sábado, 15 de abril de 2017

FECHADO

Este blog completa hoje dez anos, boa data pra terminar. Começou com o impulso de afago no ego com o qual, dizem, começam todos os blogs, pra virar com o tempo, e algumas edições retroativas, esporádicas, algo mais definido, o registro umbiguista de parte do trabalho de um repórter, dos mais discretos, em jornais e revistas quase todos extintos.

O repórter iniciou sua trajetória entre os valões, os presuntos e as belezas de Niterói, São Gonçalo e adjacências. A vista do alto do Parque da Cidade, as praias oceânicas, a Fazenda Colubandê, sede do batalhão florestal, tudo isso foi visto ainda que, na maior parte do tempo, o destino da Fiat Uno ou do Gol BX da reportagem fosse mesmo o Jardim Catarina, ou qualquer dos morros do Cavalão, do Estado, Souza Soares, da Lagoinha..., até que o repórter virou redator, mas logo voltou a ser repórter, acumulando dois empregos e conhecendo a tranquila rotina de uma revista mensal, na finada editora Bloch, pertinho do lago, dos patos e dos fantasmas do Palácio do Catete.

O repórter trocou a dupla jornada pra ganhar menos e trabalhar mais pelo nome, pela história e pelo charme da redação que era um grande H, com a metade de uma das traves de futebol americano da letra cortada pelo espaço da fotografia. Por lá o repórter passou quase despercebido, observando, fazendo amigos e viajando, inclusive. Viu o São João de Campina Grande, as montanhas de Maccu Picchu, a Ilha do Sol e aprendeu todo dia conhecendo o Rio de Janeiro natal, na louca rotina da editoria Cidade de um grande jornal durante quase três anos até a troca pelo meio-termo entre aquilo e a revista mensal.

Na sucursal carioca da revista semanal de celebridades (no início nem tanto), o repórter trabalhou por quase seis anos e viajou mais ainda. Viu o céu mais estrelado da vida em meio à caatinga do sertão piauiense, acompanhou a transformação do roqueiro em romântico, cantando em espanhol entre a Cidade do México e Miami, e presenciou também, antes de cortar quiabo em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, o samba de roda na casa de Dona Canô com ela ativa ainda, a dois dias dos noventa e cinco.

O repórter foi a Maceió atrás da jogadora de vôlei, musa, conversou com a cantora em Salvador e com o colega dela, amigo, então ministro, em Brasília. E no Rio, em casa, entrevistou muito mais gente ainda, do arquiteto nonagenário, duas vezes, ao cirurgião plástico mais famoso do país, quiçá do planeta, do maior craque francês até surgir Zidane ao treinador campeão de tudo na sua área, ranzinza.

Cineastas, atrizes, atores e prefeitos, governadores, senadores, diretores da televisão e ídolos da escrita, tipos diversos tiveram suas vozes gravadas em fita cassete pelo repórter que, na revista ainda, cobriu também chacina, prisões, foi a uma plataforma de petróleo em alto mar e pelo menos um furo internacional conseguiu, repercutido no mundo inteiro e pautando até o Casseta & Planeta, onde Hélio de La Penha fez o papel da personagem encontrada graças à dica do chefe que o chamava de “craque” e, três anos depois, o demitiria.

O repórter, então, virou editor no jornal mais antigo da América Latina, a última experiência cotidiana numa grande redação que foi definhando, diminuindo até o fim no prédio em construção ou demolição, sabe-se lá, onde por quase dois anos dos onze passados na empresa teve-se a sorte de ser o responsável pelas páginas da política, fora outras editorias acumuladas, sem precisar fazer o que tem sido feito em redações bem mais numerosas, em nome do aumento da riqueza já absurda dos patrões e da sobrevivência calcada em mentira, confusão e cinismo, pra garantir a sangria regular e milionária dos cofres públicos, na forma de anúncios.

Com a independência da indiferença, gerada pela proximidade do fim calculado pelos próprios ditos gestores, caloteiros, o repórter, na qualidade de editor, fechou suas páginas do jeito que quis, em latente contradição às vezes até com a primeira página, falando praticamente o oposto do publicado em jornais maiores da casa, um de Brasília, outro de Minas, e guardou algum material desse período pra, se for o caso, mostrar aos filhos, na expectativa de vir a ser questionado no futuro, quando este tempo soturno, medieval, for debatido.

O jornal acabou e o repórter caiu de cara num trabalho diferente de tudo até então, num “blog sujo”, como já disse o apresentador de tevê da corridinha fazendo curvinha na mesa, pra novo vazamento programado contra o vilão de sempre. Fora isso, o repórter continuou tentando, e é provável que continue, apesar da sensação de que o momento tem tudo a ver com a matéria aí embaixo, a última destes Relatos que agora se encerram com a pretensão de permanecer como obra fechada, registro bem particular de um tempo que, se não acabou também, tá quase. 

Jornal O Fluminense, edição de terça-feira, 22 de novembro de 1994

“Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na rua”.

O aumento do número de mendigos em Niterói está começando a se tornar um problema crônico do município. Além do Centro da cidade, tradicional reduto da população esmoleira, bairros como São Francisco e Icaraí, áreas consideradas nobres, já convivem há algum tempo com famílias inteiras e grandes grupos de mendigos dormindo nas ruas. Para piorar esse quadro, as duas unidades da Fundação Leão XIII em Niterói não têm vagas e trabalham em condições precárias.
Entre os locais prediletos de quem vive nas ruas estão o Jardim São João, a Praça da República e a Rua Visconde do Rio Branco, no Centro. Além destes, a maioria dos viadutos da cidade é aproveitada como abrigo pelos mendigos. Em bairros menos movimentados e mais valorizados, como Santa Rosa, Icaraí e São Francisco, por exemplo, os indigentes também estão presentes. Eles costumam “freqüentar” o Largo do Marrão, em Santa Rosa, e as ruas próximas ao Caio Martins.
Em São Francisco, a maior concentração de indigentes fica na Rua Araribóia, ao lado da agência da Caixa Econômica Federal (CEF). “Isso é uma praga. Esse pessoal é uma mistura de assaltante com guardador de carro”, reclama Fernando Pereira, que mora na Rua Araribóia. Outra moradora da rua, que preferiu não se identificar, afirma que o barulho e o mau-cheiro são os principais problemas causados pelos pedintes. “À noite ficam mais de dez aqui, bebendo e gritando. Nós temos pena e sabemos que eles não tem para onde ir. O problema é que pode haver marginais infiltrados entre os mendigos vigiando as casas. Tenho muito medo disso, porque minha casa já foi invada por ladrões”, diz a moradora, que também cobra providencias da CEF.
O gerente da agência da CEF em São Francisco, Paulo Glicério, diz que a calçada é da Prefeitura e, nesse caso, a CEF não tem como interferir. Às 10h de ontem apenas três mendigos estavam no local. Eles disseram que somente dois deles moram ali e não incomodam ninguém. “Estou na rua há oito meses porque minha casa pegou fogo”, diz José Augusto Batista, de 49 anos.
José diz que mora na rua acompanhado apenas de Pedro Bezerra Silva, 48, e dois cachorros, "Joaquim” e “Xuxa”. O outro mendigo, Adílson Ribeiro, de 33 anos, justificou sua presença no local dizendo que era amigo de José Augusto. “Tenho três anos de rua e nunca arrumei problema com ninguém”, diz Adílson, que afirma morar em Charitas. Pedro Bezerra pede para as pessoas entenderem que ele não tem onde ficar e definiu sua situação cantando um velho samba. “Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na rua”, cantarolou o indigente, completamente embriagado.
O coordenador da unidade de Itaipu da Fundação Leão XIII, Sérgio Belchior, diz que recebe mais de 20 ligações por semana de reclamações contra mendigos. “Quem faz o recolhimento é o pessoal do Rio. Nós apenas acolhemos aqueles que nos procuram, se houver vaga. O fato é que ninguém quer investir na questão da população de rua porque isso não dá retorno”. A unidade de Itaipu só acolhe homens e, atualmente, conta com 300 internos. A capacidade da unidade é de 480 pacientes, mas segundo Sérgio, as instalações precárias impossibilitam o trabalho com esse número de internos.
A falta de funcionários é outro problema das unidades de recuperação social da Leão XIII. “A Fundação tem ainda mais de 40 centros comunitários no Grande Rio, onde o trabalho é considerado mais fácil. Todo mundo prefere trabalhar com as comunidades carentes a cuidar das pessoas que muitas vezes têm problemas de alcoolismo e, em alguns casos, são até violentas”, conta o coordenador.
A Fundação Leão XIII tem cinco unidades na área do Grande Rio e Niterói. Se em Itaipu somente os homens são abrigados, no Fonseca, também em Niterói, apenas mulheres são aceitas. Em Campo Grande, a maior unidade, o local é exclusivo para idosos de ambos os sexos. A triagem é feita em Bonsucesso e a unidade da Praça Harmonia, na Praça Mauá, fica responsável pelos migrantes – aqueles que estão de passagem pelo Estado e não têm condições de voltar para casa. Quando é feito o recolhimento, os mendigos são levados para Bonsucesso e, de lá, encaminhados às diversas unidades.
A psicóloga da Coordenadoria de Assistência Especializada (CAE) da Fundação, Carmen Lustosa, diz que, no momento, a unidade de Bonsucesso está em obras, o que reduziu o recolhimento. "Só estamos atendendo a casos de emergência e a triagem está sendo feita provisoriamente na Praça Mauá", explica0 O coordenador da unidade do Fonseca, Pedro Paulo Berba, contouque o centro está trabalhando com 14 internas, todas com idade entre 18 e 65 anos.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

ALTA COSTURA

Ele já tinha conhecido a glória em seu ofício e, no entender do repórter leigo no assunto, não estava mais tão no topo nem da cadeia nacional quando concedeu a entrevista. Mas chegava de volta ao país natal com pompa e circunstância, após mais de quinze anos morando em Paris, no centro do mundo. Abria logo de cara seis lojas banhadas em luxo, e a entrevista, interrompida mais de uma vez para cenas de Jacques Leclair, ou Victor Valentim, foi na única delas no Rio, no coração de Ipanema, que em menos de um ano estaria fechada.

Revista Istoé Gente, edição 274, de 8 de novembro de 2004

“Não posso falar porque não conheço. Fico fechado no meu mundo”.

No fim de 2001, o estilista Ocimar Versolato, 43 anos, enfrentava problemas financeiros em Paris, chegou a pesar 104 kg e sofreu uma crise de pânico – tinha a impressão de que faltava ar em qualquer lugar que estivesse. Decidiu fazer análise pela primeira vez na vida, mas achou péssimo o analista francês que procurou. Numa viagem ao Brasil, aceitou o conselho de uma amiga e se consultou com um psicólogo brasileiro. Gostou.
Bem de cabeça, emagreceu 30 quilos com dieta nos últimos três anos. Só precisou de uma lipoaspiração antes de iniciar o regime, “para criar coragem”. Aumentou as vindas ao Brasil e, quando percebeu, já morava na terra natal de novo, numa casa no Morumbi, em São Paulo. Deixou para trás uma trajetória de 16 anos em Paris, onde conheceu a glória e o fracasso financeiro traduzido em dívidas. Só à previdência social francesa, devia cerca de US$ 300 mil.
Agora, Versolato acaba de inaugurar sua loja em Ipanema, no Rio de Janeiro, onde uma calça jeans custa R$ 450, o vestido de noite mais caro sai por R$ 28 mil e o preço de um terno é R$ 4,9 mil. Com cinco andares, elevador panorâmico e paredes de mármore, ela é a maior das outras seis da marca abertas no País (cinco em São Paulo e outra no Rio), graças ao investimento de R$ 15 milhões de sua nova sócia, Sandra Habib, representante da Jaguar no Brasil. Os modelos de alta-costura (US$ 10 mil o mais barato) serão exclusividade do ateliê do estilista, um prédio de nove andares em São Paulo. Versolato está de volta ao Brasil, e ai de quem disser que isso é sinal de derrota. “Isso é coisa de caipira, de quem nunca viajou ou foi para Paris uma vez na vida com passagem de US$ 300”, dispara.
Seu único problema na Europa, ele garante, foi a dificuldade de produzir suas roupas, resultado da pouca oferta de fábricas de tecidos de luxo por lá. No Brasil, Versolato tem à disposição uma rede com 30 fornecedores. “O investimento é resultado de um estudo de dois anos e dará retorno a médio prazo”, afirma Sandra.
Na temporada francesa, a polêmica causada por suas declarações também não ajudou. Na mais famosa delas, dita após um desfile de Yves Saint-Laurent, Versolato sugeriu que o consagrado colega francês se aposentasse. Hoje, se arrepende. “Foi coisa de iniciante. Não tinha o direito de falar aquilo”, diz.
No auge de seu sucesso em Paris, o brasileiro chegou a mudar o roteiro de um filme de James Bond, ao ser convidado para vestir em 1997 a atriz Terry Hatcher, bondgirl de 007, o Amanhã Nunca Morre. Terry deveria morrer enforcada com o vestido, mas o tecido sempre rasgava na cena. Após fazer 10 modelos iguais, sem que o problema fosse resolvido, ele resolveu interferir. “Sugeri que dessem um tiro nela. Foi o que fizeram”, lembra.
Uma outra experiência no cinema mudou o estilo de Versolato. Conhecido por preferir as cores sóbrias, ele entregou a Cacá Diegues desenhos nada condizentes com a exuberância da Tieta vivida por Sônia Braga no filme do diretor. Convencido pelo cineasta, mudou os figurinos. “O Cacá me deu um tratamento de choque. Meu trabalho mudou depois do filme”, lembra o estilista, para surpresa do próprio Cacá. “Me lembro de ter falado com ele na época, mas não sabia que tinha sido tão sério”, brinca o cineasta.
Disposto a expandir suas lojas para Paris e Nova York em dois anos, Versolato espera colocar o Brasil no cenário da moda internacional. “Estava faltando um projeto desse porte. Acho que não tinha mais ninguém para fazer isso além de mim”, afirma o estilista, que não cita nenhum outro nome de destaque no País, nem de colegas que têm se destacado no Exterior, como Alexandre Hercovitch. “Não posso falar porque não conheço. Fico fechado no meu mundo”, justifica.