sexta-feira, 24 de julho de 2015

LIMITES E VIZINHANÇAS


Pode ser que em algum lugar do planeta seja diferente, mas a sensação é de que a "polêmica" da matéria aí embaixo é universal, acontece em qualquer cidade, de qualquer país.

Jornal O Fluminense, edição de domingo, 29, e segunda-feira, 30 de janeiro de 1995

"Se vou fazer uma compra com crediário e digo que moro em Santa Rosa, logo me perguntam o endereço, para saber se é próximo de Icaraí ou do Cubango. Se digo que moro em Icaraí os vendedores aceitam meu crediário tranqüilamente".

Icaraí ou Santa Rosa? Santa Rosa ou Cubango? Fonseca ou Bairro Chic? Dúvidas desse tipo sempre foram comuns em Niterói, onde os limites entre alguns bairros são praticamente imperceptíveis e variam de acordo com  a vontade dos moradores. Muitas vezes, a falta de informação ou a tentativa de manter um certo status fazem com que ruas em Santa Rosa passem a ser consideradas como território de Icarai, por exemplo. O mesmo acontece entre Santa Rosa e Cubango, onde é clara a preferência da maioria das pessoas por Santa Rosa.
A confusão ocorre em toda a cidade, mas o exemplo de Icaraí e Santa Rosa é o mais significativo. De acordo com a divisão tradicional da cidade, a Avenida Roberto Silveira separa os dois bairros. O trecho da avenida até a praia é considerado Icaraí, enquanto o outro lado faz parte de Santa Rosa. Apesar de simples, o limite é praticamente ignorado, principalmente por quem mora nas ruas próximas à Roberto Silveira, no lado de Santa Rosa.
"Acho que moro na fronteira entre Santa Rosa e Icaraí, mas dependendo da pessoa com quem estou falando digo que moro em Icaraí. Em lojas, por exemplo, o preconceito contra Santa Rosa é maior. Se vou fazer uma compra com crediário e digo que moro em Santa Rosa, logo me perguntam o endereço, para saber se é próximo de Icaraí ou do Cubango. Se digo que moro em Icaraí os vendedores aceitam meu crediário tranqüilamente", conta a professora Adriany Costa, 25 anos, que mora no edifício número 45 da Rua Tenente Mesquita, teoricamente em Santa Rosa.
O zelador do prédio de Adriany, Francisco Ferreira Campos, diz que na correspondência enviada aos moradores o local é reconhecido tanto como Icaraí quanto Santa Rosa, o que é confirmado pela professora. "Minhas contas de luz e telefone vêm endereçadas para Icaraí", afirma. O aposentado Luiz Carlos Rocha Alves, 56, mora no mesmo edifício e usa a dúvida sobre o bairro para criticar a Prefeitura. "Aqui é Santa Rosa, mas parece que a Prefeitura considera a rua como Icaraí e, com isso, cobra um IPTU mais caro", protesta.
Para tentar acabar definitivamente com a confusão, a Prefeitura pretende estender a área de Icaraí até a Rua Geraldo Martins. O Plano de Urbanismo Regional (PUR) da Região das Praias da Baía, que compreende Icaraí, Santa Rosa, Centro, São Francisco e Jurujuba, prevê essa mudança e vai ser colocado em discussão na Câmara Municipal.
"Queremos fazer isso apenas para facilitar a vida dos moradores dessa região. Todo mundo considera o trecho até a Rua Geraldo Martins como Icaraí, inclusive companhias como a Cerj e a Telerj", explica Cláudia Caputo, que trabalha no Departamento de Urbanismo da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Abiente e participou da elaboração do PUR da Região das Praias da Baía.
Com o novo limite, locais como o Estádio Caio Martins passariam a ser reconhecidos oficialmente como território de Icaraí. Para fazer a mudança, os técnicos da secretaria levaram em conta a forma de ocupação da região, os padrões das construções, as bacias de esgotamento e o sistema viário, entre outras características.
Pelo menos nos Correios de Niterói, a confusão com os bairros não representa perigo de extravio de correspondência: "Trabalhamos com faixas de CEP Aqui em Niterói temos três centros de distribuição domiciliar: o Central, que abrange o Centro e a Zona Sul; o do Largo da Batalha, que distribui para a área de São Francisco até a Região Oceânica; e o do Largo do Barradas, que fica responsável pela Zona Norte. Se o CEP da carta estiver correto ela vai chegar ao seu destino, não importa o bairro indicado", garante Hélson dos Santos Vellez, chefe da Região Operacional dos Correios 08, que cuida da correspondência de Niterói, São Gonçalo e de todo o território até Rio das Ostras, na Região dos Lagos.

O caso clássico. A fronteira entre Santa Rosa e Cubango também gera muita polêmica entre a população de Niterói. Teoricamente, a Rua Noronha Torrezão está situada entre os dois bairros. De acordo com o mapeamento do município, a via faz parte de Santa Rosa até a esquina com a Rua Vereador Duque Estrada, quando entra no território do Cubango. Muitas pessoas que moram depois da Vereador Duque Estrada, no entanto, fazem questão de dizer que residem em Santa Rosa. Afinal de contas, o trecho não representa apenas a divisão entre dois bairros, mas o limite entre a prestigiada Zona Sul da cidade e a castigada Zona Norte.
Talvez seja por isso que a professora Elizete Carmem Esteves, 31 anos, faça questão de dizer que mora em Santa Rosa, apesar de residir no numero 335 da Rua Noronha Torrezão, depois da Vereador Duque Estrada. "As pessoas se localizam melhor quando eu falo que moro em Santa Rosa", justifica-se Elizete. A vizinha da professora, Cristina Guimarães, de 18 anos, também se considera moradora de Santa Rosa. "A divisão dos bairros é só na Rua 22 de Novembro", garante a desinformada moradora do Cubango.