclusive do jornal The New York Times.
Arquiteto de formação, só assinou um projeto na vida, o da casa onde mora, em São Paulo. Sócio da produtora O2, ainda tem esperanças de ficar mais tempo com a mulher, a atriz e bailarina Cecília, e os filhos Carolina, 18, e Kiko, 14, mesmo tendo de viajar pelo mundo para divulgar o filme. “Quando posso arrasto eles comigo”, diz ele, que também foi indicado ao Bafta, o prêmio da academia britânica de cinema.

Tem esperanças de que Cidade de Deus seja indicado ao Oscar?
O filme não agrada um público mais velho pela forma como a história é contada, e a maioria dos eleitores da Academia desta categoria está nesta faixa de idade. Em compensação, sinto que nos últimos dias as chances de estar no Oscar aumentaram, porque o filme está fazendo bom público nos Estados Unidos e isso pode contar.

Você está mais otimista?
Três razões alimentam minha esperança. Primeiro, Fale com Ela não concorrerá. Hero, o filme chinês com maiores chances de vencer, só será lançado em setembro e a versão americana nem está pronta. Então, poucas pessoas estão falando a respeito. E Pinocchio, que era um sério concorrente, naufragou. Ficou uma semana em cartaz nos Estados Unidos, foi demolido pela crítica e ignorado pelo público. Cá entre nós, aquele Benigni (o italiano Roberto Benigni, diretor de Pinocchio, que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1998 por A Vida É Bela) é um camarada insuportavelmente chato.


Ficou decepcionado por perder o Globo de Ouro?
Não, porque já achava que Fale com Ela ganharia. Na premiação, o Almodóvar estava na minha mesa e dava uma conferida em seu papel, pronto para os agradecimentos. Mas na hora de anunciarem me deu aquela tensão, porque não havia pensado em nada para dizer numa eventualidade. Comecei a fazer mentalmente uma lista de a quem precisaria agradecer e me deu pânico de esquecer alguém. Confesso que de certa forma foi um alívio não ter que subir ali. O ideal seria ganhar sem ter que aparecer. Mas como diria meu avô: tudo, nunca terás.


Qual é o seu próximo projeto?
O Braulio Mantovani (roteirista) e eu estamos levantando as informações para começar o roteiro de Intolerância 2, que deverei filmar em 2004. É uma comédia dramática sobre globalização. Em abril deveremos começar a viajar para China, Indonésia e Quênia, para conhecer as locações. Se tudo der certo, depois pretendo aceitar uma das propostas que ando recebendo de Hollywood.


Tem recebido muitas propostas?
Elas começaram a vir uma a uma depois da exibição de Cidade de Deus em Cannes, mas nas últimas semanas se intensificaram. Quero ver como é. O cinema brasileiro sempre foi voltado para o próprio umbigo. Quero fazer cinema brasileiro tendo o mercado internacional como público alvo também. Isso combina mais com o planeta no qual vivemos hoje.


Teme ser mais cobrado agora?
É inevitável, mas vou fazer o que me motiva. Quando se usa dinheiro público ainda faz algum sentido alguma cobrança, mas como meu próximo projeto será feito com dinheiro de fora, ninguém tem nada com isso.

A minissérie Cidade dos Homens fez sucesso na Globo. Acha que os temas sociais podem sensibilizar o público da tevê?
Esta foi a grande revelação. Demos uma média de audiência acima do horário. O bom é que ficou demonstrado que os brasileiros querem ver o País por inteiro. Sem nenhum ator conhecido e totalmente rodada em favelas, a série despertou enorme interesse. Algumas fórmulas de sucesso devem começar a ser revistas depois disso.

O presidente Lula disse que Cidade de Deus mudou a visão dele sobre segurança pública. Tinha essa intenção?

Imaginei que pudesse contribuir para debates sobre a questão do tráfico ou da exclusão social no País e de fato o filme gerou reflexões, mas esta afirmação do presidente realmente me surpreendeu. Geralmente programas de segurança dão enfoque a verbas para polícia ou à polêmica sobre o Exército entrar na área ou não. O filme mostra que no fundo é uma guerra contra crianças, que são o grande contingente do tráfico. A solução está mais na inclusão do que na repressão.

Como viu as críticas do rapper MV Bill ao filme, dizendo que a comunidade da Cidade de Deus foi prejudicada por ele?

A provocação do Bill foi genial pois acabou unindo a comunidade e provocando uma reação do poder público. Estou divulgando amplamente a decisão do governo federal de fazer um programa de recuperação profundo na Cidade de Deus. No próximo dia 6, quatro ministérios e algumas secretarias do Rio, assim como a prefeitura, vão anunciar um projeto completo para a Cidade de Deus. Esta foi a melhor notícia que recebi no último ano. O Bill soube agir no momento certo e a comunidade vai se beneficiar.


É verdade que você ajuda os atores do filme?
Montei um escritório no Rio que serve como uma espécie de base para os garotos do filme. Reformamos a casa de um, alugamos casa para outro, arrumamos estágio para um terceiro e assim vai. Na medida do possível vamos tentando ajudá-los a achar um caminho. Fora isso, desde novembro a Katia Lund está procurando uma forma de financiamento para tocar o grupo Nós do Cinema, que agrega 70 atores do filme e tem como objetivo a profissionalização deles na indústria do audiovisual. Minha motivação é mais pessoal do que social. Alguns vieram passar finais de semana em São Paulo com meus filhos e estão próximos. Me apeguei à maioria dos garotos e faço o que faria por qualquer amigo.


Além disso, já fez algum tipo de trabalho na área social?
Meus pais sempre fizeram trabalhos sociais. Esta ocupação acabou virando algo natural. Desde que comecei a trabalhar e me sustentar faço algo do gênero. Já fiz vídeos para adoção de menores da Febem, vídeos para instituições, creches, e a O2 Filmes também faz anualmente muitos comerciais com fins comunitários e sociais, evidentemente sem cobrar. No Brasil, a ação do terceiro setor faz toda a diferença. Admiro estas pessoas que entram de cabeça nestes
projetos, como uma missão.

Como lida com a violência nos grandes centros?
Sou irresponsavelmente desleixado com relação à segurança. Deixo o carro destrancado na rua e por oito anos morei numa casa com uma fechadura, que dava para a rua, quebrada. Por oito anos a casa ficou aberta para quem quisesse entrar. Era prático quando não tinha a chave da porta. Sempre adiava o conserto e foi ficando, até vender a casa. Avisei ao novo proprietário e pronto. Minha mulher é ainda mais relaxada do que eu quanto a isso. Nunca sofremos nenhum tipo de agressão mas sei que estamos sujeitos.

É um pai preocupado? 
Creio que comparado com a média de pais sou mais liberal. Tenho uma filha de 18 anos que sai sozinha desde os 15. Gosto de saber com quem vai voltar, me preocupo, mas deixo ela ser responsável por ela mesma. Não proíbo e nem cobro, apenas dou uns toques. Foi assim que fui criado. Como confio, ela sabe que é responsável por si mesma e se cuida. Meu filho tem 14, é menos independente.

Chegou a temer por sua segurança durante a filmagem de Cidade de Deus nas favelas?
Tivemos alguns momentos um pouco mais tensos, mas nada que me fizesse sair do rumo. Na produção de um filme são tantos os problemas reais que não há tempo para os virtuais.

A equipe do filme teve de fazer acordos com traficantes para filmar?
Sim e não. Estávamos autorizados pelo tráfico, caso contrário não teríamos filmado nos lugares onde filmamos, mas todos os acordos foram feitos com as associações de moradores de cada comunidade onde filmamos.


Alguma crítica feita ao filme o aborreceu?
No início recebi críticas muito duras, sempre ideológicas, e me senti meio patrulhado. Cheguei a ir a um debate com críticos de onde saí muito triste. Depois de quatro anos trabalhando como um idiota, investindo todo meu tempo e meu próprio dinheiro, correndo riscos, ainda ter que me justificar em público me pareceu um pouco injusto. Mas nada como 3 milhões de espectadores para te dar a sensação de que valeu a pena. Alguns críticos não suportam a idéia de viver em 2003. Insistem em viver nos anos 60 ou 70, quando tínhamos uma causa e a ditadura para combater. São caras que ainda falam em filme de mercado em contraposição a filme de autor.

Sofreu preconceito por ser oriundo da publicidade?
Assim que lancei o filme houve algumas críticas neste sentido, mas a argumentação é tão tola que não se sustentou. Além do mais venho da produção independente para tevê e do documentário. Depois disso, passei 10 anos na publicidade, onde aprendi muito, como 80% dos novos cineastas brasileiros, mexicanos e argentinos.

Como se interessou por cinema?
Meu pai fazia pequenas comédias com parentes, amigos e os filhos. Cresci vendo estas produções domésticas e comecei a fazer super-8 com 13 anos. Gostava mais de filmar do que assistir filmes. Somente durante a faculdade de arquitetura comecei a ampliar meu repertório cinematográfico. Mesmo assim, cada vez que converso com o Walter Salles me sinto um analfabeto em cinema. Ele conhece tudo, é impressionante.


terça-feira, 6 de maio de 2014

PSICOPATA, OU NÃO

Era o primeiro frila, a primeira matéria para uma revista, de qualquer espécie, no caso mensal, e no fim das contas um teste para futura contratação. O editor-chefe, que nunca me vira antes, me deu a pauta e disse que era caso de entrevistar o diretor do hospital penitenciário, talvez o psiquiatra, já que com o cara seria muito difícil falar. Mas logo o assessor do governo já atendeu muito bem, marcou a entrevista no hospital, com o diretor, e chegando lá, na sala dele, do diretor, tava lá o cara, quieto, tranquilo, respondendo a tudo bem do jeito dele, quase calado, discreto, calmo, para a matéria aí embaixo.

Revista Incrível, edição 39, de janeiro de 1996
 “Ele é um retardado mental que pode vir a praticar atos psicóticos”.
Ao voltar do trabalho, em Copacabana, para a sua casa, em Itaboraí, Marcelo da Costa Andrade vê um menino vendendo biscoito de polvilho no Centro de Niterói e oferece dinheiro para que o garoto o ajude a colocar velas para São Jorge. Em um terreno baldio próximo à Rodovia Niterói-Manilha (RJ-104), Marcelo tenta seduzir o garoto e, sem sucesso na investida, bate-lhe com pedras na cabeça, asfixia-o e estupra-o depois de morto. Esse foi o primeiro assassinato praticado por Marcelo, que repetiu a história das velas para São Jorge para atrair e matar outros treze garotos, todos de 6 a 13 anos de idade.Entre os crimes do serial killer, alguns merecem destaque pelos requintes de crueldade. Ânderson Gomes Goulart, de 11 anos, teve a cabeça arrebentada e foi estuprado, enquanto o assassino bebia seu sangue. A vítima ainda teve o pescoço quebrado após ser violentada. Na época, Marcelo confessou que bebera o sangue de Ânderson para ficar “jovem e bonito como ele”.
O garoto Odair José Muniz dos Santos, também de 11 anos, teve destino semelhante. Marcelo matou e estuprou o menino em um campo de futebol às escuras, foi para casa e, duas horas depois, voltou ao local do crime, em Itaboraí, e serrou a cabeça de Odair. A forma como foi praticado esse homicídio revela um claro sentimento de vingança do assassino contra seus ex-colegas do Internato Casa dos Meninos, no Engenho de Dentro, Rio, onde ele permaneceu dos 10 aos 14 anos de idade e foi molestado por internos e inspetores. O próprio Marcelo deu claros sinais disso quando afirmou, há quatro anos, que cortou a cabeça de Odair para que “as crianças debochassem dele quando chegasse ao céu”.
Foi uma vítima em potencial do serial killer que contribuiu para sua prisão. Altair, 10, fugiu de Marcelo após ver seu irmão, Ivan, 6, ser violentado sexualmente e morto. Para escapar da morte, Altair aceitou acompanhar o matador durante dois dias, dizendo que ficaria com ele. Nesse período, o garoto foi obrigado a praticar sexo oral com o assassino. Em um descuido de Marcelo, que levara Altair para seu local de trabalho, o garoto conseguiu fugir e voltar para Niterói de carona. Cinco dias após a morte do irmão, Altair levou a polícia ao local de trabalho do assassino, que distribuía panfletos para uma loja de Copacabana, acabando com uma das mais insanas séries de crimes da história do país. Marcelo não resistiu à prisão e, na ocasião, disse apenas que “queria tirar da cabeça essas idéias de transar com garotos”.
Hoje, ele é um tranqüilo paciente do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, no Complexo Penitenciário Frei Caneca, no Rio. Acusado pela morte de 14 meninos entre abril e dezembro de 91, Marcelo Costa de Andrade, 28 anos, não revela qualquer indício que possa denunciá-lo como o homem que matou, estuprou, esquartejou e até bebeu o sangue de algumas de suas vítimas. Aparentemente inofensivo, Marcelo mantém as mesmas características de quatro anos atrás: o jeito silencioso, com respostas telegráficas a todas as perguntas, e a incapacidade de se emocionar. O assassino ainda fala de seus crimes com a mesma frieza e naturalidade da época em que foi detido. E se diz contente com o título brasileiro conquistado pelo Botafogo, time pelo qual torce.
Marcelo foi preso no dia 17 de dezembro de 91, depois que o menino Altair escapou de ser o décimo quinto menor assassinado e o entregou à polícia. Levado para exames no Hospital Heitor Carrilho, o serial killer recebeu o atestado de insanidade mental e, depois de ser inocentado de seus crimes, foi enviado para o Hospital Psiquiátrico Roberto Medeiros, em Bangu, no Rio de Janeiro. Em novembro de 93, ele voltou para o Heitor Carrilho, onde permanece até hoje. De acordo com o diretor do hospital da Frei Caneca, Anaton Albernaz de Oliveira, 47 anos, Marcelo não é um psicopata, como chegou a ser cogitado na época de seus crimes. “Na realidade, o Marcelo não pode ser considerado louco. Ele é um retardado mental que pode vir a praticar atos psicóticos”, explica o médico, recorrendo às sutilezas da psiquiatria, que não param por aí.
O último laudo expedido pelo hospital sobre o paciente revela, entre outros desequilíbrios, “embotamento afetivo” (dificuldade de expor emoções, frieza) e “ideação delirante de cunho místico” (fanatismo religioso). Essa segunda característica está presente em seu comportamento há quatro anos, quando ele afirmou que matara os garotos inspirado em um sermão do pastor Eliezer de Ávila, da Igreja Universal do Reino de Deus, segundo o qual as crianças mortas iriam direto para o céu. Isso (quase) explica o fato de Marcelo ter matado apenas meninos. 
A devoção do assassino pela Igreja Universal, iniciada em 89, é a mesma. Ele ainda costuma ler a Bíblia e freqüenta os cultos realizados no Heitor Carrilho todas as sextas-feiras. Além dessa particularidade, a rotina de Marcelo só difere em uma coisa da dos demais pacientes do Heitor Carrilho: ele é o disck-jockey oficial do hospital. Diariamente, entre nove da manhã e quatro e meia da tarde, se encarrega do repertório tocado no pátio – na verdade apenas a programação de rádios, como a 98 FM e a Jovem Pan, já que não há discos ou fitas cassetes disponíveis.
Em mais de dois anos de permanência no hospital, Marcelo não teve qualquer problema com seus colegas de enfermaria. “Ele é prestativo e ajuda em vários serviços, inclusive o de limpeza”, conta o chefe da zeladoria do Heitor Carrilho, César da Costa, 40 anos. “Convivo com ele desde os seus primeiros exames aqui, em 92, e não tenho qualquer reclamação quanto ao seu comportamento”, garante. A convivência pacífica entre Marcelo e seus colegas não deixa de ser surpreendente. Mesmo considerados menos arriscados que uma penitenciária – onde certamente o serial killer sofreria duras represálias por parte dos detentos –, os hospitais psiquiátricos também costumam ser locais perigosos para criminosos como Marcelo. “O estuprador corre risco até no hospital, mas aqui nunca houve ameaça contra ele”, diz Anaton de Oliveira.
Apesar de o comportamento do assassino ser praticamente o mesmo de quatro anos atrás, o diretor garante que ele já apresentou mudanças desde que foi internado no Complexo da Frei Caneca. “Não existe cura para quem é retardado mental. O nível intelectual de um doente desses não cresce, mas seu comportamento pode melhorar. Quando Marcelo chegou aqui estava em precárias condições de higiene e não largava a Bíblia; agora ele já anda mais arrumado e não lê tanto a Bíblia”, conta o diretor. O psiquiatra responsável pelo paciente, Walmir Lélis de Assunção, 40 anos, também vê algumas melhoras. “No início ele era relutante em falar sobre o que tinha feito, mas, com o tempo, começou a falar. No entanto ele ainda dissimula um pouco e não tem críticas sobre a gravidade dos delitos que cometeu”.
Atualmente, as chances de Marcelo receber alta são mínimas. Os pacientes enquadrados no Artigo 26 do Código Penal (prática de crime provocada por insanidade mental) têm prazo de um a três anos para serem examinados e tratados por cada crime que cometeram. Até agora, o Hospital Heitor Carrilho examinou apenas quatro dos 14 homicídios praticados por Marcelo. Além disso, a presença da família do paciente é fundamental para que ele receba alta, e a mãe de Marcelo, Maria Sônia da Costa, não visita o filho desde junho de 94. “Para sair daqui o paciente tem de ter um lugar para ficar e, sem a família, isso é quase impossível. Em sete anos que administro o hospital, só liberei um paciente sem família”, conta Anaton, admitindo que, hoje, o assassino poderia voltar a praticar seus crimes em série se fosse libertado.
A ausência da mãe também serve para provar o desequilíbrio mental de Marcelo, já que ele garante que ela o visita quinzenalmente, embora não haja registros disso no departamento de assistência social do hospital. Tudo indica que o assassino em série continuará afastado do convívio com a sociedade por um bom tempo, talvez até a morte, como chega a cogitar Anaton de Oliveira. 
Durante a entrevista com a equipe de INCRÍVEL, Marcelo demonstrou preocupação em ser fotografado. “O pessoal pode ver a revista e ameaçar a minha mãe por causa de todas as maldades que eu fiz no passado”, disse, antes de aceitar posar para as fotos, mas só com uma camisa do Botafogo. Além de escutar os jogos de seu time, Marcelo gosta de jogar dominó, totó e pingue-pongue. Cumprindo uma rotina diária, ele acorda por volta das oito horas e vai para o pátio, ligar o rádio, às nove, quando as portas da enfermaria são abertas. Ele costuma passar os dias no pátio até as quatro e meia da tarde, quando os pacientes são novamente recolhidos para as enfermarias. Apesar da vida tranqüila que leva no hospital, sem nunca ter sido molestado pelos colegas, o assassino de 14 meninos não esconde o desejo de viver em liberdade. “Quero sair daqui e voltar pra casa”, sonha.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

O CINEMA E O SOCIAL

A entrevista tinho sido tranquila. Sujeito inteligente, articulado, respondeu tudo sem monossílabos, sem olharzinho de desconfiança, e deu boas declarações, boas histórias, mas nada muito sucinto pra servir de título, disse o editor, bem ali na hora do fechamento. Disse e sugirou a manchete de página, algo que unia cinema e social na mesma frase, e numa frase curta, perfeita para o título de uma linha. O único problema é que o entrevistado tinha até dado a entender numa resposta, mas não tinha dito aquilo, não daquele jeito, e o editor ficou tão apaixonado pela frase, gostou tanto daquilo, insistiu tanto, que o jeito foi pegar o telefone e ligar pro cara, num tempo ainda não dominado pela horda de assessores de imprensa, de relações só um pouquinho mais diretas. Situação explicada, com os devidos pedidos de desculpas pelo aborrecimento, o sujeito aceitou na boa ter dito aquilo, ainda que não tenha dito. Tudo bem, pode colocar isso, disse, tranquilo, sem problemas, e a matéria é essa aí embaixo, e do título dela eu nem me lembro mais, até porque publicaram outro completamente diferente do que me mandaram combinar com o cara, e um que já estava no texto original, na boca dele.

Revista Istoé Gente, edição número 203, de 23 de junho de 2003

"Vi uma cena de Quem Vai Ficar com Mary? em que um cara se masturba e a Cameron Diaz, sem saber de nada, chega depois e passa o negócio no cabelo achando que era um gel, e isso era uma piada. Imagina se um brasileiro faz uma cena assim, com uma grande atriz como é a Cameron Diaz. O cara ia levar uma surra na rua".

A expectativa por um longa-metragem de Jorge Furtado, 44 anos, vem desde 1989, quando o cineasta gaúcho surpreendeu ao inovar a linguagem do curta com Ilha das Flores, mostrando como pessoas disputavam no lixo o tomate podre rejeitado por porcos. No mesmo ano, Furtado foi para a televisão. Enquanto fundava com outros cineastas gaúchos a Casa de Cinema de Porto Alegre e continuava a dirigir seus curtas, trabalhou na Globo em programas como as Comédias da Vida Privada e Brava Gente, entre outros. A espera pelo longa chegou ao fim esse ano, e em dose dupla. Além da comédia adolescente Houve uma Vez Dois Verões, lançada no último verão, acaba de estrear O Homem Que Copiava, que mal chegou às telas e já virou sucesso de crítica.

Por que demorou tanto para filmar um longa-metragem?
Um pouco pela dificuldade de se conseguir grana naquele período, mas foi exatamente a partir do Ilha das Flores que fui chamado para a televisão, e não sou aquele tipo que diz ‘sou cineasta, mas vou fazer televisão já que não consigo filmar’. Gosto de tevê e tive a sorte de trabalhar sempre com coisas bacanas, quase que exclusivamente com o Guel (Arraes, diretor de núcleo da Globo). Entrei para fazer o Dóris Para Maiores e o Programa Legal num grupo que tinha o pessoal do Casseta & Planeta, João Falcão, Pedro Cardoso, Cláudio Paiva, Luis Fernando Verissimo e uma turma que sempre acreditou ser possível fazer algo de qualidade e com audiência. Na tevê não adianta fazer um negócio maravilhoso mas que ninguém vai ver.
Pode haver mais espaço para programas de qualidade na tevê?
Acho que é uma luta constante de conquistar os espaços. O João Falcão fez O Homem Objeto no Fantástico; tem o Torero (o escritor José Roberto Torero) e o Maurício Arruda com o “Dias de Glória” também no Fantástico; tem A Grande Família. Basta ter projetos interessantes para alimentar a necessidade de público com qualidade. O Homem Que Copiava tem essa idéia.
Como assim?
O filme tem um monte de referências. Tem muitos níveis de leitura possíveis, mas quem não perceber nada disso se diverte também, porque tem uma aventura, um monte de piada. Quem tem referência, já leu, viu filmes, curte de um jeito. Quem só vê tevê e nunca leu um livro curte de outro, e pode, a partir do filme, buscar referências para se divertir com as citações. Educação sentimental, essa é a tendência.
E a polêmica levantada por Cacá Diegues sobre as leis de incentivo para o cinema?
Acho que o Cacá teve toda razão, assim como o Hector Babenco e o Zelito Vianna, que chiaram também. Eram critérios inaceitáveis, que interferiam diretamente no conteúdo das obras e propunham coisas absurdas, como valorização da imagem do Brasil no Exterior. Isso é papo para Embratur, não para cinema. E a tal contrapartida social é muitíssimo discutível. Qual a contrapartida social de um filme como Carandiru? É o filme, essa é a contrapartida. Então havia várias coisas ridículas ali, eles fizeram bem em chiar e o governo fez bem em agir rápido e retirar aquilo.

Tem alguma sugestão para a política de incentivo?
Um critério que tem de ser mantido é o do currículo. O Carandiru feito pelo Babenco é um filme, feito pelo Zé das Couves é outro. Alguns dos problemas do cinema brasileiro foram de empresas e pessoas que não agiram de má fé, imagino, mas que não tinham capacidade para fazer projetos muito grandes. Não tinham feito um curta e partiram para um projeto gigantesco.
Está falando de Guilherme Fontes (o ator captou R$ 8,5 milhões para filmar Chatô e, em 1999, interrompeu as filmagens por ter estourado o orçamento)?
Tu é que tá dizendo. Mas, enfim, isso não pode acontecer. Mesmo não sendo desonesto, incompetência com dinheiro público é um problema. Essa questão do currículo cria um problema, que é: só quem já fez vai fazer. Teria de ter cotas para estreantes, pelo menos dois projetos para primeiro filme, de baixo orçamento. É uma discussão e não pode paralisar a produção para isso. Tem de pensar e fazer ao mesmo tempo.

Acha o Oscar importante para o cinema nacional?
O Oscar é um programa de televisão para promover o cinema americano no mundo. Até para ter mais público no mundo inteiro, eles incluíram os filmes estrangeiros. Funciona como uma grande vitrine, e é ótimo que o cinema brasileiro entre lá, enfiando o pé na porta se possível. Mas acho que a qualidade dos filmes não depende disso. Claro que um filme indicado recebe mais promoção, mas a imprensa brasileira valoriza demais o Oscar. Eu não vejo o Oscar e nem os filmes que ganham, não passo nem perto.
Não gosta do cinema americano?
Acho ele quase 90% indigente em termos mentais. É filme para criança pequena ou para adolescente americano. Claro que os 10% que eles produzem de qualidade, que são 50 filmes por ano, são bons. Tem Woody Allen, Martin Scorsese, Spike Lee, muita gente boa, mas a massa dos filmes que lotam os shoppings, pelo amor de Deus. Vi uma cena de Quem Vai Ficar com Mary? em que um cara se masturba e a Cameron Diaz, sem saber de nada, chega depois e passa o negócio no cabelo achando que era um gel, e isso era uma piada. Imagina se um brasileiro faz uma cena assim, com uma grande atriz como é a Cameron Diaz. O cara ia levar uma surra na rua.
Cidade de Deus foi um sucesso de público e crítica e mesmo assim foi criticado no Brasil. Acha que a crítica aqui é mais severa?
Achei Cidade de Deus bárbaro e defendi o filme no primeiro minuto, não que ele precisasse de defesa. A crítica maior é que o filme mostrava a marginalidade, todo mundo ia ao cinema, via a violência e depois saía para comer uma pizza. Imagino que possa acontecer isso com algumas pessoas, mas pode acontecer da pessoa, através do filme, repensar muita coisa.

Um filme pode ajudar a melhorar alguma coisa?
Estive com o Lula mostrando O Homem Que Copiava em Brasília e ele contou que vai formar núcleos de cultura, e vai começar pela Cidade de Deus. Claro que é por causa do filme. Como imagino que Ilha das Flores não tenha mudado inteiramente a vida das pessoas que moram lá, mas mudou de algumas. Um menino de 7 anos que aparecia no filme catando tomate no lixo foi adotado por uma dinamarquesa, que viu o filme na Alemanha e se emocionou. A função de um filme não é resolver os problemas nem da Ilha das Flores, nem da Cidade de Deus, mas isso também pode acontecer.

Como começou com o cinema?
Estudava medicina e larguei depois de quatro anos. Teve um movimento de Super 8 no começo dos anos 80 em Porto Alegre e passei a querer fazer cinema quando vi um filme chave dessa época, Deu pra Ti nos 70, um longa em Super 8 que falava da minha geração. Fui fazer jornalismo, que era o mais próximo que tinha de cinema. Acabei na TV Educativa, que na época era em preto e branco. Fazia de tudo, roteiro, apresentava e até câmera, aprendi meio que no muque. Na tevê formamos um grupo e fizemos um curta em 1984, Temporal, baseado num conto do Verissimo. Dali surgiu o grupo que criou a Casa de Cinema.