segunda-feira, 27 de junho de 2016

REALLY FUCKIN' BACK

O carro do jornal não ficaria à disposição pra matéria ao pé da serra onde, sete anos antes, com o primo e o amigo da mais tenra infância, da casa da vó, da dele e da minha, o ônibus freou bruscamente ainda bem lá no alto e o motorista, querendo tranquilizar a todos, saiu de seu lugar e pediu se todo mundo, por obséquio, não poderia ir pra esquerda, onde felizmente já estávamos e de onde pudemos saltar com toda a calma pela janela. Mas isso é outra história, e nesta aqui o carro do jornal, voltou da pousada pra redação a duas, três horas dali, deixando por conta própria, durante dois dias, o repórter e o fotógrafo que felizmente se davam bem, o que é fundamental.

O frio ajudou, o diminuto tamanho da cidade também e o repórter e o fotógrafo, os dois ali na casa dos vinte, fizeram seu trabalho com a devida tranquilidade, sem pressa, e no dia combinado, voltando do café da manhã com o texto já entregue, passado pelo telefone, deram com outro motorista do jornal na pousada, com quem o repórter já havia até ido à praia no meio do expediente, pra um mergulho rápido na reserva distante, isolada, sob o olhar complacente de outro fotógrafo, mais comedido, devidamente derrubada a pauta idiota do subeditor tido como comedor de meleca. Em outra ocasião, um terceiro fotógrafo mais parceiro ainda dele foi convencido a, pauta feita em pleno Centro do Rio, subir a serra de Petrópolis pra almoçar "num lugar maravilhoso, ótimo, barato," Chegando ao lugar, o fotógrafo estranhou a aparência de botequim, só o balcão e mais nada, sem mesa nem cadeira, muito menos salão, e o motorista adentrou sorridente no recinto, bateu de leve no vidro do balcão e pediu o almoço, convicto, certo da melhor opção: "me vê quatro empadas, por favor".

Desta feita, na sala do chalé da pousada o motorista mostrou a cigarreira com quatro ou cinco cigarros feitos à mão, tirou um deles, acendeu e toda a equipe de reportagem (repórter, fotógrafo e piloto) passou a celebrar junta o começo do fim da viagem a trabalho, e continuou na descida da Serra das Araras, com o motorista fazendo as curvas nada devagar, seguro, com mais um cigarro aceso não mão esquerda e conversando, rindo, olhando pra trás, brincando, e tudo isso é só pra dizer que depois do texto linkado no último post, o repórter volta a assinar agora uma matéria, de fato, onze anos depois da chegada ao jornal quase bicentenário, muito provavelmente o último lugar onde pode-se vivenciar a rotina de uma redação, ainda que não mais, jamais, o trabalho dentro da clássica equipe de reportagem do motorista, do fotógrafo e do repórter, relegada, esta sim, a um passado que não volta mais.

Abaixo, a matéria da viagem em questão.

Jornal do Brasil, edição de segunda-feira, 31 de agosto de 1998

"Já rodei 32 mil quilômetros. A moto é meu divâ do analista".

Durante os dias de semana, o paulista Frank Bisson, 44 anos, é um respeitado médico de Sertãozinho (SP), cidade onde mora, e não difere muito de seus colegas. Basta que um fim de semana chegue, porém, para o médico dar lugar a um motoqueiro no melhor estilo Dennis Hopper, astro do filme Sem Destino (onde dois personagens viajam pelos Estados Unidos em busca de aventura). Quem acha que Frank é uma pessoa estranha nunca foi ao Penedo Only Harley, evento que anualmente transforma este pacato distrito de Itatiaia na meca dos amantes da motocicleta.
Este ano, a quinta edição do encontro - que começou dia 26 e só terminou ontem - recebeu cerca de 15 mil motoqueiros de todo o País e até mesmo do exterior. Apesar do nome, em um evento como o de Penedo as Harley Davidson têm de dividir espaço como motos menos tradicionais e com os triciclos, geralmente enfeitados com os objetos mais esdrúxulos, que vão desde cabeça de bode até caixões de defuntos.
Uma Harley Davidson não custa menos de US$ 30 mil. "A maioria dos donos de Harley é formada por gente na faixa dos 40, que só comprou a moto depois de muitos anos de estrada", conta o publicitário Jason Prado, organizador do evento e, como não poderia deixar de ser, feliz proprietário de uma dessas motos.
No encontro de Penedo pode-se perceber que a paixão pelas motocicletas não tem limite de preço. Uma máquina igual a pilotada pelo empresário Alcir César Cândido, 45, custa a bagatela de US$ 85 mil. Dono de duas Harley, Alcir chegou a Penedo em cima da moto de um amigo, uma Harley Davidson Fat Boy com comando especial e injeção de nitrogênio, o que faz com que a moto passe dos 90 km/h aos 230 km/h em quatro segundos. "Ele não pôde vir e me pediu o favor de trazer a moto. Como é que eu podia recusar?", perguntava o empresário. "Já rodei 32 mil quilômetros. A moto é meu divâ do analista", compara Alcir.
Reunindo gente como Frank e Alcir, que se misturam pacificamente com integrantes de mais de 100 turmas de motoqueiros, a festa vem duplicando o número de freqüentadores a cada ano, mas os organizadores querem mais. "Já tem gente da Argentina e dos Estados Unidos aqui, mas queremos aumentar a participação estrangeira, tanto que um representante da fábrica da Harley veio a Penedo para se informar melhor sobre o evento", contou Jason. Em junho deste ano, cerca de 150 mil motoqueiros se reuniram em Milwaukee, nos Estados Unidos, para comemorar os 95 anos de fabricação da primeira Harley Davidson.