sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

ZÉ RAMALHO

A primeira entrevista com o sujeito tinha sido há cinco anos e tinha rendido não só o primeiro CD da vida do repórter, atrasado por demais nas questões tecnológicas, como a primeira viagem de avião, na primeira matéria apurada fora dos limites do estado do Rio de Janeiro, já registrada aqui nestes Relatos. O CD, aliás, era ótimo, mas a entrevista, no play do prédio onde ele morava, no Rio mesmo, foi curta, só pra preencher um box dentro da matéria sobre o São João de Campina Grande (PB), condição da gravadora pra bancar a viagem. Já a segunda entrevista, essa aí embaixo, no escritório da gravadora, no Rio também, foi bem mais longa.

Revista Istoé Gente, edição 144, de 6 de maio de 2002

"Uma substância como o THC te coloca numa espécie de mixagem, onde você consegue discernir as coisas com calma e sem estresse. No processo criativo, o difícil é ter uma fagulha para começar por algum lugar. Você fumando uma coisa vai ter mais calma pra escolher. Claro que cada cabeça é um mundo, mas comigo funciona assim".

Aos 52 anos de idade e 27 de carreira, o cantor e compositor Zé Ramalho encarna como poucos a decantada capacidade de sobrevivência do povo nordestino. Nascido em Brejo da Cruz, sertão da Paraíba, ele foi tentar a sorte no Rio de Janeiro nos anos 70, sem ter onde morar. Dormiu na rua durante um ano, chegou ao sucesso logo no primeiro disco, mas também conheceu o outro lado da fama. Derrubado pela cocaína, caiu no ostracismo até provar que é, antes de tudo, um forte. Lançando novo disco pela BMG, O Gosto da Criação, só de músicas inéditas, fato raro no mercado fonográfico, o compositor dá prosseguimento à recuperação consolidada em 1997, com o sucesso de Antologia, que celebrou os 20 anos de carreira. Três casamentos – atualmente divide o teto com a economista Roberta –, e pai de seis filhos (entre 6 e 27 anos), Zé Ramalho é hoje um sujeito preocupado com as “irresponsabilidades dos filhos”.


Por que lançar um disco só de músicas inéditas?
Meu disco de estréia, em 1977, tinha “Chão de Giz”, “Avohai” e “Vila do Sossego”, que viraram sucessos. Quando começo uma carreira assim, tenho que respeitar esse compromisso com a força da criação. Hoje tudo é mais fácil quando você regrava músicas conhecidas. As gravadoras torcem o rosto para um disco de inéditas, mas sabem que há uma geração de compositores que tem de ser respeitada.

Hoje é mais difícil trabalhar?
O sistema está muito mais selvagem. Nos anos 70, havia uma carência de autores na música brasileira. Hoje é essa profusão de jogadas, de gente que vira artista da noite para o dia. O sujeito entra numa Casa dos Artistas e depois de 15 dias sai um artista, com disco, fã-clube.

Acha que se adaptaria se começasse hoje?
Não teria chances hoje, que se exige um padrão de beleza. Você tem que ter corpo bonito, não pode ter barriguinha. Nem eu, nem Fagner, Alceu, teríamos chance, porque somos os antigalãs. O formato da gente é o de compositor nordestino. Se chegássemos hoje, íriamos disputar o espaço com um monte de bonitões aí, que fazem três acordes e impressionam.

Como se mantém ativo?
Procuro ver como passar com meu trabalho diante desses fenômenos. Nesses 27 anos, vi aparecer e desaparecer muitos artistas. Surge o Tiririca com a tal da Clementina, e no outro ano some. Todo mundo quer ter seus 15 minutos de fama, não importa como. As mulheres cada vez mais siliconadas, os homens querem ser altos, têm de usar salto alto se são baixos, botar bunda de borracha atrás se não estão bem equipados. São os recursos que as pessoas usam pra chegar onde querem. Se me revoltar com isso, terei mais dificuldades ainda.


É verdade que você foi garoto de aluguel?
Isso foi na época da ditadura. Os militares estavam atrás dos comunistas e não perturbavam os hippies que queimavam fumo no Pier de Ipanema. Chegamos ao Rio, um bando de cabeludos jagunços do Nordeste metidos a hippie. E, nessa história de queimar fumo, pra conhecer as pessoas, viramos ratos de shows. Havia as groupies, garotas que iam ao show a fim de transar com o artista, ou com os músicos do artista, ou com qualquer aficionado. Nessa seqüência você acaba sorteado. No outro dia dormia num quarto de motel, elas tinham pena da gente e davam um troco pra refeição.

O que mais fez para se virar no Rio?
Já empurrei cadeira de aleijado, bati santinhos em gráfica, mais de mil por dia, e achava divertido, sabia que era passageiro. Dormi na rua o ano de 1976 inteiro. Muitas vezes em frente ao Copacabana Palace. Naquela época dava para dormir ali sem ninguém te assaltar. Os policiais te acordavam. Aí mostrava a identidade e dizia “sou do Nordeste, vim tentar a sorte como artista”. O camarada te olhava e dizia “cuidado, hein, pau-de-arara”, e te deixava.


Está rico hoje? 
Tenho um apartamento no Leblon (zona sul do Rio) e uma casa na praia lá no Nordeste, pra passar férias. Já é o suficiente, e tenho que ter dinheiro pra bancar irresponsabilidade dos filhos, que começam a fazer netos aí.


Já é avô?
Tenho dois netos, e sobra pra quem? Pro avô. Disse para o meu filho (João, 22, pai de Joana, de 3 meses. A outra neta é Esther, 3, filha de Maria Maria) que hoje, quando se fala abertamente de sexo, não admito você chegar e dizer que engravidou uma menina por acidente. Não quero ouvir nada disso, porque quando tinha a idade dele fiz tudo o que ele faz hoje e não emprenhei ninguém. Meus filhos são todos feitos de casamentos. Acho que sexo é uma coisa normal. Não é normal você engravidar com 16 anos. Quer ter filho, deixa pra depois dos 30.


Mas não fica o orgulho de avô?
Fica. Mas família é bom pra tirar foto, depois é só problema. Sou aquele avô que tira a foto com o neto e depois diz “toma, que o filho é teu”. Minha filha mais nova (Linda) tem 6 anos. Até os 50 ouvi choro de criança em casa. Não agüento mais. Neto pra passar fim de semana comigo, nem morto.


Como foi seu envolvimento com cocaína?
Vim morar no Rio em 1984, quando acabou meu segundo casamento (com a cantora Amelinha). Naquela época o Cartel de Cáli espalhou a cocaína pelo Rio. Ia às festas e gostava. Só não esperava que o envolvimento fosse tão grande. Fiquei muito preso a isso, a ponto de a qualidade do meu trabalho começar a decair. Ficava horas sem dormir. As gravadoras perceberam que eu não queria mais gravar programas, na televisão não podia estar muito crispado, com o rosto transfigurado. Isso pesou e me deram um tempo. Concluí o último contrato em 1987 e fiquei quatro anos parado. Ficava em casa cheirando direto, eram horas sem dormir, virava noites bebendo, fumando e ouvindo música. Não fazia mais nada. Para muitas pessoas eu já tinha encerrado a carreira.


Como largou a droga?
Cheguei a um ponto que parei e disse “não vim de tão longe pra terminar minha vida desse jeito”. Estava perto do grande abismo, da morte. Podia ter uma síncope cardíaca no meio dessas farras. Continuava a fazer shows, mas eram pelo interior do País, porque estava fora da mídia, sem gravar. Aí vieram duas turnês para os Estados Unidos, em 1990 e 1991. Essas viagens foram importantes porque nesses dois anos comecei a querer desplugar o canal com esse negócio.


Procurou ajuda?
Só você pode te tirar disso, ninguém mais. Você passa por um período doloroso. A abstinência causa uma reação orgânica, aparecem furúnculos na pele. Os anticorpos começam a agir porque o sangue intoxicado de anos não recebe mais a coisa. Fiquei nessa algumas semanas, até que um dia aconteceu de eu acordar sem sentir dores, e pela primeira vez percebi os bem-te-vis do Leblon cantando pela janela. Senti que ali estava resolvida essa história. Nunca mais voltei.

E maconha?
Creio que chegará um futuro em que se desvinculará a maconha da palavra drogas. Maconha é uma erva que pode ser administrada facilmente. Amsterdã, com os cafés que vendem normalmente, prova que as pessoas sabem administrar bem isso. Nada ali se degenerou, não houve podridão na sociedade.

Você fuma para criar?
Sempre que posso. Você aflora sua espiritualidade. Uma substância como o THC te coloca numa espécie de mixagem, onde você consegue discernir as coisas com calma e sem estresse. No processo criativo, o difícil é ter uma fagulha para começar por algum lugar. Você fumando uma coisa vai ter mais calma pra escolher. Claro que cada cabeça é um mundo, mas comigo funciona assim.



Ainda está chateado com Paulo Coelho por ele não ter liberado as músicas para o disco em homenagem a Raul Seixas?
É uma coisa definitiva. Pensei que as pessoas fossem coerentes com aquilo que fazem. Você escreve teu livro falando de amor, bem ao próximo, e pratica o quê? Paulo Coelho faz um trabalho público, as pessoas têm uma imagem dele e o que ele pratica é exatamente o contrário. Outra demonstração de mau-caratismo é liberar uma das músicas que fez com o Raul (“Nasci Há 10 Mil Anos...”) pra novela da Globo (Um Anjo Caiu do Céu) e não para o meu disco. Mas o que passou, passou. Já cumpri minha obrigação com meu amigo Raul.


Que lembranças guarda do relacionamento com Raul Seixas?
A maior delas foi em 1984. Ele tinha brigado com a Kika (viúva de Raul) e passou um fim de semana lá em casa. Conversamos muito, tocamos e fizemos planos de gravar um disco juntos. Numa das manhãs, ele, que batia no meu ombro, pegou umas roupas minhas, foi na farmácia e comprou um tubo de Reativan, aquela bolinha que você toma e fica acordado direto. Me acordou às 7h e queria brindar o Reativan com cuba libre. Acompanhei, porque na época eu estava pegando uma cor no inferno, como se diz.


Acha que Raul foi vítima dessas loucuras?
É o mergulho intenso na vida, como Janis Joplin, Jimi Hendrix. Muitos fãs exigem que o artista se comporte de uma forma tal, mas ninguém pensa que ele pode ter essa opção, “quero ser um camicase”. É triste para uma avaliação social, mas é um direito do artista, porque todas essas pessoas que tiveram esse final sabiam o que estavam fazendo. Sabiam aonde poderiam chegar, até mesmo no ponto extremo que é o de cruzar essa linha, ir para o outro lado.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

NEVE

O primeiro contato foi logo depois de acordar, oito e pouco da matina, ao abrir a cortina da janela do hotel. A noite da chegada tinha sido fria, claro, mas nada muito diferente de Gramado, e além disso praticamente não saímos daquele lugar muito bem aquecido, que em cima era restaurante e embaixo, no subsolo, boate, e onde a garçonete era a Natasha Kinski, a atendente do balcão era a Anna Kournikova e na pista de dança evoluíam Ana Paula Arósio e Nicole Kidman, uma sorrindo, os olhos fechados, outra entregue à música, de frente pro espelho, ignorando um idiota em volta.

A cortina do quarto do hotel era grossa, pesada, e assim que foi aberta mostrou aquela imagem inédita, nunca antes vista, um jardim quase todo branco. Mas neve mesmo, daquela que cai em flocos, nos filmes e nas lembrancinhas mais bregas, só veio a aparecer no estádio de futebol fantasma, inaugurado em 1955 para celebrar o décimo aniversário da rendição nazista. Tinha sido erguido em alguma ruína da Segunda Guerra e parecia incrustado no alto de um pequeno monte, como um teatro grego. Mesmo abandonado há mais de vinte anos, mantinha intactos o campo de futebol, com traves e marcações, e boa parte das arquibancadas. Em volta, nas bordas daquele vale, as barracas de camelô ofereciam uma infinidade de produtos, do capacete nazista perfurado a bala ao sobretudo do comandante soviético, da pistola usada, sim, com certeza, no motim do gueto, ao terço benzido por Sua Santidade, o papa. E foi quando eu examinava nas mãos um quepe bege, com a foice e o martelo bem no meio da testa, que começou a nevar. Milhares de flocos do mesmo tamanho, que caíam devagar, como que flutuando, e que voltaram a cair no pátio do palácio presidencial da Polônia, durante a visita do presidente brasileiro, o primeiro da história a aparecer por lá, à frente de uma comitiva enorme de políticos, empresários, convidados de multinacionais e, lógico, jornalistas.

Abaixo, a matéria, típica de revista. As fotos são do André Durão.

Revista Istoé Gente, edição número 135, de 4 de março de 2002

“Ah, nisso eu sou Romário. Quanto a isso não há dúvida”.

Uma menina de 14 anos e um craque de futebol mundialmente conhecido fizeram com que a visita de Fernando Henrique Cardoso à Polônia – a primeira de um presidente brasileiro àquele país – não fosse apenas mais uma série de encontros oficiais, endurecidos pela rigidez dos protocolos diplomáticos. A menina, Júlia Cardoso Zylberstajn, viajava pela primeira vez ao exterior com os avós, o presidente e a primeira-dama, Ruth Cardoso, sem a companhia de outros parentes. Talvez contagiado por sua presença, FHC não escondia o bom humor, que chegou a provocar surpreendentes declarações de apoio a Romário, na luta do atacante para ir à Copa do Mundo de 2002. No primeiro dia em Varsóvia, durante passeio pela Cidade Velha, centro histórico da capital polonesa, o presidente não quis falar sobre a campanha para sua sucessão, mas não resistiu a uma pergunta sobre a convocação, ou não, do craque para a seleção. “Ah, nisso eu sou Romário. Quanto a isso não há dúvida”, afirmou.
Se o artilheiro vascaíno foi assunto na Polônia sem sair do Rio de Janeiro, Júlia só precisou ir a um evento da programação oficial do presidente em Varsóvia para dar um toque de suavidade à comitiva do avô. Ainda no domingo, durante o concerto no Teatro da Orquestra Sinfônica de Varsóvia – patrocinado pela Brasil Telecom –, ela sentou-se na mesma fila dos avós, do presidente da Polônia, Aleksander Kwasniewski, e da primeira-dama Jolanta Kwasniewska.
Ao lado de dona Ruth Cardoso, a filha de Beatriz Cardoso e de David Zylberstajn (ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo e ex-genro de FHC) acompanhou a apresentação da Orquestra Sinfônica da Rádio e Televisão Polonesa, que, regida pelo polonês naturalizado brasileiro Henrique Morelembaum, tocou a abertura de O Guarani, de Carlos Gomes, além das Valsas Humorísticas, de Alberto Nepomuceno, e o concerto para piano e orquestra Formas Brasileiras, de Hekel Tavares. No fim do programa tipicamente brasileiro, a menina, que junto com o irmão, Pedro, 9, costumava dormir no quarto dos avós quando visitava o Palácio da Alvorada, não escondeu a empolgação com o encerramento preparado pela produção do concerto. Sutilmente, acompanhou com a cabeça o som dos nove ritmistas de escolas de samba cariocas que, comandados pelo mestre de bateria Jorjão, tocaram Aquarela do Brasil junto com os músicos poloneses.
O bom humor de Fernando Henrique continuou afiado no segundo dia da viagem, durante a entrevista coletiva realizada após a reunião no Palácio Presidencial, onde os presidentes trataram de assuntos em comum entre os dois países. No discurso antes da entrevista, Fernando Henrique arrancou risos ao dizer que tinha estado na Polônia para aprender. “A primeira coisa que aprendi foi a pronunciar o nome de meu colega, ‘Qua-chi-niévski’”. FHC elogiou a vodka polonesa servida no jantar de domingo, quando foi informado por Kwasniewski de que o Brasil exportava álcool para a Polônia. Na ocasião, o presidente tranqüilizou o colega polonês que, em tom de brincadeira, manifestara a preocupação de que o álcool brasileiro pudesse prejudicar a qualidade da principal bebida da Polônia.
“Disse a ele que, provavelmente, o álcool exportado pelo Brasil só era bebido por automóveis”. Até a última pergunta da entrevista – feita ao presidente polonês a respeito de boatos sobre a possível candidatura da primeira-dama à prefeitura de Varsóvia – gerou brincadeiras de FHC. Depois da resposta do colega, ele pediu a palavra para um último comentário. “É só para dizer que, se ela se candidatar, terá o meu voto.”
Não faltou quem pegasse carona na descontração do presidente para garantir momentos inesquecíveis. Foi o caso de Jorjão e seus ritmistas, que ganharam uma foto ao lado de Fernando Henrique. “Pedi e ele aceitou na hora. Essa foto vai para o currículo”, disse o mestre de bateria da Acadêmicos do Grande Rio.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

FLORZINHA

Na época da matéria abaixo, Clarissa Garotinho era uma menina de 20 anos que começava a dar os primeiros passos na política, mesmo dizendo que não queria isso. Foi eleita vereadora sete anos depois. Aos 29 foi eleita deputada estadual e aos 33 assumiu uma cadeira na Câmara dos Deputados, em Brasília. Vivia-se o auge do poder da família Garotinho no tempo da entrevista, bem diferente dos dias conturbados de hoje, nos quais Clarissa voltou a ficar em evidência por conta de cenas que em nada contribuem com a busca eterna, utópica, por uma sociedade saudável, e que não deveriam ter sido tão difundidas como de fato foram, no show de horrores que a chamada grande mídia, principalmente, ajudou a transformar o País. 

Revista Istoé Gente, edição 163, de 16 de setembro de 2002

“Se um dia perceber que isso fará parte de um projeto para o bem, aceito, mas por enquanto, não”.


No fim de junho passado, Clarissa Matheus, 20 anos, reuniu-se pela primeira vez com equipes de panfletagem da campanha do pai, Anthony Garotinho, à Presidência. Depois de dar dicas sobre o trabalho a ser feito, foi ovacionada por um coro que a chamava de Florzinha. Referência ao nome da mãe, a candidata ao governo do Rio Rosinha Matheus, o apelido foi apenas uma brincadeira de correligionários, mas a vocação política da mais velha entre os quatro filhos biológicos de Rosinha e Garotinho já é uma realidade. Clarissa acompanha Garotinho nas viagens pelo Brasil, representa a mãe no interior do Rio e, desde a sexta-feira 6, tem uma agenda própria de compromissos eleitorais.
É dela a responsabilidade de manter a tradição da família apresentando semanalmente um programa de rádio, compromisso que teve início com Garotinho quando este era prefeito de Campos. A tarefa estava a cargo da mãe, que acabou impedida pela Lei Eleitoral. Mesmo substituindo a mãe, Clarissa optou por ficar mais próxima do pai. “Meu pai sempre teve minha mãe do lado. Agora ela não pode acompanhá-lo e estou no lugar dela”, explica. Nada, porém, que provoque ciúmes na candidata a governadora. “Clarissa está despontando como uma liderança jovem. Esperava isso”, diz Rosinha.
O interesse pela política começou cedo. Aos 4 anos, decorava o jingle da campanha do pai, então candidato a deputado estadual, e o repetia nas aulas. “Subia na cadeira e falava para os colegas.” Na Faculdade Cândido Mendes, onde cursou um período de Direito, interrompeu uma palestra para defender Garotinho, durante a crise provocada por denúncias de que o cineasta João Moreira Salles teria auxiliado financeiramente um traficante carioca. As denúncias culminaram com a saída do governo do então coordenador de Segurança Pública Luís Eduardo Soares. “Ele falou mal do meu pai o tempo todo. Me apresentei, pedi a palavra e dei a minha versão dos fatos. Tinha umas 300 pessoas no auditório, que me aplaudiram de pé”, conta, orgulhosa.
Na aula do curso de Jornalismo da Faculdade Hélio Alonso, um professor criticou o Piscinão de Ramos, menina dos olhos do governo Garotinho. Sem informações suficientes para se defender, Clarissa levantou, junto a assessores do pai, todo material que precisava sobre o projeto. Na semana seguinte, convenceu o professor de que ele estava errado.
A faculdade está trancada no 5º período por causa da campanha. Há dois meses, terminou um namoro de dois anos, o que só fez aumentar o ciúme de Garotinho. “Quando atendo o celular ele fica logo perguntando quem é. E, quando percebe alguém me olhando nas passeatas, me abraça logo”. A julgar pelos recados apaixonados recebidos por Clarissa, o ciúme do pai é justificável. “Um garoto mandou e-mail para o PSB dizendo que eu era a musa dele. Outro, me escreve de Santa Catarina desde julho, mas isso é onda de campanha. Deve acontecer com filhas de outros candidatos”, despista com modéstia.
Seguir carreira política, porém, ainda está fora dos planos de Clarissa. “Se um dia perceber que isso fará parte de um projeto para o bem, aceito, mas por enquanto, não”, diz ela, que assume ter herdado a determinação do pai e a teimosia da mãe.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

PRESUNTOS

O presunto era, em priscas eras, uma espécie de rito de iniciação do repórter. O presunto era pobre, sempre, negro, mulato ou "moreno" na maioria as vezes, quase todos não identificados. Podia estar escondido no mato, jogado numa vala à beira da estrada ou espremido na mala de um carro, como na foto ao lado, e quase sempre estava todo furado de tiro, bala de todo calibre e também faca, muitas vezes torturado. O presunto era a deixa pra ser valente, ver presunto e subir morro, pra mostrar valentia, era o que queria muito repórter na época na casa dos vinte e um ou dois aninhos, ainda que no primeiro de todos eles, na enorme comunidade de Jardim Catarina, em São Gonçalo, tenha sido mais conveniente ficar mesmo do lado de fora.

O fotógrafo, bem mais experiente naquilo, usava sapato branco e foi logo entrando no barraco pendente, de ripas que mal ultrapassavam um metro e sessenta de altura, toda a casa um pouco maior que um Fusca. Havia parentes, amigos e vizinhos do lado de fora, e o repórter se deixou ficar por ali, entrevistando baixinho, rapidinho, até que um primo da vítima saiu de dentro do barraco e avançou pra ele com dedo em riste dizendo pra escrever "aí que ia ter volta, que quem fez isso com meu primo vai pagar". E o repórter, claro, escrevendo tudo direitinho no bloco que eram as laudas dobradas e grampeadas, pra sair logo dali assim que viesse o fotógrafo, como de fato ocorreu, sem a menor vontade, muito menos valentia pra ver presunto nenhum.

Depois vieram outros, diversos, vistos até bem de perto. Presuntos no morro, em becos e latões de lixo, no mato entocado ou no descampado, esparramado. Vários, todo dia aparecendo por aí, e hoje devem continuar aparecendo, sem a cobertura jornalística de outros tempos a não ser em cada vez mais raros jornais que se dedicam a isso. E como hoje é Dia de Finados, o Relatos presta homenagem a essa pobre, sofrida gente que morre toda madrugada por aí, na guerra diária da vida.

A matéria abaixo é a da foto que ilustra o texto, do pequeno grande Raimundo Neto, digníssimo representante da alta burguesia de Jurujuba. A matéria tá bem no formato de um milhão de outras iguais a ela. Está aí, em honra ao presunto desconhecido, sem nomes, mas com patente, sobrenome e apelido, porque lá no fundo, embaçado pelo tempo, pela impressão nada perfeita do jornal, aparece o repórter desfocado, em toda a vivacidade de seus vinte e dois anos de idade. Só por isso.

Jornal O Fluminense, edição de domingo, 2, e segunda-feira, 3 de outubro de 1994

O cabo Paixão tinha tiros por todo o corpo e foi atingido na cabeça com um tiro de escopeta, calibre 12. O motorista Tita também apresentava várias perfurações. Segundo a perícia, as vítimas foram atingidas com 12 tiros de vários calibres - 12, 38 e diversos projéteis de pistola.

Um policial militar e um motorista de táxi foram encontrados mortos, na manhã de ontem, na mala de um táxi Chevette, número 1676, de placa AK-4053, de Niterói, estacionado em frente ao número 651 da Rua Padre Francisco Lana, em Santa Rosa. Ambos estavam sem documentos, mas foram identificados como o cabo Paixão, lotado no 12o BPM, e o taxista conhecido como Tita, que costumava fazer ponto na rodoviária de Niterói. Os dois cadáveres estavam com tiros por todo o corpo e a polícia ainda não sabe o motivo do crime.
O carro foi deixado em Santa Rosa por volta das 7h e a polícia foi chamada porque os moradores viram o sangue que escorria da mala do veículo. Os soldados Eliel e Bacellar foram os primeiros a chegar ao local e registraram a ocorrência. Eliel informou que o cabo Paixão, que aparentava 35 anos de idade, fazia trabalho interno no Batalhão. O soldado não tinha idéia do motivo do duplo homicídio.
Os corpos foram levados para o Instituto Médico-Legal (IML) de Niterói no próprio táxi. O cabo Paixão tinha tiros por todo o corpo e foi atingido na cabeça com um tiro de escopeta, calibre 12. O motorista Tita também apresentava várias perfurações. Segundo a perícia, as vítimas foram atingidas com 12 tiros de vários calibres - 12, 38 e diversos projéteis de pistola - e os dois foram mortos por volta das 5h de ontem. Ambos eram morenos e o taxista aparentava ter 28 anos de idade. O PM estava à paisana e Tita vestia calça e jaqueta jeans. A ocorrência foi registrada na 77a DP (Santa Rosa).

domingo, 30 de outubro de 2016

MUNDO CÃO

O mundo, como se sabe, está repleto de histórias tristes, tragédias pessoais que, de vez em quando, na rotina de repórter de editoria geral, fazendo de um tudo, era preciso apurar. Ia-se inclusive a enterros, tentava-se alguma informação entre o desespero de uma, a tristeza sem solução da outra, e assim foi feito para a matéria ai embaixo, assinada também pelo Fábio Varsano.

Jornal do Brasil, edição de terça-feira, primeiro de abril de 1997


"Ouvi ela berrando 'mãe! mãe!' e pensei que a mãe estava batendo nela. Depois, os gritos pararam e só escutei os latidos dos cachorros".

A menina Isabel Salcedo Silva, de 6 anos, foi morta na tarde de domingo por três cães pastores que guardavam a casa de seu padrinho, em Sepetiba, Zona Oeste do Rio. A garota foi atacada depois de ter pulado o muro, por volta das 15h30, quando o padrinho, o aposentado Jorge Pereira Pinto, de 47 anos, e sua esposa, Tânia Barbosa, já haviam saído. Segundo o pai de Isabel, Édson Fernandes da Silva, de 29 anos, ela já conhecia os cachorros e tinha o costume de pular o muro para brincar na casa dos padrinhos.
Jorge e Tânia moram em Bangu e usam a residência no número 101 da Rua Elisa, em Sepetiba, como casa de veraneio. Isabel morava com a família no número 150 da mesma rua, a menos de 100 metros. No domingo, a menina foi cedo à casa de Jorge e Tânia, em busca do ovo de Páscoa prometido pelo casal. "Ela saiu assim que viu os padrinhos chegando e passou a manhã com eles", contou Édson.
Isabel voltou para casa às 13h30, ofereceu pedaços de seu ovo as irmãos e foi dormir. Às 15h, ela acordou e foi brincar na rua, onde viu a madrinha sair de carro. Logo depois, decidiu pular o muro. Só que desta vez foi atacada pelos cães.
Morador da casa vizinha, o estudante Breno Alexandre dos Santos, de 13 anos, disse que escutou os gritos de Isabel, mas não imaginou o que estava acontecendo. "Ouvi ela berrando 'mãe! mãe!' e pensei que a mãe estava batendo nela. Depois, os gritos pararam e só escutei os latidos dos cachorros", contou.
Preocupada com a demora da filha, Dulcinéa do Nascimento Salcedo, 39, foi procurá-la junto com a nora, Luana Conceição Perez, por volta das 17h. Luana subiu no muro da casa de Jorge e viu o corpo de Isabel perto dos cachorros. Desesperadas, as duas chamaram Édson que, junto com um vizinho e os dois enteados mais velhos - Alan, 17, e Vânder, 16 -, pularam o muro para resgatar a garota.
"Os cachorros vieram pra cima de mim, mas como havia mais gente eles ficaram com medo. Corri na direção da minha filha achando que ela ainda estivesse viva, mas senti que seu corpinho estava gelado quando toquei nela", contou Édson, sem conseguir conter o choro. Os três cachorros morderam a menina na garganta, na orelha e na altura do olho direito. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) apontou as mordidas no esôfago e na traquéia como causa da morte. As roupas da garota também foram arrancadas pelos cães.
Apesar da confirmação de que os cachorros mataram Isabel, o pai da vítima não pensa em processar Jorge e Tânia. "Não posso afirmar que foi responsabilidade de alguém, porque não sei o que aconteceu". A madrasta de Édson, no entanto, tem outra opinião. "Os bichos eram deles e alguém tem de responder pelo que aconteceu"", disse Maria Alice Silva. "Ninguém teve culpa de nada. O que eu queria de verdade era ter minha filha comigo agora", afirmou a mãe da menina, concordando com o marido. O casal mora na Rua Elisa há 11 anos.
Apesar de nenhum parente da menina ter apresentado queixa à polícia, os donos dos cães terão que responder a um inquérito por homicídio, segundo o delegado da 36a DP (Santa Cruz), Eli Alves de Andrade. "Trata-se de um crime de ação pública e independe de queixa forma", afirmou.
Segundo o delegado, os cachorros podem ser considerados armas nos casos de assassinato. "Se ficar comprovado que os proprietários dos animais não tiveram responsabilidade, que foi um acidente, eles poderão ser enquadrados por homicídio culposo. Nesse caso, devem ser absolvidos. Mas se for provado que houve negligência, eles podem ser condenados", explicou. O inquérito foi instaurado ontem e, nos próximos dias, rentes, vizinhos e os donos dos cães vão depor.
A família de Isabel sempre foi amiga dos dons dos cachorros. Antes da chegada dos três pastores, Olga Luiza do Nascimento - uma das oito tias da menina - trabalhou durante cinco anos cuidando da casa de Jorge e Tânia. A própria Isabel chegou a botar os cães para dentro de casa, quando eles saíam para a rua.
"Eu cheguei a bater na minha filha quatro vezes porque ela pulou o muro para brincar dentro da casa dos padrinhos. Sempre dizia para ela não fazer isso, mas não adiantava. Ela dizia que não havia problema porque conhecia os cachorros", disse Édson. Isabel foi enterrada às 16 horas de ontem, no Cemitério de Santa Cruz, na Zona Oeste. Cerca de 50 pessoas, entre parentes e amigos da família, acompanharam o sepultamento. Alguns parentes da menina, emocionados, chegaram a desmaiar.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

TUBARÃO

A matéria abaixo tinha uma outra ao lado, menor, com um sujeito chamado Otto Bismarck, à época "representante no Brasil do Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões, da Universidade da Flórida, EUA". Otto cogitou, na entrevista por telefone ao repórter, a possibilidade de o animal da história ser um tubarão branco. Dias depois, ele confirmaria isso e garantiria que, pelo tamanho da mordida na perna do sujeito, o tubarão só podia ser o branco, o mesmo do filme, clássico, do cartaz ao lado, talvez um pouquinho menor.

Abaixo, a matéria

Jornal do Brasil, edição de terça-feira, de 22 de abril de 1997

"Virei a prancha para voltar e acho que caí quase em cima do tubarão. Só senti a mordida, um puxão na perna, e vi o tubarão saindo, entre o meu corpo e a prancha".

O windsurfista João Pedro Portinari Leão, de 22 anos, foi atacado por um tubarão quando velejava domingo na Enseada de Manguinhos, a cinco quilômetros da costa de Búzios, na Região dos Lagos. João Pedro foi mordido na perna esquerda quando cai da prancha e, apesar de ter perdido 50% da musculatura da panturrilha, ainda velejou por cerca de 20 minutos até a Praia Rasa, onde foi socorrido por um casal de turistas de São Paulo. O acidente surpreendeu moradores e ambientalistas de Búzios, uma vez que este foi o primeiro ataque de tubarão registrado na região nos últimos seis anos.
João Pedro saiu para velejar com um amigo às 13h. Os dois chegaram à Ilha Rasa, a três quilômetros da costa e, de lá, João Pedro seguiu sozinho. "Meu amigo resolveu voltar, mas continuei, até porque já estou acostumado a velejar sozinho por ali", disse o windsurfista, que é sobrinho-neto do pintor Cândido Portinari.
Ao fazer a manobra conhecida como jibe, para voltar à praia, João Pedro se desequilibrou, caiu na água e foi imediatamente mordido pelo tubarão. "Tudo se passou em alguns segundos. Virei a prancha para voltar e acho que caí quase em cima do tubarão. Só senti a mordida, um puxão na perna, e vi o tubarão saindo, entre o meu corpo e a prancha".
Mesmo com metade da panturrilha esquerda dilacerada, o windsurfista conseguiu fazer o chamado water start para subir na prancha - numa manobra que, ironicamente, é conhecida entre os praticantes do esporte como a "hora do tubarão": o windsurfista tem de ficar segurando a vela com metade do corpo dentro d'água, esperando uma rajada de vento para subir junto com a prancha.
Na Praia Rasa, João Pedro foi socorrido por um casal de paulistas. "Tive medo de desmaiar quando estava voltando. Quase apaguei duas vezes e achei que ia morrer se caísse na água de novo", disse. O windsurfista foi levado pelo casal até a casa de um amigo, na Praia Rasa e, de lá, foi para a Clínica Búzios, onde levou cerca de 250 pontos na perna.
João Pedro chegou de avião ao Rio, ainda no domingo, e foi examinado na Clínica Sorocaba, em Botafogo. O windsurfista disse que não chegou a sentir dor. "Só fiquei muito fraco".
Com viagem marcada para julho, quando iria surfar no Taiti, João Pedro teve de mudar seus planos, mas garantiu que voltará a velejar e surfar assim que se recuperar totalmente. A idéia de tatuar um tubarão na perna, no entanto, foi deixada de lado. "O tubarão já deixou a marca dele em mim", brincou João Pedro que, seguindo os passos de sua família, pratica esportes marítimos desde criança.
A previsão para a recuperação total é de, no mínimo, oito meses. João Pedro descansa em casa, no Parque Guinle, em Laranjeiras, na companhia da namorada, a jornalista Mariana Becker.
A notícia do ataque de tubarão surpreendeu o ambientalista Tito Rosemberg, que mora em Búzios há 15 anos. "Temo que haja uma repercussão negativa desse fato, já que Búzios é uma das melhores raias de vela do Brasil. Também velejo e já vi algumas galhas (barbatanas). Talvez os tubarões tenham aparecido por causa da grande quantidade de peixe morto que é deixada na enseada pelos pescadores", disse.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

TEMPOS DIFÍCEIS

Ontem ele foi eleito como o vereador mais votado da cidade, com mais de cem mil votos. Na época da matéria abaixo, ele tinha acabado de ser eleito para seu primeiro mandato, aos 17 anos. As fotos são do André Durão.

Revista Istoé Gente, edição 65, de 30 de outubro de 2000

"Falarei com meu pai antes de tomar qualquer decisão importante".

O vereador mais jovem da história do Brasil defende a pena de morte, a tortura para traficantes de drogas, acha que os integrantes do Movimento dos Sem Terra não passam de vagabundos e faz piada da proposta de legalização da união civil entre homossexuais. Qualquer semelhança com a cartilha de idéias do polêmico deputado federal e ex-militar Jair Bolsonaro, do PPB, não é mera coincidência. Prestes a completar 18 anos, no próximo dia 7 de dezembro, Carlos Bolsonaro sabe que se elegeu às custas do pai e admite, sem qualquer constrangimento, que não terá autonomia na Câmara do Rio. “Falarei com meu pai antes de tomar qualquer decisão importante.”
Eleito com um total de 16.053 votos, Carlos desbancou figurões locais de seu partido como o cantor Agnaldo Timóteo, mas só vai dar expediente na Câmara na parte da tarde. As manhãs serão reservadas para a faculdade de direito, que o calouro na política espera freqüentar a partir do ano que vem. “Estou estudando para o vestibular.” As aulas, no entanto, não vão deixar o gabinete vazio. “Às segundas e sextas, darei expediente no Rio. Em Brasília, ficarei às terças, quartas e quintas”, revela Bolsonaro, o pai.
O deputado é o primeiro a reconhecer a imaturidade do filho e já tomou algumas providências para evitar desastres. Entrevistas de Carlos, por exemplo, só ao lado dele. "O garoto ainda é inexperiente. Pode ser induzido a falar alguma besteira", justifica. Antes da campanha foi o pai quem se desdobrou para conseguir o registro da candidatura do filho. Ele só relaxou ao constatar, numa consulta ao Tribunal Superior Eleitoral, que o candidato precisa ter 18 anos ou mais no dia da posse, mas não para se eleger.
Segundo dos quatro filhos de Jair Bolsonaro, Carlos aceitou de imediato o posto9 de representante do deputado na Câmara carioca. "Como um político que quer sempre evoluir, meu pai necessitava de alguém aqui no Rio", diz. O filho vai assumir o lugar que era da mãe, a vereadora Rogéria Bolsonaro. Eleita em 1996 com o apoio do então marido, Rogéria irritou o deputado ao deixar de consultá-lo para votar alguns projetos. O casal acabou se separando e, depois de muita briga pelo uso do sobrenome, Rogéria saiu candidata pelo PMDB. Sem o apoio do ex-marido, porém, não se reelegeu.
Além de Carlos, Bolsonaro é pai de Flávio, 19 anos, e Eduardo, 16 - ambos do casamento com Rogéria, 40 -, e de Renan, 2, seu filho com Ana Cristina Valle, 32 anos. Flávio e Eduardo moram com a mãe enquanto Carlos vive com o pai, a madrasta e o irmão caçula, num apartamento na Tijuca, Zona Norte do Rio.
O vereador eleito diz que a fama de autoritário e o jeito truculento do pai só aparecem fora de casa. "Ele sempre foi liberal com a gente. Totalmente brincalhão e atencioso." Carlos nunca apanhou, mas já recebeu alguns castigos tipicamente militares. "De vez em quando, mando ele fazer algumas flexões", conta o deputado, sem esconder o riso. O filho também ri. Para ele, o pai nunca está errado. "O que ele diz é sempre válido".
E o que Jair Bolsonaro diz quase sempre causa polêmica. Ele já defendeu, por exemplo, o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso e é a favor da tortura para conseguir informações de traficantes. “Se pegam um cara com 500 quilos de cocaína, têm de saber de onde veio a droga e para onde vai, não importa como tirar essa informação".
Sobre a proposta de união civil entre homossexuais, o deputado reforça o preconceito. "Jamais iria admitir dar de cara com dois bigodudos se beijando", diz. Ao seu lado, o filho limita-se a cair na gargalhada. Tanta submissão, no entanto, não impede que Carlos tenha suas pretensões políticas. O mais jovem vereador do Brasil diz que pretende continuar na vida pública. “Está no sangue."
Sua primeira medida será manter, no gabinete, um advogado criminalista para defender policiais militares processados. Quem fala sobre isso, porém, é o pai. "Muitas vezes, o PM prende um vagabundo, mas o advogado do preso chega antes na delegacia. Aí o policial acaba sendo processado", diz Jair Bolsonaro. Graças a posições como essa, Carlos não pensa duas vezes antes de apontar seu ídolo na política. "É meu pai, não tem mais ninguém".

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

É PELÉ QUEM ESTÁ FALANDO...

A matéria já era capa, um furo, como dizem nas redações, e depois de mais de mês de apuração com algum grau de tensão (a possibilidade de perder a história ou a exclusividade dela, por exemplo, pra outra revista da casa mais velha, mais forte), o repórter enfim começava a escrever, a quatro, cinco horas do auge da insanidade mental de um fechamento semanal, sob a batuta de outra capital. Faltava a posição do mais famoso envolvido no caso, mas isso, dada a condição de atleta do século, ídolo mundial, eterno, do sujeito em questão, já se sabia difícil, quase impossível de conseguir. Na véspera, pela manhã, havia sido enviado o email a quem de direito com o relato do caso, o anúncio do fechamento na noite seguinte e o pedido, por favor, de entrevista. Só restava esperar e escrever a matéria com o aval do diretor de redação, a garantia dele de que tudo bem sem o cara, de que só a confirmação da história que ele tinha ouvido de um amigo e passou para o repórter já estava ótimo.

Então escrevia, o repórter, ou tentava, encasquetava com um monte de coisa logo na abertura e não avançava, quase nada, quando tocou o telefone na mesa da secretária, a primeira, em frente à porta, das seis espalhadas pelos quarenta, cinquenta metros quadrados da salinha da sucursal, que tinha ainda dentro dela dois cubículos ainda menores, um pra fotografia, outro pra chefe. Eram três os repórteres da redação, um se chamava Eduardo e do texto travado na tela do computador deu pra escutar claramente, como sempre, a secretária expansiva, baixinha sorridente ao telefone dizendo: "senhor, aqui nós temos Eduardo e Luís Edmundo. Luis Eduardo nós não temos". Passaram-se três, quatro segundos e tocou o ramal do repórter, que primeiro ouviu a brincadeira trivial, banal, com seu mome (não é o animal, não, né?) e depois a identificação na voz inconfundível, com a nitidez de uma imitação perfeita: "é Pelé quem está falando..."

Abaixo, a matéria.

Revista Istoé Gente, edição 141, de 15 de abril de 2002

"A Flávia é minha filha. Só não falava nada para preservar a privacidade dela”.



Em novembro de 1991, Édson Arantes do Nascimento, o Pelé, arrumou uma brecha em sua agenda lotada de compromissos para um encontro especial em Santos. Durante cerca de uma hora, o maior jogador de futebol de todos os tempos conversou com a então estudante de fisioterapia Flávia Christina Kurtz V. de Carvalho, na época com 24 anos. Logo que viu a moça, o Atleta do Século 20 desconfiou daquilo que confirmaria mais tarde: era sua filha. Flávia, que ligara dias antes para o escritório do pai querendo marcar um encontro, tinha sido fruto de um relacionamento relâmpago que Pelé teve em Porto Alegre, em 1968, quando esteve lá para um jogo do Santos. “Quando ela começou a falar quem era e contou sua história, comecei a reparar em seu rosto e vi que ela era da família”, assumiu Pelé, ao ser procurado por Gente por telefone, da Flórida, para onde viajou a negócios. Por telefone, Flávia não quis se manifestar e, após falar com o pai, marcou entrevista coletiva para quarta-feira.
Mesmo tendo o pressentimento de que estava falando com uma filha, o ex-craque diz ter esperado o resultado de um outro encontro para ter certeza do que estava pensando. “Mulher sempre tem mais sensibilidade para essas coisas, então quis saber qual seria a reação de minha mãe”, contou. Na conversa com o pai, a própria Flávia manifestara o desejo de conhecer a avó Celeste. O Atleta do Século 20 consentiu e forneceu o endereço para que ela procurasse a mãe dele, em Santos. Como viajou um dia depois de ter visto a filha, não participou do encontro entre avó e neta. Mas, por telefone, quis saber a opinião de Dona Celeste depois que as duas se falaram. “Minha mãe me disse: ‘Filho, não precisa nem fazer exame para comprovar. Ela é tua filha’. Aí que tive certeza.”
O ex-craque acabou seguindo o conselho da mãe, tanto que nunca fez o exame de DNA que comprovaria que a estudante era sua filha. Hoje com 32 anos e já formada, Flávia trabalha como fisioterapeuta em uma clínica de ortopedia de São Paulo e não está registrada no nome do pai. Pelé não revelou quem é a mulher com quem se relacionou em Porto Alegre. “Prefiro manter em sigilo, porque a mãe dela é casada e criou a filha junto com o ex-marido, que registrou a criança em seu nome. Digo apenas que ela era estudante de jornalismo e hoje deve trabalhar como jornalista”, disse.
Flávia não entrou na Justiça contra o Rei do Futebol como optou a vendedora Sandra Regina Machado, 37 anos – fruto de um relacionamento de Pelé com a empregada doméstica Anisia Machado e reconhecida como sua filha pela Justiça, após entrar com processo de reconhecimento de paternidade contra o pai, também em 1991. “Tive um sentimento legal quando a conheci exatamente porque ela não veio me pedir nada. Ela veio contar a história dela e queria me conhecer. Como não exigiu nada, acabou ganhando tudo o que quis”, revelou Pelé.
De dezembro de 1994 a março de 2000, Flávia recebeu do pai uma pensão mensal equivalente a cerca de US$ 1 mil. O dinheiro era depositado em sua conta 9311419, da agência 2400 do Bradesco, em Porto Alegre, e ajudou Flávia a pagar a faculdade de Fisioterapia, que cursou na capital gaúcha. Depois de formada, a filha de Pelé foi morar em São Paulo. Hoje, ela trabalha numa clínica na capital paulista e mora com o marido, executivo de uma multinacional, num apartamento de dois quartos no bairro do Morumbi. “Ela é uma pessoa discreta e nunca quis aparecer. Sempre quis preservar a privacidade dela, por isso essa história nunca foi tornada pública", afirmou o Atleta do Século.
De relações cortadas com Pelé desde que foi acusado de se apropriar de US$ 700 mil recebidos pela Pelé Sports & Marketing – referentes a um evento que a empresa prometera realizar de graça para o Unicef, em 1995, na Argentina –, o empresário Hélio Viana foi quem revelou a Gente a existência da filha de Pelé, durante entrevista concedida na segunda-feira 1º. Ele tem uma outra versão para justificar o tempo em que Flávia permaneceu incógnita. “O certo seria o Pelé fazer o exame de DNA, reconhecer e pronto, mas ele preferiu o caminho da esperteza. Cooptou a moça e dava cerca de US$ 1 mil por mês para ela não entrar com processo. Fez isso pra dizer, na medida em que a Sandra começasse a incomodá-lo, ‘olha, tenho outra filha, que reconheço, ajudo, porque não entrou na Justiça contra mim’.”
Segundo Pelé, toda a sua família sempre soube da existência da filha gaúcha de Édson Arantes do Nascimento. “Ela é de casa e já conheceu todo mundo, o Edinho, a Kelly e a Jennifer. O Joshua, a Celeste e a Assíria também”, disse, referindo-se a seus outros filhos e à atual mulher. Hélio não crê no carinho que Pelé diz ter pela filha. “Acredito que o sentimento do Pelé pela Flávia seja o mesmo com relação à Sandra. Ele ignora as duas”, diz.
Se hoje não esconde as críticas ao antigo sócio, Hélio Viana viveu uma situação bem diferente nos últimos 18 anos. Apresentado a Pelé em 1984 – quando ocupava um cargo no governo de Leonel Brizola no Rio e foi procurado para conseguir o apoio da Polícia Militar às filmagens de Pedro Mico, filme de Ipojuca Pontes protagonizado por Pelé –, o advogado que nunca exerceu a profissão consolidou-se como empresário ao trabalhar a marca Pelé de 1986 até o rompimento dos dois, em novembro.
Casado há sete anos com a ex-miss Brasil Leila Schuster, 29, e pai de Klaus, 6, e Lucas, 7 – este último filho de um relacionamento fora de seu casamento –, Hélio admite que ganhou muito dinheiro trabalhando com Pelé. “Deus nos colocou juntos para que um ajudasse o outro. O Pelé era uma marca adormecida que permitiu que eu executasse toda a minha capacidade”, afirma.
No início de seu trabalho, o sócio de Pelé procurou a ajuda de Mário Amato, na época presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), que o conhecia desde que o advogado tinha sido um dos coordenadores da campanha das Diretas Já, em 1984. “Ele botou toda uma estrutura à minha disposição e começamos a trabalhar”, lembra. Uma pesquisa encomendada mostrou que, se a popularidade do nome continuava em alta, as opiniões sobre o maior jogador de futebol de todos os tempos estavam longe da unanimidade conquistada nos gramados. “Mostramos entrevistas num telão em que as pessoas diziam que o Pelé já era, que não ligava para o povo e que só dizia besteira, como na vez em que disse que brasileiro não sabia votar”, lembra Hélio. 
A situação se reverteu, segundo o empresário, com o contrato com a Mastercard, assinado em 1991. A idéia era fazer Pelé viajar pelo mundo, falando sobre futebol, tudo patrocinado pelo Mastercard. “Foi isso que consolidou internacionalmente a imagem de Pelé como formador de opinião”, afirma. Em vigor até hoje, o contrato rende ao Atleta do Século cerca de US$ 5 milhões a cada quatro anos de compromisso. Como empresário, Hélio ficava com 20% dos contratos de Pelé. Em 16 anos, o filho de um caldeireiro da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) nascido em Volta Redonda, no Sul Fluminense, único homem entre cinco irmãs, saiu de um apartamento alugado de três quartos em Ipanema para uma mansão em São Conrado, no Rio, de 2,5 mil metros quadrados. A casa serviu de cenário para a residência da personagem de Marieta Severo na novela Laços de Família.
O empresário só não gostava quando tinha de lidar com assuntos particulares do antigo sócio, como as filhas fora dos casamentos. “Tinha que fazer negócio e o comportamento do Pelé, querendo esconder essas coisas, atrapalhava a marca.” No caso de Flávia Christina Kurtz, o Rei do Futebol discorda: “Não há nada de errado nessa história. A Flávia é minha filha. Só não falava nada para preservar a privacidade dela”.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

POWERPOINT

O acusador já havia pregado em templo religioso, clamando aos céus que aceitassem suas denúncias sem provas, e de novo convocava a imprensa amiga para a entrevista coletiva no hotel de luxo, dessa vez com a expectativa de juízo final, da denúncia que todos esperavam, contra o inimigo número um. Viriam bombas, provas, enfim, alguma consistência além de pedalinhos e barquinhos de lata, pensavam todos, certamente, quando o acusador adentrou o salão royale finamente decorado, anunciado pelo mestre-de-cerimônias com nome, sobrenome e cargo, como, aliás, todos os demais ocupantes da mesa, todos, como ele, acusadores.

O acusador procurou desde o início de tudo ao lado de seus colegas incensados pela mídia corporativa, com direito a capa a remeter aos intocáveis com ele no centro da equipe, a posar de Eliot Ness. Procurou com a ajuda estrangeira, do Norte, pra onde a equipe intocável viajou levando informações confidenciais de estatais daqui, trazendo de lá um manancial de dados, denúncias de um esquema antigo, de muito antes de Paulo Francis, que serviram para, com a ajuda de um juiz de primeira instância igualmente inacreditável, inaceitável, bombardear a economia nacional dizimando as maiores empresas de infra-estrutura e deixando quietas, lógico, as instituições financeiras. O acusador procurou e ajudou a derrubar, com a cronologia pensada, com as datas marcadas dos vazamentos ilegais, jamais com alguma prova sequer além da delação obtida com a prisão, também sem provas, um governo eleito pelo povo, pra botar outro no lugar que às pressas começou a abrir para o Norte a economia estatal, vendendo o pré-sal.

O acusador procurou tanto, com tanto afinco, há tanto tempo que só podia ter algo sério a mostrar, pensavam os que por ele torciam, e ainda torcem, tinha de ter algum dado cabal a revelar, com toda a pompa e circunstância, de maneira espetacular, quando do alto do púlpito, com a garrafinha de água mineral ao lado, o copo de cristal, ligou o powerpoint digno de reunião da Amway, com o grande círculo no meio e o nome: Lu-la, envolto por outros círculos menores onde estavam todas as mazelas do País, com termos novos também, pra uso da mídia parceira, e de novo, mais uma vez, sem provas, só convicção, convicção e prisão, sem provas, prisão e delação.

Antes dessa denúncia constrangedora, na base do powerpoint de curso motivacional, a matéria abaixo mostrou até onde podem chegar o acusador e sua equipe, ao lado do tal juiz de primeira instância, se não houver reação.

Jornal do Commercio, edição de sábado, domingo e segunda-feira, 5, 6 e 7 de março de 2016


"Um ex-presidente da República, sem ter oposto resistência física, ser conduzido coercitivamente revela em que ponto nós estamos. A coisa chegou ao extremo".


O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado de sua casa em São Bernardo do Campo (SP) na manhã desta sexta-feira, por volta das 7h, sob um mandado de condução coercitiva para prestar depoimento no âmbito da 24a fase da operação Lava-Jato, que mobilizou cerca de 200 policiais federais e 30 auditores da Receita Federal para cumprir 34 mandados de busca e apreensão, e 11 de condução coercitiva, incluindo o de Lula. O depoimento durou cerca de três horas, no escritório da Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas. Ao voltar pra casa, às 17 horas, Lula desceu do carro e caminhou a pé junto a centenas de apoiadores que cantavam: "Lula, guerreiro, do povo brasileiro". "Não precisaria levar uma coerção à minha casa, dos meus filhos. Não precisava, era só ter me comunicado. Lamentavelmente preferiram usar a prepotência, a arrogância, o show de pirotecnia. É lamentável que uma parte do Judiciário esteja trabalhando com a imprensa", disse o ex-presidente.
Em uma crítica à decisão do juiz titular das investigações da operação Lava-Jato na primeira instância, Sérgio Moro, da Justiça Federal de Curitiba, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), demonstrou preocupação com a condução coercitiva do ex-presidente Lula. "Me preocupa um ex-presidente da República ser conduzido debaixo de vara", disse. De acordo com o ministro, a Polícia Federal deveria ter "observado os parâmetros normais" e intimado Lula a prestar depoimento em vez de levá-lo contra sua vontade. "Um ex-presidente da República, sem ter oposto resistência física, ser conduzido coercitivamente revela em que ponto nós estamos. A coisa chegou ao extremo", afirmou Mello. Apesar disso, o ministro disse que a condução coercitiva de Lula não prejudicava a legitimidade das investigações. O Ministério Público Federal (MPF) argumentou que o mandado de condução coercitiva contra Lula foi necessário por questões de segurança, já que um depoimento agendado do ex-presidente implicaria em maior chance de tumulto.
Mais tarde, a ministra do STF Rosa Weber negou liminar à defesa do ex-presidente, que pedia a anulação da operação desta sexta por conflito de atribuição entre o MPF e o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), já que ambos investigam os mesmos fatos sobre os mesmos imóveis, um sítio em Atibaia (SP) e um apartamento no Guarujá. "Os próprios órgãos investigadores não reconhecem a existência do conflito de atribuição, e o entendimento do STF é no sentido de que não cabe à eventual parte interessada provocar a competência da Corte para que decida sobre suposto conflito suscitado arbitrariamente", disse a ministra.
O ex-presidente depôs durante toda a manhã e após ser liberado, antes de voltar para casa, seguiu para a sede do diretório nacional do PT em São Paulo. À tarde, Lula fez um pronunciamento dizendo estar indignado e que se sentiu como um "prisioneiro", mas que está disposto a percorrer o País para defender o projeto petista de governo. "Hoje, na minha vida, é o dia da indignação, é o dia da falta do respeito democrático, o dia do autoritarismo. Tentaram matar a jararaca, mas não acertaram na cabeça, acertaram no rabo. A jararaca tá viva, como sempre esteve. Agora vão ter que me enfrentar nas ruas".
Lula reiterou que o sítio Santa Bárbara, em Atibaia, sob suspeita de ser sua propriedade, não é dele. "Agora eu não posso usar a chácara porque é crime". Segundo Lula, o País é "vítima do espetáculo midiático que coloca como corrupção um barco de R$ 4 mil da Dona Marisa". Ele se referia ao barco usado pela ex-primeira-dama no lago do sítio. Lula criticou a divulgação da compra de dois pedalinhos também usados no sítio. "...se preocupando com pedalinho de R$ 2 mil que ela (Marisa) comprou para os netos, se preocupando porque eu estou utilizando chácara de um amigo. Eu uso a do amigo porque os inimigos não me oferecem. Os Marinhos não me oferecem o triplex deles em Paraty", afirmou, citando casa construída em área de proteção ao meio ambiente na Costa Verde do estado do Rio de Janeiro, que é motivo de investigações por denúncias de crime ambiental e que pertenceria à família proprietária das organizações Globo.
O ex-presidente criticou a imprensa pelo que considera um "espetáculo midiático" e disse que "hoje quem condena as pessoas são as manchetes". "A minha indignação é pelo fato de seis horas da manhã terem chegado na minha casa vários delegados, aliás, muito gentis, pedindo desculpas, que estavam cumprindo uma decisão judicial e a decisão era do juiz (Sérgio) Moro", disse Lula. "Não devo e não temo", completou.
Em relação às palestras realizadas pelo ex-presidente e negociadas por meio do Instituto Lula - a instituição também foi alvo de mandado de busca e apreensão nesta sexta -, Lula comentou: "sou, sim, um dos palestrantes mais caros do mundo. Só fico atrás do Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos). Cobro US$ 200 mil, sim, porque sei o que fiz para este país".
Embora o Palácio do Planalto já esperasse alguma ação da Lava Jato contra Lula esta semana, foi surpreendido com o mandado de condução coercitiva contra o ex-presidente e os de busca e apreensão envolvendo membros da sua família e pessoas próximas. A presidenta Dilma Rousseff manifestou em nota seu "integral inconformismo" com a condução coercitiva de Lula e classificou a medida como "desnecessária", lembrando que Lula já foi "por várias vezes" prestar esclarecimentos às autoridades de forma espontânea. A presidenta defendeu que o respeito aos direitos individuais pressupõe a adoção de medidas proporcionais "que jamis impliquem em providências mais gravosas do que as necessárias para o esclarecimento de fatos". O presidente do PT, Rui Falcão, pediu que todos os diretórios estaduais entrem em vigília e disse que o momento é de mobilização dos militantes.

A mais recente fase da Lava Jato ocorreu nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Foram alvo de mandados de busca cumpridos pela PF nesta sexta, além do ex-presidente, a empresa de palestras de Lula, a LILS, o Instituto Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia e os filhos do ex-presidente Fabio Luis, Sandro Luis, Luis Cláudio e Marcos Claudio, que têm participação em empresas investigadas. Além deles, a PF também fez buscas em endereços ligados a Paulo Okamoto, atual presidente do Instituto Lula, e ao ex-presidente do instituto José de Filippi Júnior, assim como a uma secretária de confiança de Lula. O MPF chegou a pedir a prisão temporária de Okamoto e José de Filippi, assim como a de um executivo da empreiteira OAS, mas Sergio Moro rejeitou. Em vez disso, os três foram levados pela PF para prestar depoimento. Segundo o MPF, estão sendo investigados pagamentos feitos por construtoras beneficiadas no esquema Petrobras em favor do Instituto Lula e da LILS Palestras, em razão de suspeitas levantadas pelos ingressos e saídas dos valores.
A Receita Federal, que colabora na Lava Jato, disse haver uma possível "confusão operacional financeira" entre o Instituto Lula e a LILS Palestras, a primeira isenta de impostos e a segunda com receitas tributadas. No último sábado, durante comemorações pelo aniversário do PT, Lula disse que tinha sido informado de que teria seus sigilos bancário, telefônico e fiscal quebrados. "A partir de segunda-feira vão quebrar meus sigilos fiscal, telefônico, tudo, meu, da Marisa, da minha netinha e até da minha mãe. Esse é o preço? Eu pago", disse Lula. "Mas eu duvido que tenha um mais honesto do que eu".
Procuradas, Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão disseram que não se pronunciariam sobre o assunto. Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez ainda não tinham respondido a pedidos de comentários até o fechamento desta edição. A UTC disse que a LILS Palestras foi contratada para uma conferência de Lula, em dezembro de 2012, na sede da empresa em São Paulo. A companhia afirmou ter repassado ao MPF a documentação relacionada ao evento.

domingo, 11 de setembro de 2016

A ENTREVISTA ATRAPALHADA

A revista tinha entrado de vez em sua fase ágil, dinâmica, colorida, alegre e com textos cada vez mais curtos, toda a importância, quase, pra foto, de preferência de gente bonita, sensual, sobretudo famosa, condições fundamentais pra que a matéria, no crivo implacável da chefia da outra capital, ganhasse mais do que as habituais duas páginas. Nesses casos, em alguns deles na verdade, vinha o e-mail estimulador do comandante maior, acima da redação, o elogio monossilábico, no ponto, numa palavra só e com o indispensável ponto de exclamação: “show!”. Ou então a sagacidade dele,  garotão de menos de quarenta bem arrumado, sempre de terno, que lembrava do título de uma música conhecida pra definir, sucinto, esperando talvez urros da chefia da sucursal e dos repórteres à sua volta: “simply the best!” 

O entrevistado até tinha alguma fama, mas não nos índices medidos pelo ibope, que realmente contavam pra chefia da outra capital, da redação e acima dela, do garotão. Beleza e sensualidade também não eram lá seus principais atributos e pra completar a pauta não poderia ser o tradicional pingue-pongue de três páginas, por algum motivo que hoje foge à memória, se já havia sido feita alguma entrevista com ele antes ou não, não se sabe ao certo. Sabe-se é que, além do nervosismo inevitável, dado o tamanho do personagem, o repórter não estava muito à vontade, nem sabia direito o que fazer, como entrevistar o sujeito que abriu a porta do apartamento dele no Leblon com a cara risonha, conhecida do autor do Sargento Getúlio e de Viva o Povo Brasileiro.

O resultado da entrevista, na linha editorial da revista, tá aí embaixo.

Revista Istoé Gente, edição 142, de 22 de abril de 2002

“Não estou sem beber álcool, só não estou enfiando o pé na jaca”.

Ele voltou a fumar um ou outro cigarro por dia. Toma uma dose de uísque de vez em quando, apesar de o guaraná ser a bebida mais consumida ultimamente. “Não estou sem beber álcool, só não estou enfiando o pé na jaca”, afirma. Baiano de Itaparica radicado no Rio de Janeiro, João Ubaldo Ribeiro não consegue se livrar totalmente de alguns vícios. O da escrita é um deles. Aos 61 anos, ele está em primeiro na lista de Gente com Diário do Farol, o 18º livro da carreira. Com o livro concluído, o tempo livre aumenta. Ubaldo costuma acordar cedo, lá pelas 7h, 8h. Duas horas mais tarde vai até o calçadão do Leblon, onde caminha por 20 minutos. “Detesto andar. Faço isso todos os dias porque sou chantageado por médicos e pela família”, diz. “Dizem que vou ter morte horrorosa se não andar e que terei uma qualidade de vida terrível no ápice da velhice, se é que existe tal coisa.”
Precavido, ele já tomou uma providência para diminuir o sofrimento da via crucis diária que vem encarando: comprou um relógio com o qual marca os 20 minutos que é obrigado a caminhar. “Não passo um segundo disso”, diz ele, que reconhece a falta de condição atlética e nem se importa mais em ser ultrapassado na rua por senhoras gordas.
Depois de se exercitar, o escritor trabalha um pouco, almoça e dorme entre as 14h30 e 18h. Ao acordar, volta a escrever até as 2h da madrugada. As visitas ao botequim Flor do Leblon não têm hora certa, mas elas acontecem pelo menos uma vez ao dia. Apesar do aparente bom humor, Ubaldo confessa a dificuldade em conviver com a velhice e cita o amigo Jorge Amado para explicar o que sente. “O Jorge dizia que já tinham lhe falado muito das alegrias da velhice, mas não lhe apresentaram nenhuma. Comigo é a mesma coisa. Só conheço a preguiça de me abaixar, me cansar para botar sapato”, diz.
Testemunha da amizade entre Ubaldo e Jorge Amado, a escritora Zélia Gattai lembra de uma história ocorrida em Lisboa, nos anos 80, quando Ubaldo morava em Portugal. Os três amigos foram às compras e, numa loja, Zélia notou que a vendedora olhava fixamente para o autor de Gabriela eCapitães de Areia e perguntou no ouvido de Ubaldo se aquele não era Jorge Amado, escritor das novelas brasileiras. Na época, a novela Gabriela, baseada no romance de Jorge, era sucesso em Portugal. “João Ubaldo não só confirmou como disse que às vezes o Jorge escrevia com o pseudônimo de Janete Clair (novelista autora de sucessos como Irmãos Coragem e Selva de Pedra)”, contou Zélia. “A moça achou que o Jorge escrevia as novelas brasileiras e, graças ao João Ubaldo, deve estar achando até hoje.”
Membro da Academia Brasileira de Letras desde 1993, o imortal que, por preguiça, raramente vai à ABL não opina sobre a possível entrada de Paulo Coelho na academia. Quanto às eleições presidenciais, pensa em Lula, mas não declara voto. O novo livro é o que ocupa seus pensamentos. Para Ubaldo, a história do padre que chega às raias da crueldade, sem qualquer senso moral, não é tão inverossímil quanto possa parecer. Tanto que compara o personagem que pensa em cortar o pai em pedacinhos com um dos crimes cometidos pelo traficante Fernandinho Beira-Mar, no Rio. “Ele dizia no telefone aos comparsas: ‘Corta um pedaço da orelha, agora um dedo’. Então não é uma coisa tão incomum.”

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

GOLPE

Por mais que já fosse esperado, há que se postar alguma coisa na data de hoje, só pra registro.

A matéria abaixo saiu assinada no alto da página, ao lado da palavra 'editor'. A foto de abertura é do Ricardo Stuckert.


Jornal do Commercio, edição de sexta-feira, primeiro de abril de 2016


"Eu lamento que o vice eleito na nossa chapa, com o nosso programa, participe agora de um impeachment sem base legal. Isso tem nome. É golpe".


Centenas de milhares de pessoas contrárias ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff realizaram ontem, em todo o País e no exterior, manifestações em favor da democracia e contra o que classificam de golpe dos opositores contra o resultado das eleições presidenciais de 2014. O protesto principal, convocado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), reuniu cerca de 200 mil pessoas em Brasília, segundo os organizadores, para uma marcha do estádio Mané Garrincha até o Congresso Nacional. Também houve manifestações no Rio de Janeiro, em São Paulo, Porto Alegre, São Luís, Fortaleza, Recife, Maceió e Aracaju, entre outras cidades, incluindo todas as capitais dos 26 estados do País.
No maior ato pró-Dilma já realizado em Brasília, o Partido dos Trabalhadores, apoiado pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, por entidades sindicais e movimentos sociais, reuniu milhares na Esplanada dos Ministérios, especialmente em frente ao Congresso. A data coincidiu com os 52 anos do Golpe de 1964, quando o regime militar destituiu o então presidente João Goulart, dando início à ditadura no Brasil. Políticos do PT e de legendas contrárias à destituição de Dilma do poder participaram do ato. A expectativa da Jornada Nacional em Defesa da Democracia era reunir 150 mil pessoas. De acordo com os organizadores, esse número teria chegado a 200 mil - cinco vezes mais que o registrado pela PM, que mantece 870 policiais e 206 bombeiros na região central da cidade. Na alameda dos estados, em frente ao Congresso, se concetrou um carro de som onde lideranças e políticos discursavam contra o "golpe à democracia, contra o povo e a Constituição".
Entoando canções de artistas nacionais, como Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, manifestantes se emocionavam e gritavam palavras de ordem pró-Dilma, pela democracia e contra o "golpe". Apresentações musicais e o estouro de fogos de artifício marcaram alguns momentos do evento. A todo momento, o processo de impeachment da presidenta da República, em análise na Câmara dos Deputados, era tratado como uma ação golpista de tomada do poder por grupos de direita. No trajeto rumo à Esplanada, os manifestantes eram recebidos com aplausos e o apoio de hóspedes do Setor Hoteleiro Sul.
Artistas que estiveram no Palácio do Planalto mais cedo em uma solenidade com a presidenta Dilma, como a atriz Letícia Sabatella e o cartunista Ziraldo, discursaram contra o impeachment. Ainda no estádio, entidades como a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), Movimento dos Sem Terra (MST), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e sindicatos filiados à CUT foram identificadas. O clima era de harmonia e muitas crianças acabaram levadas à manifestação. Por volta das 21h30, o grupo já começava a se dispersar.
Esperado no evento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cancelou sua participação, mas enviou uma gravação veiculada pelos organizadores. No áudio, Lula criticou o processo de impeachment contra Dilma e voltou a dizer que impedimento sem base legal é golpe. O ex-presidente afirmou que o brasileiro "não fecha os olhos" para os problemas do País, mas também não aceita "andar pra trás". Mesmo sem citar o vice-presidente Michel Temer ou o PMDB diretamente, Lula segue na estratégia alinhada com o Planalto de evidenciar o risco de regressão de direitos sociais num eventual governo Temer.
Lula também reforçou o argumento petista de que Dilma não cometeu crime de responsabilidade e que, portanto, seu impeachment seria golpe. "A sociedade brasileira sabe o quanto custou recuperar a liberdade e a legalidade, quanta luta, quanto sacrifício, quantos mártires. E nessas três décadas de vida democrática, aprendemos que um grande país se constrói caminhando sempre adiante, consolidando e conquistando novos direitos coletivos e individuais", afirmou Lula no vídeo postado à tarde nas redes sociais.
Em São Paulo, além do repúdio ao impedimento da presidenta, o vice-presidente Michel Temer foi um dos principais alvos do protesto pró-governo. A Frente Brasil Popular, grupo que reúne entidades sociais e partidos de esquerda contra o impeachment, reuniu milhares de pessoas na Praça da Sé, em um ato marcado também por críticas ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Segundo os organizadores, foram 50 mil manifestantes. Já a Polícia Militar calculou 18 mil participantes. Escalado para falar em nome do PT, o presidente do diretório estadual do partido em São Paulo, Emidio de Souza, chamou o vice-presidente de golpista. "Temer poderia passar para a história do Brasil como constitucionalista, mas junto com o (Eduardo) Cunha vai passar para a história como golpista".
Depois de chamar Cunha de "ladrão do erário público", Emidio usou as acusações contra o presidente da Câmara para desqualificar o processo de impeachment contra Dilma. "Eles falam muito em ética, mas se gostassem de ética não botavam um ladrão como Eduardo Cunha para cuidar do processo de impeachment". Emidio também ironizou o desembarque do PMDB do governo. "O Brasil está vivendo o terceiro dia sem o PMDB no governo desde a Nova República".
O presidente nacional do PT, Rui Falcão, adotou um tom mais brando mas também não poupou Temer. "Eu lamento que o vice eleito na nossa chapa, com o nosso programa, participe agora de um impeachment sem base legal. Isso tem nome. É golpe", disse Falcão. Segundo ele, os ministros peemedebistas que se recusam a seguir a decisão da direção partidária de desembarcar do governo "não coadunam com aquele ato que alguns chamaram de farsa".
No Rio, o ato contra o impeachment da presidenta Dilma, realizado no Largo da Carioca, no Centro, reuniu cerca de 50 mil, contou com a participação de artistas e, além da defesa da democracia, lembrou as vítimas da ditadura militar. O cantor e compositor Chico Buarque esteve na manifestação e falou brevemente ao público. O artista afirmou que havia no ato quem votou no PT e em outros partidos, mas, sobretudo, pessoas que não colocam em dúvida a integridade da presidenta Dilma Rousseff. Chico lembrou do golpe de 1964 e pediu o fortalecimento da democracia. "Estamos aqui em defesa intransigente da democracia", disse. O compositor fez uma selfie acompanhado de lideranças do PT, inclusive Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do ex-presidente Lula.
Na manifestação, houve muitas críticas ao PMDB, à mídia, principalmente a Rede Globo, e a Eduardo Cunha. O juiz Sergio Moro, responsável pelo processo da operação Lava Jato na primeira instância, também não foi poupado. Os participantes gritaram palavras de ordem, como "não vai ter golpe, vai ter luta". Em repetidas vezes, os manifestantes cantaram a música Vou festejar, sucesso de Beth Carvalho, cujo refrão diz: "você pagou com traição a quem sempre te deu a mão". Os militantes pediram a renúncia de Temer, junto com a saída do PMDB do governo. Houve um minuto de silêncio para lembrar as vítimas da ditadura militar no Brasil. O ato foi organizado pelos movimentos sociais Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo, composto por sindicatos, associações de trabalhadores, estudantes e camponeses.
Em Belo Horizonte, a manifestação contra o impeachment, na Praça da Estação, no Centro, foi conduzida basicamente por artistas locais e reuniu 35 mil, nas contas de organizadores. Poucos políticos participaram do ato, organizado pela Frente Brasil Popular. "Existe um movimento golpista no Brasil que precisa acabar. Caso isso não aconteça, o MST vai se manifestar diariamente em todo o País", disse o coordenador do MST em Minas Gerais, Silvio Neto. Em Salvador, de acordo com os organizadores, 20 mil pessoas participaram da manifestação. No Recife, o cálculo era de 90 mil na Praça do Derby, na região central da cidade. Também houve atos em outras capitais, como Campo Grande, João Pessoa, Florianópolis, Curitiba e Natal.
O PMDB comandado por Temer apresentou, ainda no ano passado, o programa do partido chamado "Uma ponte para o futuro". De teor liberal, o texto é considerado um plano para a possível gestão Temer, se o impeachment vingar. O plano traz propostas como reduzir o tamanho do Estado, desburocratizar licenciamentos ambientais, ampliar o espaço de atuação da iniciativa privada e, o que gera mais polêmica com centrais sindicais e movimentos sociais, uma 'flexibilização' de regras trabalhistas, dando mais poder à negociação direta entre patrões e empregados ou entidades de classe e menos à legislação. Centrais veem a proposta como um perigoso enfraquecimento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Os organizadores do protesto a favor do governo da presidenta Dilma Rousseff em Porto Alegre afirmaram que 80 mil pessoas participaram do ato desta quinta-feira, que começou às 17 horas com uma concentração na Esquina Democrática, histórico reduto de manifestações populares da cidade. Diversas lideranças sociais e políticas discursaram do alto de um carro de som, entre elas o ministro Miguel Rossetto. Em uma breve fala, ele pediu que os militantes convençam os deputados a votar contra o processo de impeachment da presidenta.
Rossetto também falou sobre o lançamento da fase três do Minha Casa Minha Vida e disse que "os golpistas" vão acabar com o programa, uma das principais bandeiras da administração petista. Assim como nos outros estados brasileiros, a defesa do mandato de Dilma foi o mote central do protesto, organizado por grupos sindicais e sociais ligados ao PT. Os cartazes e os gritos dos manifestantes no chão reforçavam o discurso das lideranças que subiam no carro de som. As principais críticas se dirigiram ao processo de impeachment. "Não vai ter golpe" foi a frase mais entoada pelos participantes. Também houve críticas ao vice-presidente da República e ao presidente da Câmara dos Deputados. Em vários momentos os manifestantes cantaram: "ô, Cunha, pode esperar, a tua hora vai chegar".
O protesto transcorreu de forma pacífica. Após o discurso de Rossetto, pouco depois das 20 horas, a multidão deixou a concentração e fez uma passeata saindo da Avenida Borges de Medeiros até o Largo Zumbi dos Palmares, na zona central da cidade. Lá, a mobilização seguia no decorrer da noite, com apresentações culturais.
O ato de apoio ao governo se repetiu em algumas cidades no exterior, como Berlim, Lisboa, Londres e Paris. Em Buenos Aires, cerca de 150 argentinos e brasileiros marcharam pelo centro da capital argentina. O ponto de encontro do ato foi a Embaixada do Brasil e os manifestantes seguiram em passeata até o tradicional Obelisco.