segunda-feira, 19 de setembro de 2016

É PELÉ QUEM ESTÁ FALANDO...

A matéria já era capa, um furo, como dizem nas redações, e depois de mais de mês de apuração com algum grau de tensão (a possibilidade de perder a história ou a exclusividade dela, por exemplo, pra outra revista da casa mais velha, mais forte), o repórter enfim começava a escrever, a quatro, cinco horas do auge da insanidade mental de um fechamento semanal, sob a batuta de outra capital. Faltava a posição do mais famoso envolvido no caso, mas isso, dada a condição de atleta do século, ídolo mundial, eterno, do sujeito em questão, já se sabia difícil, quase impossível de conseguir. Na véspera, pela manhã, havia sido enviado o email a quem de direito com o relato do caso, o anúncio do fechamento na noite seguinte e o pedido, por favor, de entrevista. Só restava esperar e escrever a matéria com o aval do diretor de redação, a garantia dele de que tudo bem sem o cara, de que só a confirmação da história que ele tinha ouvido de um amigo e passou para o repórter já estava ótimo.

Então escrevia, o repórter, ou tentava, encasquetava com um monte de coisa logo na abertura e não avançava, quase nada, quando tocou o telefone na mesa da secretária, a primeira, em frente à porta, das seis espalhadas pelos quarenta, cinquenta metros quadrados da salinha da sucursal, que tinha ainda dentro dela dois cubículos ainda menores, um pra fotografia, outro pra chefe. Eram três os repórteres da redação, um se chamava Eduardo e do texto travado na tela do computador deu pra escutar claramente, como sempre, a secretária expansiva, baixinha sorridente ao telefone dizendo: "senhor, aqui nós temos Eduardo e Luís Edmundo. Luis Eduardo nós não temos". Passaram-se três, quatro segundos e tocou o ramal do repórter, que primeiro ouviu a brincadeira trivial, banal, com seu mome (não é o animal, não, né?) e depois a identificação na voz inconfundível, com a nitidez de uma imitação perfeita: "é Pelé quem está falando..."

Abaixo, a matéria.

Revista Istoé Gente, edição 141, de 15 de abril de 2002

"A Flávia é minha filha. Só não falava nada para preservar a privacidade dela”.



Em novembro de 1991, Édson Arantes do Nascimento, o Pelé, arrumou uma brecha em sua agenda lotada de compromissos para um encontro especial em Santos. Durante cerca de uma hora, o maior jogador de futebol de todos os tempos conversou com a então estudante de fisioterapia Flávia Christina Kurtz V. de Carvalho, na época com 24 anos. Logo que viu a moça, o Atleta do Século 20 desconfiou daquilo que confirmaria mais tarde: era sua filha. Flávia, que ligara dias antes para o escritório do pai querendo marcar um encontro, tinha sido fruto de um relacionamento relâmpago que Pelé teve em Porto Alegre, em 1968, quando esteve lá para um jogo do Santos. “Quando ela começou a falar quem era e contou sua história, comecei a reparar em seu rosto e vi que ela era da família”, assumiu Pelé, ao ser procurado por Gente por telefone, da Flórida, para onde viajou a negócios. Por telefone, Flávia não quis se manifestar e, após falar com o pai, marcou entrevista coletiva para quarta-feira.
Mesmo tendo o pressentimento de que estava falando com uma filha, o ex-craque diz ter esperado o resultado de um outro encontro para ter certeza do que estava pensando. “Mulher sempre tem mais sensibilidade para essas coisas, então quis saber qual seria a reação de minha mãe”, contou. Na conversa com o pai, a própria Flávia manifestara o desejo de conhecer a avó Celeste. O Atleta do Século 20 consentiu e forneceu o endereço para que ela procurasse a mãe dele, em Santos. Como viajou um dia depois de ter visto a filha, não participou do encontro entre avó e neta. Mas, por telefone, quis saber a opinião de Dona Celeste depois que as duas se falaram. “Minha mãe me disse: ‘Filho, não precisa nem fazer exame para comprovar. Ela é tua filha’. Aí que tive certeza.”
O ex-craque acabou seguindo o conselho da mãe, tanto que nunca fez o exame de DNA que comprovaria que a estudante era sua filha. Hoje com 32 anos e já formada, Flávia trabalha como fisioterapeuta em uma clínica de ortopedia de São Paulo e não está registrada no nome do pai. Pelé não revelou quem é a mulher com quem se relacionou em Porto Alegre. “Prefiro manter em sigilo, porque a mãe dela é casada e criou a filha junto com o ex-marido, que registrou a criança em seu nome. Digo apenas que ela era estudante de jornalismo e hoje deve trabalhar como jornalista”, disse.
Flávia não entrou na Justiça contra o Rei do Futebol como optou a vendedora Sandra Regina Machado, 37 anos – fruto de um relacionamento de Pelé com a empregada doméstica Anisia Machado e reconhecida como sua filha pela Justiça, após entrar com processo de reconhecimento de paternidade contra o pai, também em 1991. “Tive um sentimento legal quando a conheci exatamente porque ela não veio me pedir nada. Ela veio contar a história dela e queria me conhecer. Como não exigiu nada, acabou ganhando tudo o que quis”, revelou Pelé.
De dezembro de 1994 a março de 2000, Flávia recebeu do pai uma pensão mensal equivalente a cerca de US$ 1 mil. O dinheiro era depositado em sua conta 9311419, da agência 2400 do Bradesco, em Porto Alegre, e ajudou Flávia a pagar a faculdade de Fisioterapia, que cursou na capital gaúcha. Depois de formada, a filha de Pelé foi morar em São Paulo. Hoje, ela trabalha numa clínica na capital paulista e mora com o marido, executivo de uma multinacional, num apartamento de dois quartos no bairro do Morumbi. “Ela é uma pessoa discreta e nunca quis aparecer. Sempre quis preservar a privacidade dela, por isso essa história nunca foi tornada pública", afirmou o Atleta do Século.
De relações cortadas com Pelé desde que foi acusado de se apropriar de US$ 700 mil recebidos pela Pelé Sports & Marketing – referentes a um evento que a empresa prometera realizar de graça para o Unicef, em 1995, na Argentina –, o empresário Hélio Viana foi quem revelou a Gente a existência da filha de Pelé, durante entrevista concedida na segunda-feira 1º. Ele tem uma outra versão para justificar o tempo em que Flávia permaneceu incógnita. “O certo seria o Pelé fazer o exame de DNA, reconhecer e pronto, mas ele preferiu o caminho da esperteza. Cooptou a moça e dava cerca de US$ 1 mil por mês para ela não entrar com processo. Fez isso pra dizer, na medida em que a Sandra começasse a incomodá-lo, ‘olha, tenho outra filha, que reconheço, ajudo, porque não entrou na Justiça contra mim’.”
Segundo Pelé, toda a sua família sempre soube da existência da filha gaúcha de Édson Arantes do Nascimento. “Ela é de casa e já conheceu todo mundo, o Edinho, a Kelly e a Jennifer. O Joshua, a Celeste e a Assíria também”, disse, referindo-se a seus outros filhos e à atual mulher. Hélio não crê no carinho que Pelé diz ter pela filha. “Acredito que o sentimento do Pelé pela Flávia seja o mesmo com relação à Sandra. Ele ignora as duas”, diz.
Se hoje não esconde as críticas ao antigo sócio, Hélio Viana viveu uma situação bem diferente nos últimos 18 anos. Apresentado a Pelé em 1984 – quando ocupava um cargo no governo de Leonel Brizola no Rio e foi procurado para conseguir o apoio da Polícia Militar às filmagens de Pedro Mico, filme de Ipojuca Pontes protagonizado por Pelé –, o advogado que nunca exerceu a profissão consolidou-se como empresário ao trabalhar a marca Pelé de 1986 até o rompimento dos dois, em novembro.
Casado há sete anos com a ex-miss Brasil Leila Schuster, 29, e pai de Klaus, 6, e Lucas, 7 – este último filho de um relacionamento fora de seu casamento –, Hélio admite que ganhou muito dinheiro trabalhando com Pelé. “Deus nos colocou juntos para que um ajudasse o outro. O Pelé era uma marca adormecida que permitiu que eu executasse toda a minha capacidade”, afirma.
No início de seu trabalho, o sócio de Pelé procurou a ajuda de Mário Amato, na época presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), que o conhecia desde que o advogado tinha sido um dos coordenadores da campanha das Diretas Já, em 1984. “Ele botou toda uma estrutura à minha disposição e começamos a trabalhar”, lembra. Uma pesquisa encomendada mostrou que, se a popularidade do nome continuava em alta, as opiniões sobre o maior jogador de futebol de todos os tempos estavam longe da unanimidade conquistada nos gramados. “Mostramos entrevistas num telão em que as pessoas diziam que o Pelé já era, que não ligava para o povo e que só dizia besteira, como na vez em que disse que brasileiro não sabia votar”, lembra Hélio. 
A situação se reverteu, segundo o empresário, com o contrato com a Mastercard, assinado em 1991. A idéia era fazer Pelé viajar pelo mundo, falando sobre futebol, tudo patrocinado pelo Mastercard. “Foi isso que consolidou internacionalmente a imagem de Pelé como formador de opinião”, afirma. Em vigor até hoje, o contrato rende ao Atleta do Século cerca de US$ 5 milhões a cada quatro anos de compromisso. Como empresário, Hélio ficava com 20% dos contratos de Pelé. Em 16 anos, o filho de um caldeireiro da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) nascido em Volta Redonda, no Sul Fluminense, único homem entre cinco irmãs, saiu de um apartamento alugado de três quartos em Ipanema para uma mansão em São Conrado, no Rio, de 2,5 mil metros quadrados. A casa serviu de cenário para a residência da personagem de Marieta Severo na novela Laços de Família.
O empresário só não gostava quando tinha de lidar com assuntos particulares do antigo sócio, como as filhas fora dos casamentos. “Tinha que fazer negócio e o comportamento do Pelé, querendo esconder essas coisas, atrapalhava a marca.” No caso de Flávia Christina Kurtz, o Rei do Futebol discorda: “Não há nada de errado nessa história. A Flávia é minha filha. Só não falava nada para preservar a privacidade dela”.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

POWERPOINT

O acusador já havia pregado em templo religioso, clamando aos céus que aceitassem suas denúncias sem provas, e de novo convocava a imprensa amiga para a entrevista coletiva no hotel de luxo, dessa vez com a expectativa de juízo final, da denúncia que todos esperavam, contra o inimigo número um. Viriam bombas, provas, enfim, alguma consistência além de pedalinhos e barquinhos de lata, pensavam todos, certamente, quando o acusador adentrou o salão royale finamente decorado, anunciado pelo mestre-de-cerimônias com nome, sobrenome e cargo, como, aliás, todos os demais ocupantes da mesa, todos, como ele, acusadores.

O acusador procurou desde o início de tudo ao lado de seus colegas incensados pela mídia corporativa, com direito a capa a remeter aos intocáveis com ele no centro da equipe, a posar de Eliot Ness. Procurou com a ajuda estrangeira, do Norte, pra onde a equipe intocável viajou levando informações confidenciais de estatais daqui, trazendo de lá um manancial de dados, denúncias de um esquema antigo, de muito antes de Paulo Francis, que serviram para, com a ajuda de um juiz de primeira instância igualmente inacreditável, inaceitável, bombardear a economia nacional dizimando as maiores empresas de infra-estrutura e deixando quietas, lógico, as instituições financeiras. O acusador procurou e ajudou a derrubar, com a cronologia pensada, com as datas marcadas dos vazamentos ilegais, jamais com alguma prova sequer além da delação obtida com a prisão, também sem provas, um governo eleito pelo povo, pra botar outro no lugar que às pressas começou a abrir para o Norte a economia estatal, vendendo o pré-sal.

O acusador procurou tanto, com tanto afinco, há tanto tempo que só podia ter algo sério a mostrar, pensavam os que por ele torciam, e ainda torcem, tinha de ter algum dado cabal a revelar, com toda a pompa e circunstância, de maneira espetacular, quando do alto do púlpito, com a garrafinha de água mineral ao lado, o copo de cristal, ligou o powerpoint digno de reunião da Amway, com o grande círculo no meio e o nome: Lu-la, envolto por outros círculos menores onde estavam todas as mazelas do País, com termos novos também, pra uso da mídia parceira, e de novo, mais uma vez, sem provas, só convicção, convicção e prisão, sem provas, prisão e delação.

Antes dessa denúncia constrangedora, na base do powerpoint de curso motivacional, a matéria abaixo mostrou até onde podem chegar o acusador e sua equipe, ao lado do tal juiz de primeira instância, se não houver reação.

Jornal do Commercio, edição de sábado, domingo e segunda-feira, 5, 6 e 7 de março de 2016


"Um ex-presidente da República, sem ter oposto resistência física, ser conduzido coercitivamente revela em que ponto nós estamos. A coisa chegou ao extremo".


O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado de sua casa em São Bernardo do Campo (SP) na manhã desta sexta-feira, por volta das 7h, sob um mandado de condução coercitiva para prestar depoimento no âmbito da 24a fase da operação Lava-Jato, que mobilizou cerca de 200 policiais federais e 30 auditores da Receita Federal para cumprir 34 mandados de busca e apreensão, e 11 de condução coercitiva, incluindo o de Lula. O depoimento durou cerca de três horas, no escritório da Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas. Ao voltar pra casa, às 17 horas, Lula desceu do carro e caminhou a pé junto a centenas de apoiadores que cantavam: "Lula, guerreiro, do povo brasileiro". "Não precisaria levar uma coerção à minha casa, dos meus filhos. Não precisava, era só ter me comunicado. Lamentavelmente preferiram usar a prepotência, a arrogância, o show de pirotecnia. É lamentável que uma parte do Judiciário esteja trabalhando com a imprensa", disse o ex-presidente.
Em uma crítica à decisão do juiz titular das investigações da operação Lava-Jato na primeira instância, Sérgio Moro, da Justiça Federal de Curitiba, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), demonstrou preocupação com a condução coercitiva do ex-presidente Lula. "Me preocupa um ex-presidente da República ser conduzido debaixo de vara", disse. De acordo com o ministro, a Polícia Federal deveria ter "observado os parâmetros normais" e intimado Lula a prestar depoimento em vez de levá-lo contra sua vontade. "Um ex-presidente da República, sem ter oposto resistência física, ser conduzido coercitivamente revela em que ponto nós estamos. A coisa chegou ao extremo", afirmou Mello. Apesar disso, o ministro disse que a condução coercitiva de Lula não prejudicava a legitimidade das investigações. O Ministério Público Federal (MPF) argumentou que o mandado de condução coercitiva contra Lula foi necessário por questões de segurança, já que um depoimento agendado do ex-presidente implicaria em maior chance de tumulto.
Mais tarde, a ministra do STF Rosa Weber negou liminar à defesa do ex-presidente, que pedia a anulação da operação desta sexta por conflito de atribuição entre o MPF e o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), já que ambos investigam os mesmos fatos sobre os mesmos imóveis, um sítio em Atibaia (SP) e um apartamento no Guarujá. "Os próprios órgãos investigadores não reconhecem a existência do conflito de atribuição, e o entendimento do STF é no sentido de que não cabe à eventual parte interessada provocar a competência da Corte para que decida sobre suposto conflito suscitado arbitrariamente", disse a ministra.
O ex-presidente depôs durante toda a manhã e após ser liberado, antes de voltar para casa, seguiu para a sede do diretório nacional do PT em São Paulo. À tarde, Lula fez um pronunciamento dizendo estar indignado e que se sentiu como um "prisioneiro", mas que está disposto a percorrer o País para defender o projeto petista de governo. "Hoje, na minha vida, é o dia da indignação, é o dia da falta do respeito democrático, o dia do autoritarismo. Tentaram matar a jararaca, mas não acertaram na cabeça, acertaram no rabo. A jararaca tá viva, como sempre esteve. Agora vão ter que me enfrentar nas ruas".
Lula reiterou que o sítio Santa Bárbara, em Atibaia, sob suspeita de ser sua propriedade, não é dele. "Agora eu não posso usar a chácara porque é crime". Segundo Lula, o País é "vítima do espetáculo midiático que coloca como corrupção um barco de R$ 4 mil da Dona Marisa". Ele se referia ao barco usado pela ex-primeira-dama no lago do sítio. Lula criticou a divulgação da compra de dois pedalinhos também usados no sítio. "...se preocupando com pedalinho de R$ 2 mil que ela (Marisa) comprou para os netos, se preocupando porque eu estou utilizando chácara de um amigo. Eu uso a do amigo porque os inimigos não me oferecem. Os Marinhos não me oferecem o triplex deles em Paraty", afirmou, citando casa construída em área de proteção ao meio ambiente na Costa Verde do estado do Rio de Janeiro, que é motivo de investigações por denúncias de crime ambiental e que pertenceria à família proprietária das organizações Globo.
O ex-presidente criticou a imprensa pelo que considera um "espetáculo midiático" e disse que "hoje quem condena as pessoas são as manchetes". "A minha indignação é pelo fato de seis horas da manhã terem chegado na minha casa vários delegados, aliás, muito gentis, pedindo desculpas, que estavam cumprindo uma decisão judicial e a decisão era do juiz (Sérgio) Moro", disse Lula. "Não devo e não temo", completou.
Em relação às palestras realizadas pelo ex-presidente e negociadas por meio do Instituto Lula - a instituição também foi alvo de mandado de busca e apreensão nesta sexta -, Lula comentou: "sou, sim, um dos palestrantes mais caros do mundo. Só fico atrás do Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos). Cobro US$ 200 mil, sim, porque sei o que fiz para este país".
Embora o Palácio do Planalto já esperasse alguma ação da Lava Jato contra Lula esta semana, foi surpreendido com o mandado de condução coercitiva contra o ex-presidente e os de busca e apreensão envolvendo membros da sua família e pessoas próximas. A presidenta Dilma Rousseff manifestou em nota seu "integral inconformismo" com a condução coercitiva de Lula e classificou a medida como "desnecessária", lembrando que Lula já foi "por várias vezes" prestar esclarecimentos às autoridades de forma espontânea. A presidenta defendeu que o respeito aos direitos individuais pressupõe a adoção de medidas proporcionais "que jamis impliquem em providências mais gravosas do que as necessárias para o esclarecimento de fatos". O presidente do PT, Rui Falcão, pediu que todos os diretórios estaduais entrem em vigília e disse que o momento é de mobilização dos militantes.

A mais recente fase da Lava Jato ocorreu nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Foram alvo de mandados de busca cumpridos pela PF nesta sexta, além do ex-presidente, a empresa de palestras de Lula, a LILS, o Instituto Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia e os filhos do ex-presidente Fabio Luis, Sandro Luis, Luis Cláudio e Marcos Claudio, que têm participação em empresas investigadas. Além deles, a PF também fez buscas em endereços ligados a Paulo Okamoto, atual presidente do Instituto Lula, e ao ex-presidente do instituto José de Filippi Júnior, assim como a uma secretária de confiança de Lula. O MPF chegou a pedir a prisão temporária de Okamoto e José de Filippi, assim como a de um executivo da empreiteira OAS, mas Sergio Moro rejeitou. Em vez disso, os três foram levados pela PF para prestar depoimento. Segundo o MPF, estão sendo investigados pagamentos feitos por construtoras beneficiadas no esquema Petrobras em favor do Instituto Lula e da LILS Palestras, em razão de suspeitas levantadas pelos ingressos e saídas dos valores.
A Receita Federal, que colabora na Lava Jato, disse haver uma possível "confusão operacional financeira" entre o Instituto Lula e a LILS Palestras, a primeira isenta de impostos e a segunda com receitas tributadas. No último sábado, durante comemorações pelo aniversário do PT, Lula disse que tinha sido informado de que teria seus sigilos bancário, telefônico e fiscal quebrados. "A partir de segunda-feira vão quebrar meus sigilos fiscal, telefônico, tudo, meu, da Marisa, da minha netinha e até da minha mãe. Esse é o preço? Eu pago", disse Lula. "Mas eu duvido que tenha um mais honesto do que eu".
Procuradas, Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão disseram que não se pronunciariam sobre o assunto. Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez ainda não tinham respondido a pedidos de comentários até o fechamento desta edição. A UTC disse que a LILS Palestras foi contratada para uma conferência de Lula, em dezembro de 2012, na sede da empresa em São Paulo. A companhia afirmou ter repassado ao MPF a documentação relacionada ao evento.

domingo, 11 de setembro de 2016

A ENTREVISTA ATRAPALHADA

A revista tinha entrado de vez em sua fase ágil, dinâmica, colorida, alegre e com textos cada vez mais curtos, toda a importância, quase, pra foto, de preferência de gente bonita, sensual, sobretudo famosa, condições fundamentais pra que a matéria, no crivo implacável da chefia da outra capital, ganhasse mais do que as habituais duas páginas. Nesses casos, em alguns deles na verdade, vinha o e-mail estimulador do comandante maior, acima da redação, o elogio monossilábico, no ponto, numa palavra só e com o indispensável ponto de exclamação: “show!”. Ou então a sagacidade dele,  garotão de menos de quarenta bem arrumado, sempre de terno, que lembrava do título de uma música conhecida pra definir, sucinto, esperando talvez urros da chefia da sucursal e dos repórteres à sua volta: “simply the best!” 

O entrevistado até tinha alguma fama, mas não nos índices medidos pelo ibope, que realmente contavam pra chefia da outra capital, da redação e acima dela, do garotão. Beleza e sensualidade também não eram lá seus principais atributos e pra completar a pauta não poderia ser o tradicional pingue-pongue de três páginas, por algum motivo que hoje foge à memória, se já havia sido feita alguma entrevista com ele antes ou não, não se sabe ao certo. Sabe-se é que, além do nervosismo inevitável, dado o tamanho do personagem, o repórter não estava muito à vontade, nem sabia direito o que fazer, como entrevistar o sujeito que abriu a porta do apartamento dele no Leblon com a cara risonha, conhecida do autor do Sargento Getúlio e de Viva o Povo Brasileiro.

O resultado da entrevista, na linha editorial da revista, tá aí embaixo.

Revista Istoé Gente, edição 142, de 22 de abril de 2002

“Não estou sem beber álcool, só não estou enfiando o pé na jaca”.

Ele voltou a fumar um ou outro cigarro por dia. Toma uma dose de uísque de vez em quando, apesar de o guaraná ser a bebida mais consumida ultimamente. “Não estou sem beber álcool, só não estou enfiando o pé na jaca”, afirma. Baiano de Itaparica radicado no Rio de Janeiro, João Ubaldo Ribeiro não consegue se livrar totalmente de alguns vícios. O da escrita é um deles. Aos 61 anos, ele está em primeiro na lista de Gente com Diário do Farol, o 18º livro da carreira. Com o livro concluído, o tempo livre aumenta. Ubaldo costuma acordar cedo, lá pelas 7h, 8h. Duas horas mais tarde vai até o calçadão do Leblon, onde caminha por 20 minutos. “Detesto andar. Faço isso todos os dias porque sou chantageado por médicos e pela família”, diz. “Dizem que vou ter morte horrorosa se não andar e que terei uma qualidade de vida terrível no ápice da velhice, se é que existe tal coisa.”
Precavido, ele já tomou uma providência para diminuir o sofrimento da via crucis diária que vem encarando: comprou um relógio com o qual marca os 20 minutos que é obrigado a caminhar. “Não passo um segundo disso”, diz ele, que reconhece a falta de condição atlética e nem se importa mais em ser ultrapassado na rua por senhoras gordas.
Depois de se exercitar, o escritor trabalha um pouco, almoça e dorme entre as 14h30 e 18h. Ao acordar, volta a escrever até as 2h da madrugada. As visitas ao botequim Flor do Leblon não têm hora certa, mas elas acontecem pelo menos uma vez ao dia. Apesar do aparente bom humor, Ubaldo confessa a dificuldade em conviver com a velhice e cita o amigo Jorge Amado para explicar o que sente. “O Jorge dizia que já tinham lhe falado muito das alegrias da velhice, mas não lhe apresentaram nenhuma. Comigo é a mesma coisa. Só conheço a preguiça de me abaixar, me cansar para botar sapato”, diz.
Testemunha da amizade entre Ubaldo e Jorge Amado, a escritora Zélia Gattai lembra de uma história ocorrida em Lisboa, nos anos 80, quando Ubaldo morava em Portugal. Os três amigos foram às compras e, numa loja, Zélia notou que a vendedora olhava fixamente para o autor de Gabriela eCapitães de Areia e perguntou no ouvido de Ubaldo se aquele não era Jorge Amado, escritor das novelas brasileiras. Na época, a novela Gabriela, baseada no romance de Jorge, era sucesso em Portugal. “João Ubaldo não só confirmou como disse que às vezes o Jorge escrevia com o pseudônimo de Janete Clair (novelista autora de sucessos como Irmãos Coragem e Selva de Pedra)”, contou Zélia. “A moça achou que o Jorge escrevia as novelas brasileiras e, graças ao João Ubaldo, deve estar achando até hoje.”
Membro da Academia Brasileira de Letras desde 1993, o imortal que, por preguiça, raramente vai à ABL não opina sobre a possível entrada de Paulo Coelho na academia. Quanto às eleições presidenciais, pensa em Lula, mas não declara voto. O novo livro é o que ocupa seus pensamentos. Para Ubaldo, a história do padre que chega às raias da crueldade, sem qualquer senso moral, não é tão inverossímil quanto possa parecer. Tanto que compara o personagem que pensa em cortar o pai em pedacinhos com um dos crimes cometidos pelo traficante Fernandinho Beira-Mar, no Rio. “Ele dizia no telefone aos comparsas: ‘Corta um pedaço da orelha, agora um dedo’. Então não é uma coisa tão incomum.”