sexta-feira, 30 de maio de 2014

DA INEXORABILIDADE DAS REGRAS ALEATÓRIAS

Eis que chegamos, enfim, àquela que provavelmente será a última matéria com algum cineasta a ser publicada neste blog. E o leitor atento, sagaz, inteligente, deve ter percebido que elas, as entrevistas com cineastas, foram publicadas entrelaçadas com reportagens sobre presos, só cineastas e detentos dos mais diferentes tipos, crimes e classes sociais. E por que isso? Ora, porque havia a vontade de publicar essas matérias em algum momento, e por isso foi criada mais essa regra editorial inquestionável, ainda que irracional. E viva o jornalismo realmente independente, inclusive de algum sentido...

A entrevista abaixo foi feita por email, uma bela ferramenta para os tímidos.

Revista Istoé Gente, edição 184, de 10 de fevereiro de 2003

"Cá entre nós, aquele Benigni é um camarada insuportavelmente chato".

Até o ano passado, o cineasta e publicitário Fernando Meirelles, 47 anos, era quase um anônimo para o grande público, apesar das cinco palmas de ouro no Festival do Filme Publicitário de Cannes e dos dois longas-metragens (Menino Maluquinho 2 – A Aventura, de 1996, e Domésticas, de 1999) no currículo. Hoje, depois que Cidade de Deus, seu último filme, levou 3,2 milhões de pessoas ao cinema, batendo o recorde de bilheteria desde a retomada do cinema brasileiro, em 1994, Fernando vive a expectativa de ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro na terça-feira 11, após os elogios da crítica no mundo todo, inclusive do jornal The New York Times.
Arquiteto de formação, só assinou um projeto na vida, o da casa onde mora, em São Paulo. Sócio da produtora O2, ainda tem esperanças de ficar mais tempo com a mulher, a atriz e bailarina Cecília, e os filhos Carolina, 18, e Kiko, 14, mesmo tendo de viajar pelo mundo para divulgar o filme. “Quando posso arrasto eles comigo”, diz ele, que também foi indicado ao Bafta, o prêmio da academia britânica de cinema.

Tem esperanças de que Cidade de Deus seja indicado ao Oscar?
O filme não agrada um público mais velho pela forma como a história é contada, e a maioria dos eleitores da Academia desta categoria está nesta faixa de idade. Em compensação, sinto que nos últimos dias as chances de estar no Oscar aumentaram, porque o filme está fazendo bom público nos Estados Unidos e isso pode contar.

Você está mais otimista?
Três razões alimentam minha esperança. Primeiro, Fale com Ela não concorrerá. Hero, o filme chinês com maiores chances de vencer, só será lançado em setembro e a versão americana nem está pronta. Então, poucas pessoas estão falando a respeito. E Pinocchio, que era um sério concorrente, naufragou. Ficou uma semana em cartaz nos Estados Unidos, foi demolido pela crítica e ignorado pelo público. Cá entre nós, aquele Benigni (o italiano Roberto Benigni, diretor de Pinocchio, que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1998 por A Vida É Bela) é um camarada insuportavelmente chato.


Ficou decepcionado por perder o Globo de Ouro?
Não, porque já achava que Fale com Ela ganharia. Na premiação, o Almodóvar estava na minha mesa e dava uma conferida em seu papel, pronto para os agradecimentos. Mas na hora de anunciarem me deu aquela tensão, porque não havia pensado em nada para dizer numa eventualidade. Comecei a fazer mentalmente uma lista de a quem precisaria agradecer e me deu pânico de esquecer alguém. Confesso que de certa forma foi um alívio não ter que subir ali. O ideal seria ganhar sem ter que aparecer. Mas como diria meu avô: tudo, nunca terás.


Qual é o seu próximo projeto?
O Braulio Mantovani (roteirista) e eu estamos levantando as informações para começar o roteiro de Intolerância 2, que deverei filmar em 2004. É uma comédia dramática sobre globalização. Em abril deveremos começar a viajar para China, Indonésia e Quênia, para conhecer as locações. Se tudo der certo, depois pretendo aceitar uma das propostas que ando recebendo de Hollywood.


Tem recebido muitas propostas?
Elas começaram a vir uma a uma depois da exibição de Cidade de Deus em Cannes, mas nas últimas semanas se intensificaram. Quero ver como é. O cinema brasileiro sempre foi voltado para o próprio umbigo. Quero fazer cinema brasileiro tendo o mercado internacional como público alvo também. Isso combina mais com o planeta no qual vivemos hoje.


Teme ser mais cobrado agora?
É inevitável, mas vou fazer o que me motiva. Quando se usa dinheiro público ainda faz algum sentido alguma cobrança, mas como meu próximo projeto será feito com dinheiro de fora, ninguém tem nada com isso.

A minissérie Cidade dos Homens fez sucesso na Globo. Acha que os temas sociais podem sensibilizar o público da tevê?
Esta foi a grande revelação. Demos uma média de audiência acima do horário. O bom é que ficou demonstrado que os brasileiros querem ver o País por inteiro. Sem nenhum ator conhecido e totalmente rodada em favelas, a série despertou enorme interesse. Algumas fórmulas de sucesso devem começar a ser revistas depois disso.

O presidente Lula disse que Cidade de Deus mudou a visão dele sobre segurança pública. Tinha essa intenção?

Imaginei que pudesse contribuir para debates sobre a questão do tráfico ou da exclusão social no País e de fato o filme gerou reflexões, mas esta afirmação do presidente realmente me surpreendeu. Geralmente programas de segurança dão enfoque a verbas para polícia ou à polêmica sobre o Exército entrar na área ou não. O filme mostra que no fundo é uma guerra contra crianças, que são o grande contingente do tráfico. A solução está mais na inclusão do que na repressão.

Como viu as críticas do rapper MV Bill ao filme, dizendo que a comunidade da Cidade de Deus foi prejudicada por ele?

A provocação do Bill foi genial pois acabou unindo a comunidade e provocando uma reação do poder público. Estou divulgando amplamente a decisão do governo federal de fazer um programa de recuperação profundo na Cidade de Deus. No próximo dia 6, quatro ministérios e algumas secretarias do Rio, assim como a prefeitura, vão anunciar um projeto completo para a Cidade de Deus. Esta foi a melhor notícia que recebi no último ano. O Bill soube agir no momento certo e a comunidade vai se beneficiar.


É verdade que você ajuda os atores do filme?
Montei um escritório no Rio que serve como uma espécie de base para os garotos do filme. Reformamos a casa de um, alugamos casa para outro, arrumamos estágio para um terceiro e assim vai. Na medida do possível vamos tentando ajudá-los a achar um caminho. Fora isso, desde novembro a Katia Lund está procurando uma forma de financiamento para tocar o grupo Nós do Cinema, que agrega 70 atores do filme e tem como objetivo a profissionalização deles na indústria do audiovisual. Minha motivação é mais pessoal do que social. Alguns vieram passar finais de semana em São Paulo com meus filhos e estão próximos. Me apeguei à maioria dos garotos e faço o que faria por qualquer amigo.


Além disso, já fez algum tipo de trabalho na área social?
Meus pais sempre fizeram trabalhos sociais. Esta ocupação acabou virando algo natural. Desde que comecei a trabalhar e me sustentar faço algo do gênero. Já fiz vídeos para adoção de menores da Febem, vídeos para instituições, creches, e a O2 Filmes também faz anualmente muitos comerciais com fins comunitários e sociais, evidentemente sem cobrar. No Brasil, a ação do terceiro setor faz toda a diferença. Admiro estas pessoas que entram de cabeça nestes
projetos, como uma missão.

Como lida com a violência nos grandes centros?
Sou irresponsavelmente desleixado com relação à segurança. Deixo o carro destrancado na rua e por oito anos morei numa casa com uma fechadura, que dava para a rua, quebrada. Por oito anos a casa ficou aberta para quem quisesse entrar. Era prático quando não tinha a chave da porta. Sempre adiava o conserto e foi ficando, até vender a casa. Avisei ao novo proprietário e pronto. Minha mulher é ainda mais relaxada do que eu quanto a isso. Nunca sofremos nenhum tipo de agressão mas sei que estamos sujeitos.

É um pai preocupado? 
Creio que comparado com a média de pais sou mais liberal. Tenho uma filha de 18 anos que sai sozinha desde os 15. Gosto de saber com quem vai voltar, me preocupo, mas deixo ela ser responsável por ela mesma. Não proíbo e nem cobro, apenas dou uns toques. Foi assim que fui criado. Como confio, ela sabe que é responsável por si mesma e se cuida. Meu filho tem 14, é menos independente.

Chegou a temer por sua segurança durante a filmagem de Cidade de Deus nas favelas?
Tivemos alguns momentos um pouco mais tensos, mas nada que me fizesse sair do rumo. Na produção de um filme são tantos os problemas reais que não há tempo para os virtuais.

A equipe do filme teve de fazer acordos com traficantes para filmar?
Sim e não. Estávamos autorizados pelo tráfico, caso contrário não teríamos filmado nos lugares onde filmamos, mas todos os acordos foram feitos com as associações de moradores de cada comunidade onde filmamos.


Alguma crítica feita ao filme o aborreceu?
No início recebi críticas muito duras, sempre ideológicas, e me senti meio patrulhado. Cheguei a ir a um debate com críticos de onde saí muito triste. Depois de quatro anos trabalhando como um idiota, investindo todo meu tempo e meu próprio dinheiro, correndo riscos, ainda ter que me justificar em público me pareceu um pouco injusto. Mas nada como 3 milhões de espectadores para te dar a sensação de que valeu a pena. Alguns críticos não suportam a idéia de viver em 2003. Insistem em viver nos anos 60 ou 70, quando tínhamos uma causa e a ditadura para combater. São caras que ainda falam em filme de mercado em contraposição a filme de autor.

Sofreu preconceito por ser oriundo da publicidade?
Assim que lancei o filme houve algumas críticas neste sentido, mas a argumentação é tão tola que não se sustentou. Além do mais venho da produção independente para tevê e do documentário. Depois disso, passei 10 anos na publicidade, onde aprendi muito, como 80% dos novos cineastas brasileiros, mexicanos e argentinos.

Como se interessou por cinema?
Meu pai fazia pequenas comédias com parentes, amigos e os filhos. Cresci vendo estas produções domésticas e comecei a fazer super-8 com 13 anos. Gostava mais de filmar do que assistir filmes. Somente durante a faculdade de arquitetura comecei a ampliar meu repertório cinematográfico. Mesmo assim, cada vez que converso com o Walter Salles me sinto um analfabeto em cinema. Ele conhece tudo, é impressionante.


terça-feira, 6 de maio de 2014

PSICOPATA, OU NÃO

Era o primeiro frila, a primeira matéria para uma revista, de qualquer espécie, no caso mensal, e no fim das contas um teste para futura contratação. O editor-chefe, que nunca me vira antes, me deu a pauta e disse que era caso de entrevistar o diretor do hospital penitenciário, talvez o psiquiatra, já que com o cara seria muito difícil falar. Mas logo o assessor do governo já atendeu muito bem, marcou a entrevista no hospital, com o diretor, e chegando lá, na sala dele, do diretor, tava lá o cara, quieto, tranquilo, respondendo a tudo bem do jeito dele, quase calado, discreto, calmo, para a matéria aí embaixo.

Revista Incrível, edição 39, de janeiro de 1996
 “Ele é um retardado mental que pode vir a praticar atos psicóticos”.
Ao voltar do trabalho, em Copacabana, para a sua casa, em Itaboraí, Marcelo da Costa Andrade vê um menino vendendo biscoito de polvilho no Centro de Niterói e oferece dinheiro para que o garoto o ajude a colocar velas para São Jorge. Em um terreno baldio próximo à Rodovia Niterói-Manilha (RJ-104), Marcelo tenta seduzir o garoto e, sem sucesso na investida, bate-lhe com pedras na cabeça, asfixia-o e estupra-o depois de morto. Esse foi o primeiro assassinato praticado por Marcelo, que repetiu a história das velas para São Jorge para atrair e matar outros treze garotos, todos de 6 a 13 anos de idade.Entre os crimes do serial killer, alguns merecem destaque pelos requintes de crueldade. Ânderson Gomes Goulart, de 11 anos, teve a cabeça arrebentada e foi estuprado, enquanto o assassino bebia seu sangue. A vítima ainda teve o pescoço quebrado após ser violentada. Na época, Marcelo confessou que bebera o sangue de Ânderson para ficar “jovem e bonito como ele”.
O garoto Odair José Muniz dos Santos, também de 11 anos, teve destino semelhante. Marcelo matou e estuprou o menino em um campo de futebol às escuras, foi para casa e, duas horas depois, voltou ao local do crime, em Itaboraí, e serrou a cabeça de Odair. A forma como foi praticado esse homicídio revela um claro sentimento de vingança do assassino contra seus ex-colegas do Internato Casa dos Meninos, no Engenho de Dentro, Rio, onde ele permaneceu dos 10 aos 14 anos de idade e foi molestado por internos e inspetores. O próprio Marcelo deu claros sinais disso quando afirmou, há quatro anos, que cortou a cabeça de Odair para que “as crianças debochassem dele quando chegasse ao céu”.
Foi uma vítima em potencial do serial killer que contribuiu para sua prisão. Altair, 10, fugiu de Marcelo após ver seu irmão, Ivan, 6, ser violentado sexualmente e morto. Para escapar da morte, Altair aceitou acompanhar o matador durante dois dias, dizendo que ficaria com ele. Nesse período, o garoto foi obrigado a praticar sexo oral com o assassino. Em um descuido de Marcelo, que levara Altair para seu local de trabalho, o garoto conseguiu fugir e voltar para Niterói de carona. Cinco dias após a morte do irmão, Altair levou a polícia ao local de trabalho do assassino, que distribuía panfletos para uma loja de Copacabana, acabando com uma das mais insanas séries de crimes da história do país. Marcelo não resistiu à prisão e, na ocasião, disse apenas que “queria tirar da cabeça essas idéias de transar com garotos”.
Hoje, ele é um tranqüilo paciente do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, no Complexo Penitenciário Frei Caneca, no Rio. Acusado pela morte de 14 meninos entre abril e dezembro de 91, Marcelo Costa de Andrade, 28 anos, não revela qualquer indício que possa denunciá-lo como o homem que matou, estuprou, esquartejou e até bebeu o sangue de algumas de suas vítimas. Aparentemente inofensivo, Marcelo mantém as mesmas características de quatro anos atrás: o jeito silencioso, com respostas telegráficas a todas as perguntas, e a incapacidade de se emocionar. O assassino ainda fala de seus crimes com a mesma frieza e naturalidade da época em que foi detido. E se diz contente com o título brasileiro conquistado pelo Botafogo, time pelo qual torce.
Marcelo foi preso no dia 17 de dezembro de 91, depois que o menino Altair escapou de ser o décimo quinto menor assassinado e o entregou à polícia. Levado para exames no Hospital Heitor Carrilho, o serial killer recebeu o atestado de insanidade mental e, depois de ser inocentado de seus crimes, foi enviado para o Hospital Psiquiátrico Roberto Medeiros, em Bangu, no Rio de Janeiro. Em novembro de 93, ele voltou para o Heitor Carrilho, onde permanece até hoje. De acordo com o diretor do hospital da Frei Caneca, Anaton Albernaz de Oliveira, 47 anos, Marcelo não é um psicopata, como chegou a ser cogitado na época de seus crimes. “Na realidade, o Marcelo não pode ser considerado louco. Ele é um retardado mental que pode vir a praticar atos psicóticos”, explica o médico, recorrendo às sutilezas da psiquiatria, que não param por aí.
O último laudo expedido pelo hospital sobre o paciente revela, entre outros desequilíbrios, “embotamento afetivo” (dificuldade de expor emoções, frieza) e “ideação delirante de cunho místico” (fanatismo religioso). Essa segunda característica está presente em seu comportamento há quatro anos, quando ele afirmou que matara os garotos inspirado em um sermão do pastor Eliezer de Ávila, da Igreja Universal do Reino de Deus, segundo o qual as crianças mortas iriam direto para o céu. Isso (quase) explica o fato de Marcelo ter matado apenas meninos. 
A devoção do assassino pela Igreja Universal, iniciada em 89, é a mesma. Ele ainda costuma ler a Bíblia e freqüenta os cultos realizados no Heitor Carrilho todas as sextas-feiras. Além dessa particularidade, a rotina de Marcelo só difere em uma coisa da dos demais pacientes do Heitor Carrilho: ele é o disck-jockey oficial do hospital. Diariamente, entre nove da manhã e quatro e meia da tarde, se encarrega do repertório tocado no pátio – na verdade apenas a programação de rádios, como a 98 FM e a Jovem Pan, já que não há discos ou fitas cassetes disponíveis.
Em mais de dois anos de permanência no hospital, Marcelo não teve qualquer problema com seus colegas de enfermaria. “Ele é prestativo e ajuda em vários serviços, inclusive o de limpeza”, conta o chefe da zeladoria do Heitor Carrilho, César da Costa, 40 anos. “Convivo com ele desde os seus primeiros exames aqui, em 92, e não tenho qualquer reclamação quanto ao seu comportamento”, garante. A convivência pacífica entre Marcelo e seus colegas não deixa de ser surpreendente. Mesmo considerados menos arriscados que uma penitenciária – onde certamente o serial killer sofreria duras represálias por parte dos detentos –, os hospitais psiquiátricos também costumam ser locais perigosos para criminosos como Marcelo. “O estuprador corre risco até no hospital, mas aqui nunca houve ameaça contra ele”, diz Anaton de Oliveira.
Apesar de o comportamento do assassino ser praticamente o mesmo de quatro anos atrás, o diretor garante que ele já apresentou mudanças desde que foi internado no Complexo da Frei Caneca. “Não existe cura para quem é retardado mental. O nível intelectual de um doente desses não cresce, mas seu comportamento pode melhorar. Quando Marcelo chegou aqui estava em precárias condições de higiene e não largava a Bíblia; agora ele já anda mais arrumado e não lê tanto a Bíblia”, conta o diretor. O psiquiatra responsável pelo paciente, Walmir Lélis de Assunção, 40 anos, também vê algumas melhoras. “No início ele era relutante em falar sobre o que tinha feito, mas, com o tempo, começou a falar. No entanto ele ainda dissimula um pouco e não tem críticas sobre a gravidade dos delitos que cometeu”.
Atualmente, as chances de Marcelo receber alta são mínimas. Os pacientes enquadrados no Artigo 26 do Código Penal (prática de crime provocada por insanidade mental) têm prazo de um a três anos para serem examinados e tratados por cada crime que cometeram. Até agora, o Hospital Heitor Carrilho examinou apenas quatro dos 14 homicídios praticados por Marcelo. Além disso, a presença da família do paciente é fundamental para que ele receba alta, e a mãe de Marcelo, Maria Sônia da Costa, não visita o filho desde junho de 94. “Para sair daqui o paciente tem de ter um lugar para ficar e, sem a família, isso é quase impossível. Em sete anos que administro o hospital, só liberei um paciente sem família”, conta Anaton, admitindo que, hoje, o assassino poderia voltar a praticar seus crimes em série se fosse libertado.
A ausência da mãe também serve para provar o desequilíbrio mental de Marcelo, já que ele garante que ela o visita quinzenalmente, embora não haja registros disso no departamento de assistência social do hospital. Tudo indica que o assassino em série continuará afastado do convívio com a sociedade por um bom tempo, talvez até a morte, como chega a cogitar Anaton de Oliveira. 
Durante a entrevista com a equipe de INCRÍVEL, Marcelo demonstrou preocupação em ser fotografado. “O pessoal pode ver a revista e ameaçar a minha mãe por causa de todas as maldades que eu fiz no passado”, disse, antes de aceitar posar para as fotos, mas só com uma camisa do Botafogo. Além de escutar os jogos de seu time, Marcelo gosta de jogar dominó, totó e pingue-pongue. Cumprindo uma rotina diária, ele acorda por volta das oito horas e vai para o pátio, ligar o rádio, às nove, quando as portas da enfermaria são abertas. Ele costuma passar os dias no pátio até as quatro e meia da tarde, quando os pacientes são novamente recolhidos para as enfermarias. Apesar da vida tranqüila que leva no hospital, sem nunca ter sido molestado pelos colegas, o assassino de 14 meninos não esconde o desejo de viver em liberdade. “Quero sair daqui e voltar pra casa”, sonha.