segunda-feira, 27 de outubro de 2014

MAIS QUATRO ANOS

Com 51,64% dos votos válidos, contra 48,36% de Aécio Neves, do PSDB, a presidenta Dilma Rousseff foi reeleita ontem para mais quatro anos de mandato. Que venham.

A matéria abaixo é daquelas não assinadas, mais editada que escrita, com o auxílio da reportagem da Agência Reuters

Jornal do Commercio, edição de segunda-feira, 27 de outubro de 2014

"Nas democracias maduras, união não significa necessariamente unidade de ideias nem ação monolítica conjunta. Pressupõe, em primeiro lugar, abertura e disposição para o diálogo".

A presidente Dilma Rousseff (PT) afirmou em seu pronunciamento logo após ser reeleita ontem que seu primeiro compromisso do segundo mandato será o do diálogo em busca da união. Falando a aliados e militantes, Dilma disse que união não significa necessariamente unidade de ideias, mas ressaltou que, algumas vezes, resultados apertados produzem mudanças mais fortes e mais rápidas do que vitórias muito amplas. "Minhas primeiras palavras são de chamamento de base e união. Nas democracias maduras, união não significa necessariamente unidade de ideias nem ação monolítica conjunta. Pressupõe, em primeiro lugar, abertura e disposição para o diálogo. É esse meu primeiro compromisso do segundo mandato: diálogo".
Em seu discurso, a presidente reeleita disse ainda que a reforma política é a primeira e a mais importante de seu segundo mandato. "Meu compromisso, como ficou claro durante toda a campanha, é deflagrar esta reforma que é responsabilidade constitucional do Congresso e que deve mobilizar a sociedade por meio de uma consulta popular", disse Dilma, em um hotel de Brasília. "Como instrumento desta consulta, o plebiscito, nós vamos encontrar a força e a legitimidade para levarmos à frente a reforma política", acrescentou.
Dilma disse saber que foi reconduzida à Presidência para realizar mudanças que a sociedade brasileira exige, e que tem um compromisso com a refoma política. Sobre economia, afimou que promoverá ações localizadas, em especial para retomada do crescimento, garantia do elevado nível de emprego e valorização dos salários. "Vamos dar mais impulso à atividade econômica em todos os setores, em especial no setor industrial", disse ela. "Quero a parceria de todos os segmentos, áreas produtivas e financeiras, nessa tarefa que é responsabilidade de cada um de nós brasileiros e brasileiras".
A presidente afirmou também que seguirá "combatendo com rigor a inflação e avançando no terreno da responsabilidade fiscal". Em outra frente, Dilma disse que terá o "compromisso rigoroso" de combater a corrupção, com proposição de mudanças na legislação atual para acabar com a impunidade.
Vencida a batalha das urnas, a presidente precisa agora reunificar a base aliada no Congresso para a aprovação de propostas. Na corrida à reeleição, ela perdeu apoio de partidos que integravam sua base de sustentação, como o PSB de Eduardo Campos, morto em acidente aéreo, e o PTB, que apoiou o adversário, Aécio Neves (PSDB), o PSC e o PRTB, que lançaram candidatura própria no primeiro turno e depois se aliaram a Aécio.
A presidente também vai ter de trabalhar para reunir a própria base. A expectativa é que ela tenha hoje 304 deputados e 40 senadores. Apesar de grande, a base está rachada. Dentro do próprio PMDB, partido do vice-presidente eleito Michel Temer, Dilma tem a rejeição de 30% da bancada. Ela também terá de volta no Congresso o senador Eunício Oliveira (PMDB), derrotado na disputa ao governo do Ceará, que apareceu em santinhos ao lado do tucano Aécio Neves. Po outro lado, Dilma contará com o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB), que perdeu ontem o governo do Amazonas para José Melo (Pros).
A vitória acirrada nas urnas também contará negativamente para a presidente Dilma no Congresso. Especialistas analisam o placar como mostra de um governo enfraquecido. Se Dilma venceu com 51% dos votos válidos, a oposição se mostrou fortalecida com 48%. É um alto índice de eleitores que apostaram numa possível mudança nas urnas. E essa oposição poderá usar o discurso da mudança para atacar a presidente nos próximos quatro anos. Além disso, os adversários derrotados Aécio Neves e o vice Aloysio Nunes (PSDB) voltam ao Senado para mais um mandato de quatro anos ao lado dos tucanos José Serra (SP), Antônio Anastasia (MG), Cássio Cunha Lima (PB), Lúcia Vânia (GO), Paulo Bauer (SC) e Ruben Figueiró (MS).
A oposição no Congresso ainda encontrará na CPI da Petrobras munição para tentar desconstruir o governo. Já está agendado para quarta-feira o depoimento do doleiro Alberto Youssef no Senado. Os parlamentares ainda podem ter nas mãos as delações premiadas do ex-diretor de Refino e Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa e do doleiro ao Ministério Público Federal (MPF), que foram sendo divulgadas a conta gotas ao longo da campanha eleitoral, mesmo que sem provas, na medida em que depoimentos dos dois nas delações foram sendo vazados. "A Dilma vai ter que aprender a lidar com o Congresso", disse um interlocutor do Planalto.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

VOLTAS DA VIDA

Ele apareceu primeiro ainda estudante, liderando passeatas de cima de carros de som com milhares e milhares de pessoas abaixo dele pedindo a deposição de um presidente, aliás, justíssima deposição. Tinha a cara pintada e era radical, tão radical de esquerda que se filiou ao PC do B, o que na época fazia algum sentido. Dois anos depois de despontar para a fama, foi eleito deputado federal, mas continuou radical, tão radical de esquerda que acabou no PSTU. Nas eleições seguintes, obteve votos suficentes para se eleger tanto para a Câmara dos Deputados quanto para vereador, isso se não estivesse no PSTU. Sem coeficiente eleitoral, acabou derrotado mesmo ficando entre os campeões de votos nos pleitos. Então, em dado momento, cansou. Mudou de estratégia e filiou-se ao PT. Mudou-se para uma cidade onde jamais tinha morado e, pouco tempo depois, foi eleito prefeito dela, derrotando um cacique local com apoio da família Garotinho, que governava o estado. Quatro anos depois, foi reeleito prefeito, fato raro na região, e em mais dois anos ganhava a cadeira de senador, com milhões de votos em todo o estado. O próximo passo, natural, era virar governador. Pois ontem, na eleição pra governador, ele ficou em quarto lugar com cerca de setecentos mil votos, um pouquinho só à frente do candidato mais radical de esquerda, do PSol, que também teve cerca de setecentos mil votos.

A matéria abaixo foi no momento da virada, quando ele virou prefeito e não parou mais de ganhar eleição, até ontem. A foto aí de cima é do Leandro Pimentel.

Revista Istoé Gente, edição 280, de 20 de dezembro de 2004

“Fui falando, mas o senador ficava sorrindo e dizendo ‘muito bem, muito bem’”.

A poesia O Jovem e a Paz Caminham Juntos, escrita por Lindberg Farias aos 14 anos, era inspirada nas primeiras leituras do adolescente. Um dos versos mencionava “pombas brancas sobre o Kremlin e a Casa Branca” e o último afirmava que se Karl Marx fosse vivo diria: “Jovens de todo mundo, uni-vos”. “É das coisas mais ridículas da minha vida”, reconhece, entre risos, o prefeito eleito de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Aos 34 anos, o deputado federal do PT se aliou a partidos como o PFL e o PP para vencer Mário Marques, do PMDB de Anthony Garotinho, com 57,74% dos votos
no segundo turno. Seu futuro político pode ser medido pelas palavras do aliado César Maia. “Se passar pelo teste nessa prefeitura, Lindberg tem tudo para ser uma forte liderança estadual e até nacional”, diz o prefeito carioca.
Na sala do apartamento para onde se mudou há um ano e meio, com o intuito de disputar a eleição, o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) não exibe biografias da revolucionária Rosa Luxemburgo ou de Che Guevara. Os textos da adolescência foram substituídos por um relato da trajetória de Manoel Ferreira (PP), pastor da Assembléia de Deus, e obras de Eça de Queiroz e Marcel Proust. O socialismo sobrevive de maneira mais suave, num livro do fotógrafo cubano Alberto Korda. “O cara que queria a insurreição deu lugar a alguém que sabe que tem que dar um passo de cada vez”, explica o prefeito eleito.
Filho do médico Luiz Lindbergh Farias, vice-presidente da UNE em 1961, paraibano de João Pessoa, ele cresceu num ambiente de discussão política. O pai lhe contava suas experiências, mas não aprovou quando o filho se mudou para São Paulo, em 1991, ao ser eleito secretário-geral da entidade. “Ele disse que eu ia prejudicar os estudos, que o movimento estudantil não tinha mais força”, lembra Lindberg, que tirou o h do nome em 2000, aconselhado por uma numeróloga. Um ano depois, já presidente da UNE, o filho de Luiz Lindbergh liderou os estudantes no movimento dos cara-pintadas, que reuniu centenas de milhares de pessoas em manifestações pelo Brasil e ajudou a derrubar o presidente Fernando Collor.
Vieram, então, as primeiras gafes do líder estudantil ainda verde na política. Ao se reunir com o então presidente do Congresso, Mauro Benevides, em Brasília, Lindberg não sabia do costume da foto protocolar, tirada antes de encontros solenes. Na frente de dezenas de fotógrafos, o presidente da UNE apertou a mão do senador e, enquanto piscavam os flashes, tentou, sem sucesso, iniciar a conversa. “Fui falando, mas o senador ficava sorrindo e dizendo ‘muito bem, muito bem’”, lembra Lindberg.
O desconforto com as práticas políticas continuou durante o primeiro mandato como deputado federal, pelo PC do B, entre 1995 e 1998. O defensor do povo nas ruas como única solução chamava o Congresso de casa das elites e não perdia uma manifestação contra as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso. Na venda da Vale do Rio Doce, entrincheirou-se com 100 estudantes na Bolsa de Valores do Rio. No leilão das Teles, jogou pedra na polícia. Achava o máximo. “Me sentia o próprio Guevara”, afirma.
Mas o momento era de tristeza. Em janeiro de 1995, Lindberg soube que o pai tinha câncer terminal. Até fevereiro de 1996, quando Luiz Lindbergh faleceu, trocou os fins de semana no Rio por idas a João Pessoa. Ficou deprimido e chegou a 100kg. “Achava que a vida tinha perdido o sentido”, conta. Um alento foi a notícia que recebeu no mesmo dia em que foi informado da doença do pai. Maria Antônia Goulart, 29, sua mulher, estava grávida de Luiz, 9.
O casal se separou em 1999, mas se reconciliou em fevereiro deste ano. Maria Antônia levou Luiz para Belo Horizonte, mas Lindberg via o filho único todo fim de semana. Ou ia para Minas, ou Luiz viajava para o Rio. “O Lindberg não pára de beijar e abraçar o Luiz. Eu é que dou bronca, ele fica com a parte boa”, entrega Maria Antônia.
Derrotado na eleição de 1998, Lindberg ganhou tempo para recuperar a forma e os estudos. Pegava ônibus para o curso de Direito na PUC carioca (ele está a um ano de se formar), corria na Praia de Copacabana, fazia musculação e nadava. Em um ano, voltou aos atuais 87 kg e retomou a aparência que lhe rendeu o apelido de Lindinho e o assédio de boa parte do eleitorado feminino.
A maneira de ver a política também mudou. Filiado ao PSTU, dissidência do PT de extrema esquerda, Lindberg não aceitou coligações em 1998. Foi o sexto entre os candidatos do Rio para a Câmara Federal, com 73 mil votos, mas perdeu a vaga porque sua legenda não conseguiu o mínimo necessário de eleitores. Aproveitou a ocasião para reforçar o discurso radical. “Dizia: de que serve o Parlamento? O que vale é a luta nas ruas”, lembra.
Na eleição para vereador em 2000, ficou em 4o lugar, com 47 mil votos, e novamente de fora, mas dessa vez a reação foi diferente. “Não queria chegar aos 40 anos fazendo agitação em carro de som, fora do debate político.” Favorável ao apoio a Lula em 2002, Lindberg se transferiu para o PT quando os antigos correligionários lançaram candidatura própria a presidente. “No PSTU, estava abrindo mão de um papel que podia jogar”, afirma.
Voltou à Câmara em 2002 como vice-líder da bancada. Numa conversa com Lula e José Genoino, presidente da legenda, surgiu a idéia da candidatura em Nova Iguaçu, onde o PT nunca tinha sido forte. Eleito, após começar em 3º lugar, com 12% dos votos, surpreendeu o presidente. “O Lula me disse que vencer lá era projeto para 20 anos”, diz.
Ameaçado de morte algumas vezes na Baixada, tem andado com seguranças, o que não tira sua animação com futuros projetos. Quer explorar áreas verdes como o parque municipal, onde se exercita. Também pensa numa empresa de saneamento em parceria com a iniciativa privada, para se ver livre da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgotos), que, no passado, defendeu contra os planos de privatização do ex-governador Marcello Alencar (1995-1998).
Aliado de Lindberg na última campanha, Marcello ouviu dele um mea culpa. “Ele me confessou que hoje pensa como eu. Ele está mudado. É talentoso e carismático pra burro”, diz o ex-governador. As mudanças, segundo o prefeito eleito, não são tão gritantes. Se houvesse a chance de uma revolução no Brasil, ele garante, largava tudo e entrava. “Mas essa bandeira não é real. Dizem que de revolucionário passei a reformista. É isso mesmo. É com reformas que conseguiremos avançar".