quinta-feira, 19 de novembro de 2015

FESTA DE ARROMBA

A festa do ano mal tinha começado e os salões do palácio no meio da Baía de Guanabara estavam ainda vazios quando o repórter avistou no meio deles, sozinho, o playboy das antigas, já idoso e sentado tranquilamente num dos sofás estrategicamente colocados pela superprodução da comemoração pelos quarenta anos daquele a quem o playboy das antigas admitiu conhecer "apenas superficialmente". A missão da noite era fazer a crônica da festa, mais na base da observação, calado, comendo lagosta e bebendo cerveja, do que incomodando os convidados com perguntas triviais berradas ao pé do ouvido. Mas era preciso, ainda, colaborar com outra matéria, de outra colega de redação, também presente ao regabofe. Então bastou uma pergunta para conseguir o aval do playboy das antigas, cuja fama se estendia a divas internacionais de sua época, a confirmação dele de que, como notório conquistador, o dono da festa era, sim, sem dúvida, seu legítimo herdeiro.

As duas matérias, no fim das contas, saíram assinadas pelos dois repórteres, então, a matéria abaixo foi assinada também pela Vivianne Cohen

Revista Istoé Gente, edição 155, de 22 de julho de 2002

No fim do espetáculo, uma enorme caixa de presente foi levada ao palco. De dentro, surgiu Jorge Fernando, o diretor global encarregado de animar a festa e ler um texto sobre o aniversariante com agradecimentos especiais a alguns de seus amigos, entre eles o candidato ao governo de Minas Gerais Aécio Neves, ausente na Ilha Fiscal. 

No sábado 13, um terminal de aeroporto montado na zona portuária do Rio de Janeiro anunciava viagens no tempo para o período jurássico ou os anos 80. Vôos interplanetários até Marte, Krypton, a terra do Super-homem, ou Naboo, planeta criado por George Lucas em Guerra nas Estrelas. Confirmada no painel, porém, só a viagem aos anos 60, no vôo da Accioly Air. Era a entrada da superfesta do empresário Alexandre Accioly, que alugou a Ilha Fiscal – o palácio da Marinha onde foi realizado o último baile do Império no Brasil – para comemorar seus 40 anos na companhia da família, amigos e uma legião de celebridades. A garantia da diversão regada à champanhe Veuve Cliquot e uísque oito anos, além de 200 quilos de lagosta e camarão, entre outras iguarias, custou cerca de R$ 600 mil. Tudo para que nada faltasse aos 1.465 convidados, entre eles a nova namorada do empresário, a atriz Carolina Ferraz, e o craque Ronaldo, o Fenômeno, alguns dos famosos presentes.
O terminal de aeroporto era só a primeira das surpresas preparadas no regabofe de Accioly. Tão logo mostravam as carteiras de identidade nos computadores da entrada – requisito obrigatório para evitar penetras –, os convidados entravam num túnel do tempo com imagens que iam dos anos 60 aos 90. Na saída, uma banda cover dos Beatles tocava entre um bar onde eram servidos cuba libre e hi-fi, drinques típicos dos anos 60, e alguns ônibus e carros da época em que Alexandre nasceu, destinados ao transporte até a Ilha Fiscal. No palácio, quase tão iluminado quanto o Cristo Redentor, a recepção ficava a cargo de uma bem-humorada trupe de homens de preto com enormes perucas black-power, e um grupo de barbarellas que lembravam a personagem de Jane Fonda, mas não esqueciam o dono da festa, cujo retrato sorridente estampava seus vestidos. A mesma foto, aliás, exibida na entrada do túnel do tempo, ao lado de figuras como Elvis Presley e Marilyn Monroe.
Anônimos ou famosos, os convidados entraram no clima. Entre barbarellas e homens de jaquetas de couro, havia um Elvis, alguns mutantes, lembrando a banda que lançou Rita Lee, e, claro, pelo menos duas Marilyns Monroe. O apresentador Luciano Huck foi de Aristóteles Onassis, ao lado da namorada Astrid Monteiro de Carvalho, de Jackie O. As globais Priscila Fantin e Luana Piovani vestiam figurinos da época, sem representar personagens específicos. Rodrigo Santoro, de terno, gravata e óculos escuros, encarnava uma espécie de policial das antigas.
Circulando pela festa, Accioly era só felicidade enquanto cumprimentava os convidados. “Estou demorando a falar com todo mundo porque só tem amigo aqui. Não é aquela festa em que o dono não conhece um monte de gente”, disse a um de seus milhares de amigos. Pelo menos um deles, no entanto, ainda não era tão conhecido do anfitrião. “Ouvi falar do Alexandre e soube que as festas dele são bacanas”, afirmou Kléber, o Bambam, devidamente trajado com uma jaqueta preta e o indefectível boné que, ao lado da boneca Maria Eugênia, o tornou famoso na primeira versão do Big Brother Brasil.
Quando parte dos convidados já se deliciava com a lagosta e algumas das 600 coxas de pato do buffet, começou a apresentação dos bailarinos revivendo números de Hair, o musical que traduziu a cultura hippie dos anos 60. No fim do espetáculo, uma enorme caixa de presente foi levada ao palco. De dentro, surgiu Jorge Fernando, o diretor global encarregado de animar a festa e ler um texto sobre o aniversariante com agradecimentos especiais a alguns de seus amigos, entre eles o candidato ao governo de Minas Gerais Aécio Neves, ausente na Ilha Fiscal. O discurso de Jorge Fernando, lido enquanto o telão do palco exibia imagens de álbum de família de Alexandre, só foi interrompido com o rebuliço causado pela chegada de Ronaldinho.
A confusão foi logo contornada com o deslocamento de três seguranças para cercar o craque e manter os fotógrafos a distância. Saudado por uma chuva de papéis picados e pelos neons coloridos nas mãos dos convidados, o anfitrião subiu ao palco e, ao lado da mãe, Graça, apagou a vela do enorme bolo com uma foto sua no alto, a mesma do túnel do tempo e do vestido das barbarellas. Por volta das 2h30, no fim do show do RPM, a atriz Carolina Ferraz surgiu na festa. Saiu de São Paulo, onde se apresentou no teatro, no helicóptero que Accioly mandou para que ela chegasse a tempo. Foi a senha para que a imprensa fosse convidada a se retirar e os convidados pudessem ficar mais à vontade dentro da iluminada Ilha Fiscal.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

SOCIETY

Em tempos de socialites na berlinda, tendo aulas de tênis nos Estados Unidos mas aprendendo a sacar só na Suíça, as duas matérias abaixo não têm qualquer relação com o mais recente caso de amor entre um notório ladrão e uma bela loura bem mais nova que o marido, exposto por tabela hoje na mídia, a reboque de denúncias de corrupção com direito a extratos bancários, passaportes, assinaturas, fotos e qualquer outro tipo de prova que se possa imaginar, de tão escancarado que é o caso. Qualquer semelhança entre as duas histórias, portanto, não passa de coincidência.

A primeira das duas matérias foi assinada também pela Vivianne Cohen. A primeira das fotos é do Bruno Ryfer. A outra é do André Durão. 

Revista Istoé Gente, edição 45, de 26 de julho de 2000

 "Saio de cabeça erguida e volto quando quiser".

As festas da sociedade emergente da Barra da Tijuca, no Rio, não serão mais as mesmas. Depois de aparecer como um furacão nas colunas sociais, a socialite Ariadne Coelho, 33 anos, sucumbiu às denúncias de que grampeou telefones de outros emergentes e às acusações de que o marido, o empresário Jair Coelho, 69, enriqueceu ilegalmente fornecendo quentinhas para presídios do estado do Rio de Janeiro. Dizendo-se vítima das maldades de quem a inveja, Ariadne anunciou na terça-feira 6 sua retirada dos salões e a interrupção de projetos que acalentava, como montar um centro de estética, engarrafar a champanhe Ariadne C e ter um programa de televisão.
Para a tevê, chegou a contratar uma equipe de cem profissionais e gravou um programa-piloto num cenário duas vezes maior que o de Hebe Camargo, do SBT. "Saio de cabeça erguida e volto quando quiser", disse. O enredo de intriga, ciúme, espionagem e traições envolvendo a sociedade emergente da Barra começou em abril, quando o promotor de eventos Rubens Monteiro Júnior registrou queixa na 16a DP contra Ariadne. Ele a acusou de ter grampeado suas ligações telefônicas, como retaliação da socialite por não ter sido convidada para uma de suas festas. No mesmo mês, a "rainha das quentinhas", como é conhecida, sofreu um atentado: seu Mercedes-Benz foi atingido por dois tiros.
Na terça-feira 30, mais um ingrediente foi acrescentado à confusão: uma suspeita de adultério. Intimada a depor no inquérito que investiga o atentado, Ariadne acusou o marido de ter instalado escuta telefônica na casa do empresário Alexandre Martins, procurador do craque Ronaldinho. Seu objetivo seria provar um suposto romance de Ariadne com Martins. Jair confirma que foi incentivado a tentar o flagrante pela ex-secretária e ex-melhor amiga de Ariadne, Thelma Cabral. O rei das quentinhas admitiu que chegou a suspeitar da mulher, com quem está casado há seis anos e em quem hoje diz confiar. "Thelma não conseguiu que eu pedisse o divórcio ou tivesse um infarto", disse Jair. Encarregado do caso, o delegado Napoleão Salgado prefere acreditar que Ariadne foi vítima de tentativa de homicídio. "Descartei a possibilidade de ter sido armação do casal. A hipótese mais provável é que foi um atentado", afirma Napoleão. 
Não satisfeitos, Ariadne e Jair introduziram um novo personagem na novela emergente, durante a entrevista coletiva que concederam na terça-feira 6. Trata-se da babá Vandete de Melo Ribeiro, indicada por Thelma para cuidar dos três filhos de Ariadne. O casal apresentou uma carta de duas páginas da empregada, onde está escrito que a ex-secretária de Ariadne costuma usar o marido, o artista plástico Jefferson Cabral, para se aproximar dos milionários.
Enquanto o escândalo se arrasta, o rei das quentinhas, dono de um patrimônio de US$ 70 milhões, está prestes a perder sua majestade. Seu principal contrato com o governo do Rio de Janeiro, que prevê o fornecimento de refeições em pratos de alumínio para 21 mi presos e lhe rende R$ 900 mil mensais, deve ser cancelado por irregularidades.
Na mesma entrevista coletiva, Ariadne, que sempre resistiu em falar sobre seu passado, fez chegar aos jornalistas um breve currículo. Nele, a mineira de Governador Valadares preza suas origens. Em Belém, onde foi morar com a família quando tinha cinco anos, ela estudou no Colégio Nossa Senhora de Nazaré, "tradicional educandário da elite local", informa a biografia. No Rio, para onde se mudou em 1987, por influência da prima, a socialite Krystel Biancco, "retomou seus estudos de inglês no Britannia". Ainda de acordo com seu currículo, Ariadne teria embarcado para a Suécia em 1991, para "estudar francês". Seu pai, fazendeiro, teria lhe proporcionado "uma vida de classe média alta", continua o texto.
De fato, quando morou em Imperatriz (MA), em 1982, a família mantinha um bom padrão de vida. "Eles moravam numa das melhores casas da cidade", confirma a colunista social Leônia Santos Souza, do jornal O Estado do Maranhão. Adolescente, Ariadne e uma irmã, Alessandra, voltaram a Belém, onde trabalharam como modelo. "Ela (Ariadne) se destacava porque era mais atirada", conta Cleide Silva, que trabalha no estúdio Reinaldo Silva Júnior, para o qual Ariadne possou. Agora auto-exilada dos holofotes, a emergente pode ter submergido de vez.

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Revista Istoé Gente, edição 95, de 28 de maio de 2001

“É um momento de dor para a minha família. Uma separação não é fácil para ninguém, e não quero fazer da minha um espetáculo”.

Depois de ser preso em agosto do ano passado, acusado de falsidade ideológica, formação de quadrilha e uso de documentos falsos para manter o monopólio da venda de quentinhas nos presídios do Rio de Janeiro, o empresário Jair Coelho, 70 anos, terá de se preparar para mais uma batalha jurídica. Desta vez, a disputa será com Ariadne Coelho, a bela loura de 33 anos que virou um dos ícones da sociedade emergente da Barra da Tijuca, com quem dividia o mesmo teto desde 1994.
Na quinta-feira 17, Ariadne saiu da mansão do casal acompanhada dos três filhos e de uma frota de táxis, necessária para levar seus pertences pessoais até o luxuoso apartamento de 800 metros quadrados do casal, no condomínio Golden Green, no mesmo bairro.
Um dia antes de sair de casa, a loura conseguiu uma liminar na Segunda Vara de Família da Barra que lhe garantiu a guarda dos três filhos -- Jorge Antônio, 8, fruto de um relacionamento anterior, e os gêmeos Tiffany e Jairzinho, 4, gerados graças à inseminação artificial -- e proibiu o ex-marido de se aproximar de toda a família. “Meu momento agora é de ficar reclusa. Estou voltada para meu lado maternal”, disse Ariadne.
A justificativa para a separação, segundo ela, é a suposta mudança de comportamento do empresário desde que saiu da prisão, em setembro de 2000. Segundo Ariadne, Jair perdeu o interesse nela e virou um homem agressivo, que chegou a “matar um pequeno animal a pontapés na frente dos filhos”. Orientada pelos advogados Sérgio Sender e Ary Bergher, Ariadne deixa escapar pouca coisa. “É um momento de dor para a minha família. Uma separação não é fácil para ninguém, e não quero fazer da minha um espetáculo.”
A possibilidade de reconciliação com o empresário é difícil. A primeira audiência na Justiça está marcada para o dia 19. Até lá, a socialite já estará freqüentando o curso de direito numa faculdade particular. Outra liminar concedida na quinta-feira 17 lhe garantiu uma pensão provisória de 100 salários mínimos mensais (R$ 18 mil) para cada um dos três filhos. Mas Ariadne não vai parar por aí. Quer sua fatia no patrimônio de Jair, avaliado em R$ 150 milhões.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

1.650 METROS QUADRADOS

A essa altura, depois de tanto tempo, a vida da personagem aí de baixo já deve ter se ajeitado, mas na época da matéria ela vivia com o marido, três filhas e uma enteada numa cobertura de 1.650 metros quadrados, e a renda da família era inferior, por exemplo, ao salário do repórter que adorava o quarto-e-sala onde morava, de quarenta ou cinquenta, no máximo sessenta metros quadrados. Daria pra jogar futebol na parte sem móveis da sala, três na linha e um no gol de cada lado, tranquilamente. Foram mais de vinte, talvez trinta passos do hall até a parte habitada do vasto salão com piso de palácio, um canto apenas, com a clássica formação dos apartamentos apertados, a mesa de centro no meio envolta por dois sofás em L, num dos quais a personagem contava as contingências da vida que tinham levado àquela situação. Contava e dava mais uma mostra, também, do poder de adaptação, da capacidade de superar qualquer obstáculo da vida dessa brava gente da classe média brasileira.

Abaixo, a matéria.

Revista Istoé Gente, edição 136, de 11 de março de 2002

“Em dia de faxina, a gente põe um CD da Aretha Franklin, faz um suquinho, bota um chinelinho e vamos trabalhar, que é bom e emagrece”.


A dona de casa Jacqueline Carr Soares, 40 anos, mora numa cobertura de 1.650 metros quadrados, de frente para o mar da Barra da Tijuca, um dos espaços mais nobres do Rio de Janeiro, mas não tem vida fácil. Para cuidar do apartamento, que chegou a ser avaliado em US$ 5,5 milhões e foi considerado o mais caro do Brasil, ela se desdobra com um orçamento mensal de cerca de R$ 2 mil, salário que o marido, Vanivaldo Soares, 40, recebe como detetive da Polícia Civil. O imóvel foi o que restou da fortuna de seu primeiro marido, o empresário José Carlos Nogueira Diniz Filho, assassinado no dia 26 de novembro de 1989. Enquanto aguarda que a Justiça venda a cobertura onde vive e lhe entregue os 50% da herança que lhe cabem em testamento – a outra metade vai para as três filhas que teve com Diniz –, Jacqueline prepara sua candidatura a deputada estadual e finaliza uma autobiografia. Entre as verdades que promete contar no livro, uma trata de um fato até então desconhecido: a bissexualidade de José Carlos Diniz Filho. “Guardei isso por muitos anos, mas o motivo mais forte da minha separação foi a ambigüidade sexual do Diniz. Como dizem, ele tinha desvios.”
Acusada de tramar a morte do ex-marido, Jacqueline foi absolvida em novembro de 1996. “Fiz o livro para falar a verdade. Tudo o que passei e como sou realmente”, diz ela. “Nos últimos 12 anos, foram criadas várias personagens para a Jacqueline, e todo mundo criava o que queria.” O empresário foi morto a tiros quando dirigia seu carro na Barra da Tijuca. Ele estava acompanhado de Lucimar Ferreira, sua namorada na época, que escapou ilesa. Dois anos depois, a Justiça condenou pelo crime o informante da polícia Cláudio Silva, o pistoleiro Manoel de Oliveira, o Manoelzinho, e Paulo Sérgio Mollo da Fonseca, que foi amante de Jacqueline. Até hoje, a ex-mulher de Diniz sofre com o preconceito por ter sido considerada suspeita do crime: “O resto da vida serei conhecida como a Jacqueline do Caso Diniz. Não adianta, marcou”.
Criada numa família de classe média, a menina que estudou no tradicional Colégio Sion, no Rio, e fez cursos nos Estados Unidos e em Paris casou-se cedo, aos 19 anos, com José Carlos Diniz Filho. No início, o casal morou no 13º andar do Edifício Vieira Souto, no prestigiado condomínio Atlântico Sul, na Barra da Tijuca. Em 1983, um ano depois do nascimento das gêmeas Lilás e Yasmin, se mudaram para a cobertura do mesmo prédio, ocupada até hoje por Jacqueline. Herdeiro de 200 imóveis na Barra, Diniz não economizava nas festas que reuniam presidentes da República, como José Sarney. Esse e outros hábitos do empresário, como o de presentear amigos e amantes com apartamentos, acabaram dilapidando o patrimônio deixado pelo construtor José Carlos Diniz.
Hoje, os salões que chegaram a ser decorados por 80 tapetes persas e quadros de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Castagneto estão praticamente vazios. Na sala principal, de 300 metros quadrados, os únicos móveis são dois sofás, quatro cadeiras e uma mesa de jantar com oito lugares, além de uma mesa de centro e duas cômodas. Nas paredes, as obras de pintores famosos foram substituídas por telas da própria Jacqueline, que aderiu à pintura para combater o estresse acumulado nos anos de processo criminal. O ar-condicionado central funciona, mas já vivia desligado muito antes do racionamento. Pelo menos 70% da área total do apartamento estão fechados.
Sem empregados, a dona de casa que tinha à disposição 15 funcionários quando se mudou para a cobertura, só tem a ajuda das filhas – além das gêmeas, Shalimar, 16, e Victória, 11, sua filha com Vanivaldo – e do marido para a manutenção da casa. “Em dia de faxina, a gente põe um CD da Aretha Franklin, faz um suquinho, bota um chinelinho e vamos trabalhar, que é bom e emagrece”, conta ela, que por quatro anos, entre 1994 e 1998, só andava de ônibus. Hoje, já pega táxi e usa o carro do marido.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

LIMITES E VIZINHANÇAS


Pode ser que em algum lugar do planeta seja diferente, mas a sensação é de que a "polêmica" da matéria aí embaixo é universal, acontece em qualquer cidade, de qualquer país.

Jornal O Fluminense, edição de domingo, 29, e segunda-feira, 30 de janeiro de 1995

"Se vou fazer uma compra com crediário e digo que moro em Santa Rosa, logo me perguntam o endereço, para saber se é próximo de Icaraí ou do Cubango. Se digo que moro em Icaraí os vendedores aceitam meu crediário tranqüilamente".

Icaraí ou Santa Rosa? Santa Rosa ou Cubango? Fonseca ou Bairro Chic? Dúvidas desse tipo sempre foram comuns em Niterói, onde os limites entre alguns bairros são praticamente imperceptíveis e variam de acordo com  a vontade dos moradores. Muitas vezes, a falta de informação ou a tentativa de manter um certo status fazem com que ruas em Santa Rosa passem a ser consideradas como território de Icarai, por exemplo. O mesmo acontece entre Santa Rosa e Cubango, onde é clara a preferência da maioria das pessoas por Santa Rosa.
A confusão ocorre em toda a cidade, mas o exemplo de Icaraí e Santa Rosa é o mais significativo. De acordo com a divisão tradicional da cidade, a Avenida Roberto Silveira separa os dois bairros. O trecho da avenida até a praia é considerado Icaraí, enquanto o outro lado faz parte de Santa Rosa. Apesar de simples, o limite é praticamente ignorado, principalmente por quem mora nas ruas próximas à Roberto Silveira, no lado de Santa Rosa.
"Acho que moro na fronteira entre Santa Rosa e Icaraí, mas dependendo da pessoa com quem estou falando digo que moro em Icaraí. Em lojas, por exemplo, o preconceito contra Santa Rosa é maior. Se vou fazer uma compra com crediário e digo que moro em Santa Rosa, logo me perguntam o endereço, para saber se é próximo de Icaraí ou do Cubango. Se digo que moro em Icaraí os vendedores aceitam meu crediário tranqüilamente", conta a professora Adriany Costa, 25 anos, que mora no edifício número 45 da Rua Tenente Mesquita, teoricamente em Santa Rosa.
O zelador do prédio de Adriany, Francisco Ferreira Campos, diz que na correspondência enviada aos moradores o local é reconhecido tanto como Icaraí quanto Santa Rosa, o que é confirmado pela professora. "Minhas contas de luz e telefone vêm endereçadas para Icaraí", afirma. O aposentado Luiz Carlos Rocha Alves, 56, mora no mesmo edifício e usa a dúvida sobre o bairro para criticar a Prefeitura. "Aqui é Santa Rosa, mas parece que a Prefeitura considera a rua como Icaraí e, com isso, cobra um IPTU mais caro", protesta.
Para tentar acabar definitivamente com a confusão, a Prefeitura pretende estender a área de Icaraí até a Rua Geraldo Martins. O Plano de Urbanismo Regional (PUR) da Região das Praias da Baía, que compreende Icaraí, Santa Rosa, Centro, São Francisco e Jurujuba, prevê essa mudança e vai ser colocado em discussão na Câmara Municipal.
"Queremos fazer isso apenas para facilitar a vida dos moradores dessa região. Todo mundo considera o trecho até a Rua Geraldo Martins como Icaraí, inclusive companhias como a Cerj e a Telerj", explica Cláudia Caputo, que trabalha no Departamento de Urbanismo da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Abiente e participou da elaboração do PUR da Região das Praias da Baía.
Com o novo limite, locais como o Estádio Caio Martins passariam a ser reconhecidos oficialmente como território de Icaraí. Para fazer a mudança, os técnicos da secretaria levaram em conta a forma de ocupação da região, os padrões das construções, as bacias de esgotamento e o sistema viário, entre outras características.
Pelo menos nos Correios de Niterói, a confusão com os bairros não representa perigo de extravio de correspondência: "Trabalhamos com faixas de CEP Aqui em Niterói temos três centros de distribuição domiciliar: o Central, que abrange o Centro e a Zona Sul; o do Largo da Batalha, que distribui para a área de São Francisco até a Região Oceânica; e o do Largo do Barradas, que fica responsável pela Zona Norte. Se o CEP da carta estiver correto ela vai chegar ao seu destino, não importa o bairro indicado", garante Hélson dos Santos Vellez, chefe da Região Operacional dos Correios 08, que cuida da correspondência de Niterói, São Gonçalo e de todo o território até Rio das Ostras, na Região dos Lagos.

O caso clássico. A fronteira entre Santa Rosa e Cubango também gera muita polêmica entre a população de Niterói. Teoricamente, a Rua Noronha Torrezão está situada entre os dois bairros. De acordo com o mapeamento do município, a via faz parte de Santa Rosa até a esquina com a Rua Vereador Duque Estrada, quando entra no território do Cubango. Muitas pessoas que moram depois da Vereador Duque Estrada, no entanto, fazem questão de dizer que residem em Santa Rosa. Afinal de contas, o trecho não representa apenas a divisão entre dois bairros, mas o limite entre a prestigiada Zona Sul da cidade e a castigada Zona Norte.
Talvez seja por isso que a professora Elizete Carmem Esteves, 31 anos, faça questão de dizer que mora em Santa Rosa, apesar de residir no numero 335 da Rua Noronha Torrezão, depois da Vereador Duque Estrada. "As pessoas se localizam melhor quando eu falo que moro em Santa Rosa", justifica-se Elizete. A vizinha da professora, Cristina Guimarães, de 18 anos, também se considera moradora de Santa Rosa. "A divisão dos bairros é só na Rua 22 de Novembro", garante a desinformada moradora do Cubango.

terça-feira, 2 de junho de 2015

ESPERA

A modelo Fernanda Vogel tinha 20 anos e já começava a se destacar em capas de revistas e campanhas publicitárias quando morreu na queda do helicóptero em que viajava com o namorado João Paulo Diniz, do Grupo Pão de Açúcar. Fernanda, João Paulo, o piloto e o co-piloto da aeronave sobreviveram à queda no mar de Maresias, litoral paulista. Os quatro pularam no mar revolto, debaixo de chuva forte, pra tentar nadar até as luzinhas da praia vistas de muito, muito longe. João Paulo e o co-piloto, Luiz Roberto de Araújo Cintra, conseguiram. Fernanda e o piloto, Ronaldo Jorge Ribeiro, não. A entrevista com a mãe da Fernanda, que originou a matéria abaixo, foi feita pouco mais de dois anos depois do acidente. Os trechos em itálico e negrito faziam parte, na edição original da revista, de um box, à parte da matéria principal.

Revista Istoé Gente, edição 219, de 13 de outubro de 2003

“Minha irmã se autoflagelava, enfiando as unhas dos indicadores nos polegares. Ficava o tempo todo no sofá, em posição fetal e agarrada a um bicho de pelúcia da Fernanda”.


Durante o ano de 2001, o programa de televisão predileto da comissária de bordo Myrian Vogel, 47 anos, era a novela Porto dos Milagres. Sua personagem preferida na trama era a engraçada Amapola, vivida por Zezé Polessa. Se estivesse em casa, não perdia por nada as cenas com a atriz, mas na sexta-feira 27 de julho foi diferente. Diante da tevê, na hora da novela e com Zezé em cena, Myrian foi tomada por uma angústia que a fez mudar de canal. Em outra emissora, um plantão jornalístico informava sobre a queda do helicóptero em que a modelo Fernanda Vogel, sua filha, viajava ao lado do namorado João Paulo Diniz, herdeiro do Grupo Pão de Açúcar. “Antes de ouvir a notícia sabia que era o helicóptero da minha filha”, conta a comissária, no livro Fernanda Vogel na Passarela da Vida, da jornalista Tammy Luciano, que será lançado na terça-feira 21, no Rio de Janeiro. O episódio é uma das muitas coincidências intrigantes que permeiam o acidente e a morte, aos 20 anos, da modelo Fernanda Vogel.

Na madrugada do sábado 28 de julho de 2001, para o domingo 29, um amigo de Fernanda teve um sonho, no qual a modelo aparecia, envolta numa luz, pedindo para que ele tranqüilizasse sua família, e avisando que seu corpo apareceria no dia 3 de agosto, o que acabou acontecendo.

Entre mensagens da modelo, transmitidas por freqüentadores de centros espíritas após sua morte, e os eventos que pareciam anunciar a tragédia, Myrian juntou histórias que a ajudaram não só a colaborar com o livro de Tammy, como a se recuperar da perda da filha na queda do helicóptero. O casal iria comemorar os dois meses de namoro na casa da família Diniz em Maresias, litoral paulista, mas o mau tempo derrubou a aeronave. 
Na época, João Paulo chegou a ser acusado de induzir o piloto a voar apesar da má condição meteorológica. A suspeita é descartada pela própria Myrian. “O João foi uma vítima também. Ele estava no helicóptero e nunca se colocaria em risco”, diz a comissária, que nega ter havido qualquer desentendimento entre as famílias Vogel e Diniz. “Falo sempre com o João. O que existe é uma tragédia em comum, nenhuma divergência”, afirma.
A primeira conseqüência do choque pela morte da filha foi ficar sem comer. Nos três primeiros dias após o início das buscas pelo corpo de Fernanda, Myrian ingeriu somente café, além dos muitos cigarros que fumou. “Achava que se eu conseguisse ficar aquele tempo sem comer, minha filha também conseguiria, e estaria viva quando fosse encontrada.” A partir do terceiro dia, a família a convenceu a tomar sorvete e sucos, já que a lembrança de Fernanda no mar a impedia de ingerir qualquer alimento salgado. Mesmo assim, ela teve de tomar soro. “Dávamos de colher, na boca dela”, conta a irmã caçula de Myrian, Bebel Vogel.
Nas três primeiras semanas após o desaparecimento da filha, a comissária continuou tomando soro para suprir a alimentação insuficiente. Perdeu oito quilos em menos de um mês. “Minha irmã se autoflagelava, enfiando as unhas dos indicadores nos polegares. Ficava o tempo todo no sofá, em posição fetal e agarrada a um bicho de pelúcia da Fernanda”, lembra Bebel.

Um mês antes do acidente, João Paulo Diniz estava com Fernanda no Carlton Arts, em São Paulo, quando foi abordado por um garçom. Ele disse a João Paulo que o empresário estava muito afastado da religião e o aconselhou a ler um determinado texto da Bíblia. Em casa, o casal leu o trecho onde estava escrito que viria a tormenta, quatro pessoas estariam no moinho, duas seriam levadas e duas seriam poupadas. Sem dar muita atenção na ocasião, João Paulo voltou a ler o trecho após o acidente. Só aí identificou as pás do moinho como a hélice do helicóptero, a tormenta como a chuva que causou a queda da aeronave, e as duas pessoas levadas como Fernanda e o piloto Ronaldo Jorge Ribeiro, também morto no acidente, enquanto João Paulo e o co-piloto Luiz Roberto de Araújo Cintra sobreviveram.

Prova de que não há problemas no relacionamento da mãe de Fernanda com o herdeiro do grupo Pão de Açúcar será o lançamento do livro em São Paulo, marcado para o dia 4 de novembro, na Revistaria D’Amauri, novo empreendimento de João Paulo, com inauguração prevista para os próximos dias. Para o empresário, o apoio de Myrian foi fundamental nos primeiros momentos após o acidente. “Ela me abraçou logo que me viu, ainda em Maresias. Vinda da mãe da Fernanda, a ajuda foi a melhor que eu poderia ter recebido naquele momento”, disse João Paulo.
Pela morte de sua filha, Myrian recebeu o montante coberto pelo seguro do helicóptero. Ela prefere não revelar os valores, mas garante que, apesar das notícias veiculadas nos primeiros meses após a tragédia, não houve qualquer disputa judicial por uma indenização maior. “Preferi não desmentir o que saía nos jornais porque não estava em condições. Se fizesse isso ia mexer ainda mais com o assunto que me machucava tanto”, lembra a comissária.
Profissionalmente, a primeira conseqüência da tragédia foi a licença da função que exerceu durante 23 anos. Myrian não voa desde a morte da filha e deve tirar o seguro pela perda definitiva da carteira de aeronauta. “Cada vôo é uma tripulação, são amigos diferentes. A emoção é complicada e como chefe de equipe tenho que ter o vôo na mão. Emocionalmente instável, não posso assumir a responsabilidade”, explica. Também mudou de endereço. Deixou o sítio de Itaboraí, no interior do Rio de Janeiro, onde morou desde que Fernanda tinha 12 anos, e se instalou num apartamento na zona sul carioca. “Lá tinha a distância da família, as recordações e os problemas de cidade pequena. Em qualquer supermercado que entrava tinha um silêncio, depois um falatório baixo e as cabeças se virando na minha direção. Era complicado”, diz.

Na bolsa de Fernanda foi encontrada uma folha de papel cujas bordas estavam destruídas, mas o texto no interior permanecia intacto. O título do texto era “Sobrevivência”.

Quando começou a se recuperar, Myrian adquiriu o hábito de navegar pela internet em busca de notícias antigas da filha, numa forma de reviver os melhores momentos da modelo e de suprir a própria carência. Foi assim que encontrou, em março do ano passado, um texto sobre Fernanda que lhe chamou atenção. Da correspondência com a autora, Tammy Luciano, surgiu a idéia do livro, do qual Myrian participou ativamente. “Isso me deu forças para enfrentar minha perda”, conta a mãe da modelo. Apesar da recobrar o ânimo, só um ano após começar a trabalhar no livro conseguiu interromper um hábito adquirido com a morte da filha: o de ligar para o celular de Fernanda para escutar o recado da caixa postal que permanecia gravado com a voz da modelo. “Era absurdo, mas eu tinha a necessidade de ouvir a voz dela”, justifica.
Outro alento veio das oito mensagens recebidas de dois centros espíritas no Rio. Em todas elas, algumas enviadas por uma professora de Fernanda na época do primário, a modelo dizia estar bem e conformada com seu destino. A comissária tem absoluta certeza da veracidade de pelo menos um dos recados, em que a filha se refere às violetas e margaridas plantadas pela mãe no peitoril da janela de seu apartamento. “Ninguém do centro tinha ido à minha casa”, afirma Myrian.

Também na bolsa de Fernanda encontrada no helicóptero, seis meses após o acidente, estava a agenda dela. Um modelo simples, com as folhas presas numa encadernação normal, e não soltas como num fichário, a agenda só ia até o fim do mês de julho de 2001. Depois dessa data, não tinha mais nada, nem qualquer sinal de que folhas tivessem sido arrancadas.

Católica, a mãe de Fernanda diz não ter coragem de presenciar as manifestações nos centros, mas as considera reconfortantes. “É um remédio para a alma. Um alívio para outros pais que perderam seus filhos, porque mostra que existe a continuidade”, afirma a comissária. É no livro, portanto, que Myrian espera passar a idéia de que a filha está bem. E para escrever a história de Fernanda, contou com a ajuda dos amigos, colegas e das pessoas mais importantes da vida da modelo.
Uma delas, o empresário Ike Cruz, que foi casado com Fernanda, é quase um filho para a ex-sogra. Desde a morte da ex-mulher, manteve o hábito de passar todo Natal na casa da família Vogel. “Me ajuda a superar a perda, saber que fiz, e ainda faço, parte de uma família. A Fernanda foi importante pra mim no campo pessoal e profissional. Saí da casa dos meus pais pra morar com ela. Ver a felicidade da Myrian hoje é prioridade pra mim”, disse Ike. 

Myrian recebeu de Ike dois canudos idênticos com papéis de Fernanda. Confundiu-se e abriu o mesmo canudo duas vezes, achando que tinha aberto os dois, e viu apenas fotos de uma campanha da filha. Dias depois, procurava lembranças da filha para incluir no livro quando um dos canudos caiu de um móvel aos seus pés. Dentro dele estava um desenho feito por Fernanda em que ela se auto-retratava como uma sereia, numa noite de chuva no mar. A data do desenho era de 27/12/00, exatamente sete meses antes do acidente.

Separada desde janeiro do segundo marido, Jorge, pai de seu filho caçula Eduardo, 14, e que cuidou de Fernanda desde os 6 anos, Myrian ainda faz duas sessões semanais de terapia e toma remédios para conviver com a dor da perda da filha. Ela já decidiu que parte da renda do livro será destinada a uma instituição de caridade. É uma das maneiras que encontrou para pôr em prática seus novos objetivos de vida. “Quero agora transformar a dor em amor. Homenagear a Fernanda e fazer o bem.”

quinta-feira, 30 de abril de 2015

PERNOITE NO TRIBUNAL

O julgamento já tinha começado quando o repórter chegou ao Tribunal do Júri pra render o setorista do Judiciário, num tempo em que os jornais tinham não só o setorista do Fórum como gente suficiente pra mandar alguém render ele e garantir a cobertura in loco das quase vinte horas de julgamento de um caso emblemático, de grande repercussão na época. E o réu nem era o primeiro do caso a ser julgado, mas o segundo. Outro ex-policial já tinha sido condenado semanas antes, o que não mudou em nada a determinação da chefia, de mandar ficar lá o julgamento inteiro, inclusive as quatro horas de espera pela sentença, das quatro e tanto da madrugada às nove da manhã, período em que o repórter até vagou um pouco por corredores vazios do Fórum só pra contemplar, sem se distanciar muito da escadaria da entrada, o Centro da cidade completamente vazio, às escuras, tendo apenas a extensão da Rua Primeiro de Março a separá-lo do local onde, também de madrugada, foram cometidos os crimes relatados na matéria abaixo.
 
Jornal do Brasil, edição de sexta-feira, 29 de novembro de 1996


"A hediondez dos fatos imputados ao réu, norteados pelo infamante propósito de exterminar menores socialmente marginalizados, e a forma cruel como foram eles executados, quando as vítimas indefesas foram colocadas diante de uma expectativa inapelável da morte naquela madrugada de terror e barbárie, conduzem, inevitavelmente, ao mais profundo juízo de reprovabilidade".

Depois de 19 horas de julgamento no Segundo Tribunal do Júri, o ex-soldado da Polícia Militar Nelson Cunha, réu confesso da chacina de 23 de julho de 1993 na Candelária, foi condenado a 261 anos de prisão pelo assassinato de oito meninos de rua e tentativa de homicídio contra Vágner dos Santos, principal sobrevivente e testemunha do massacre. Após cerca de quatro horas de reunião na sala secreta, os sete jurados decidiram não acatar a tese do advogado de defesa, Luís Carlos Silva Neto, de que o ex-PM teria sido coagido a participar da chacina. Silva Neto só conseguiu absolver Cunha de uma das acusações, a de tentativa de homicídio contra outros cinco meninos que sobreviveram à tragédia. Por ter sido condenado a mais de 20 anos de prisão, o réu será submetido a novo júri, ainda sem data definida.
Durante o julgamento, que começou às 14h30 de quarta-feira e só terminou às 9h30 de ontem, o promotor Maurício Assayag conseguiu convencer os jurados de que Nélson Cunha participou conscientemente da chacina, juntamente com os ex-PMs Marco Aurélio Alcântara, Marcos Vinícios Borges Emanuel e Maurício da Conceição, o Sexta-Feira Treze, morto em abril de 1994. Ao confessar o crime, no ano passado, Cunha disse que acompanhou o grupo liderado por Sexta-Feira Treze pensando que iria atrás de dois assaltantes que teriam invadido sua casa um dia antes da chacina. O réu chegou a afirmar que foi coagido a participar do massacre.
Defesa e promotoria só concordaram em um ponto: a inocência do tenente PM Marcelo Cortes, do soldado Cláudio Luís Andrade e do serralheiro Jurandir Gomes de França, os três primeiros acusados pela chacina, que ficaram presos até a confissão de Cunha e serão julgados no próximo dia 9. "O réu só confessou o crime um ano depois da morte de Sexta-Feira Treze, quando já havia sido expedido mandado de prisão contra ele. Até confessar, Nélson Cunha deixou que três inocentes ficassem presos sem fazer nada", disse Assayag no tribunal.
Os dois lados também mostraram sintonia ao praticamente ignorar o depoimento de Vágner dos Santos, que novamente não reconheceu Cunha como um dos participantes da chacina. A testemunha acusou Marcelo Cortes e o soldado PM Carlos Jorge Liafa, sequer arrolado como acusado no processo, de o terem seqüestrado na Praça Mauá, para levá-lo, junto com dois menores, ao Museu de Arte Moderna, onde os três foram baleados pelo bando. Tanto o promotor quanto o advogado de defesa sustentaram a confissão do réu, aceitando a tese de que Cunha baleou Vágner acidentalmente dentro do Chevette de Sexta-Feira Treze.
O acusado recebeu a pena máxima (30 anos) por sua participação em cada um dos oito homicídios e foi condenado a 18 anos de prisão pela tentativa de assassinar Vágner. Somando os agravantes pelo fato de três vítimas (Paulo José da Silva, Paulo Roberto de Oliveira - Pimpolho - e Ânderson de Oliveira Pereira - Careca) terem menos de 14 anos, e levando em consideração um fator atenuante, o de que Cunha confessou o crime, o ex-PM foi condenado a 27 anos por cinco homicídios, e a 36 anos por cada assassinato dos menores de 14 anos. Com os 18 anos pela tentativa de matar Vágner, a pena total foi de 261 anos de prisão.

Em sua sentença, o juiz José Geraldo Antônio chegou a afirmar que "a hediondez dos fatos imputados ao réu, norteados pelo infamante propósito de exterminar menores socialmente marginalizados, e a forma cruel como foram eles executados, quando as vítimas indefesas foram colocadas diante de uma expectativa inapelável da morte naquela madrugada de terror e barbárie, conduzem, inevitavelmente, ao mais profundo juízo de reprovabilidade".
Apesar da sentença, Silva Neto comemorou a absolvição de Cunha nas acusações das cinco tentativas de homicídio contra os sobreviventes Marcelo Gomes da Silva Bento e os menores Rogério da Silva, Sérgio Dias Gomes, Jacaré e Barão. "Vencemos 40% da batalha e a guerra continua. O juiz reconheceu a atenuante de o réu ter confessado, mas não pôde fugir ao parâmetro de pena imposto no julgamento do primeiro réu (Emanuel). Mas estamos confiantes em absolver meu cliente no próximo julgamento", disse o advogado, garantindo que vai apelar em separado da condenação pela tentativa de homicídio contra Vágner.
Os promotores Maurício Assayag e José Muiños Piñeiro Filho não quiseram comentar o resultado do julgamento. Não houve unanimidade em nenhuma das decisões dos jurados.

quinta-feira, 5 de março de 2015

FOI-SE

Qual a melhor fantasia de Heidi Klum, a rainha das festas de halloween?
Cleópatra, de 2012, Mulher anatomia, de 2011, ou Vovó, de 2013?

A enquete acima estampa agora, no momento em que isso aqui está sendo escrito, a capa do site da revista Istoé Gente, e explica em boa parte, na modesta opinião de quem por lá trabalhou por quase seis anos, desde a equipe inaugural, o fim da revista anunciado oficialmente anteontem pela Editora Três, empresa, aliás, contra a qual este Relatos não tem queixa alguma, muito pelo contrário.

A lamentar, sem dúvida, o fim da Istoé Gente, ainda mais por quem acompanhou de perto o embate até rápido demais entre uma ótima ideia e o lugar comum, desde o início com força total para a ótima ideia, o projeto original, até a terceira edição, quando a matéria diferente, do dia-a-dia de nossa vida cotidiana, com gente comum, concorreu à capa e perdeu para a separação de Adriane Galisteu e Roberto Justus.

Mesmo assim, até dar na enquete que abre o texto, a boa idéia resistiu um bom tempo na revista, às vezes com menos outras com mais espaço, mas resistiu, e por isso é obrigatório, nesse momento de adeus, registrar o agradecimento pra toda vida por tudo o que a saudosa revista Istoé Gente proporcionou ao autor deste blog, do céu estrelado no meio do nada, no sertão do Piauí, ao concerto com o presidente em Varsóvia; do samba de roda no quintal de Dona Canô às demais entrevistas e matérias responsáveis por pelo menos setenta por cento da produção deste Relatos, que é, basicamente, um currículo, currículo de repórter.

A propósito: não sei quem é Heidi Klum, mas pela foto dela no site, voto na Mulher anatomia.

A matéria abaixo saiu mesmo na Istoé Gente, envergonhadinha, com pouco espaço para o texto, mas saiu, inclusive a foto, do Kiko Cabral.

Revista Istoé Gente, edição 28, de 14 de fevereiro de 2000 

Num acesso de fúria, Domingos matou sete pessoas, das quais seis pertenciam à família de sua ex-mulher.

Ricardo, 21, Fábio, 20, Fernanda, 17, Fernando e Cristina, 16, Bruno, 15, Cristiano, 13, Cássia e Tiago, 12, Bárbara, 11, Priscila, 10, Cíntia, 8, Edilson, 7, Cássio e Larissa, 4, Brenda, 3, e Otávio, 1, passaram a compartilhar uma história em comum em suas vidas. Os 17 tiveram seus destinos selados no último dia 31 pelo camelô Domingos Amorim Pinto, 40. Tornaram-se órfãos da chacina feita por ele na noite de segunda-feira, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio. Num acesso de fúria, Domingos matou sete pessoas, das quais seis pertenciam à família de sua ex-mulher, Marilene Fernandes Soares de Lima, 34, com quem tinha uma filha, Priscila, com 10 anos, e tentou a reconciliação dias antes da tragédia. No dia seguinte, os 17 receberam uma nova mãe. Sobrevivente da chacina, a tia Mariléia Fernandes Soares, 29 anos, dona-de-casa e mãe de dois filhos, anunciou que irá criá-los.
Além da ex-mulher, Domingos assassinou duas ex-cunhadas, Tânia Regina Fernandes Soares, 41, e Marina Fernandes Soares de Lima, 38. Matou, em seguida, a ex-sogra Teresa Fernandes Soares, 68, e o ex-concunhado Luiz Ederaldo Alves Martins, 41. Seguiu para a casa do cunhado de Marina, José Ferreira de Lima, 38, e matou ele e o vizinho da família, João Batista Mendes de Souza, 22. Não satisfeito, Domingos partiu para Belford Roxo, na Baixada Fluminense, em busca de mais vítimas. Lá, Mariléia foi acordada por gritos que vinham do lado de fora de sua casa. Ainda sem entender o que estava acontecendo, ela foi até a janela e avistou o ex-cunhado de revólver em punho. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Mariléia teve de se proteger dos tiros que o camelô começou a disparar. Ela entrou em casa, gritou pelo marido, o supervisor do cais do porto Flávio Fernandes Soares, 30, e mandou que os dois filhos, Jefferson, 8, e Joice, 4, deitassem no chão do quarto. Depois de atirar quatro vezes sem ferir ninguém, Domingos se afastou da casa e deu um tiro na própria cabeça. Ele chegou a ser internado em coma no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, mas morreu na noite do dia 2 de fevereiro.
A família Fernandes Soares pagou o preço pela separação de Domingos e Marilene. A ex-mulher do camelô, com quem vivia havia dez anos, o abandonou há quatro meses, acusando-o de assediar sua filha Cristina, 16 anos. Inconformado, o camelô tentou reatar várias vezes, até que decidiu se vingar não só de Marilene, mas de toda a família da ex-mulher. A atitude de Domingos surpreendeu a todos, principalmente Mariléia. "Ele era um sujeito tranqüilo, até brincalhão", conta a dona-de-casa, que chegou a ser namorada de Domingos quando tinha 16 anos. "Foi um caso passageiro, antes de ele conhecer minha irmã."
Dos 17 órfãos, apenas dois não são seus sobrinhos - Larissa e Otávio, filhos do vizinho assassinado. Ainda em estado de choque com a tragédia, Mariléia disse que cuidará dos órfãos. "Deus me deixou viver para que eu pudesse ajudar a criar essas crianças. Vou fazer o que puder", afirmou. Será ajudada pelos mais velhos, Fábio - balconista em um restaurante em São Gonçalo -, e Ricardo - que trabalha como jardineiro. A dona-de-casa ainda não decidiu se vai se mudar para o terreno de 300 metros quadrados no Arsenal, onde foram construídas as quatro casas dos parentes. Ela vive à custa do marido, que trabalha no cais do porto e não tem salário fixo. "Ele só ganha quando tem trabalho", explicou. Apesar do dinheiro escasso, Mariléia garante que nada vai faltar aos sobrinhos. "Não vou deixar que isso aconteça", assegura.