O repórter iniciou sua trajetória entre os valões, os
presuntos e as belezas de Niterói, São Gonçalo e adjacências. A vista do alto
do Parque da Cidade, as praias oceânicas, a Fazenda Colubandê, sede do batalhão
florestal, tudo isso foi visto ainda que, na maior parte do tempo, o destino da
Fiat Uno ou do Gol BX da reportagem fosse mesmo o Jardim Catarina, ou qualquer
dos morros do Cavalão, do Estado, Souza Soares, da Lagoinha..., até que o
repórter virou redator, mas logo voltou a ser repórter, acumulando dois
empregos e conhecendo a tranquila rotina de uma revista mensal, na finada
editora Bloch, pertinho do lago, dos patos e dos fantasmas do Palácio do
Catete.
O repórter trocou a dupla jornada pra ganhar menos e
trabalhar mais pelo nome, pela história e pelo charme da redação que era um
grande H, com a metade de uma das traves de futebol americano da letra cortada
pelo espaço da fotografia. Por lá o repórter passou quase despercebido, observando,
fazendo amigos e viajando, inclusive. Viu o São João de Campina Grande, as
montanhas de Maccu Picchu, a Ilha do Sol e aprendeu todo dia conhecendo o Rio
de Janeiro natal, na louca rotina da editoria Cidade de um grande jornal durante
quase três anos até a troca pelo meio-termo entre aquilo e a revista mensal.
Na sucursal carioca da revista semanal de celebridades (no
início nem tanto), o repórter trabalhou por quase seis anos e viajou mais
ainda. Viu o céu mais estrelado da vida em meio à caatinga do sertão piauiense,
acompanhou a transformação do roqueiro em romântico, cantando em espanhol entre
a Cidade do México e Miami, e presenciou também, antes de cortar quiabo em
Santo Amaro da Purificação, na Bahia, o samba de roda na casa de Dona Canô com
ela ativa ainda, a dois dias dos noventa e cinco.
O repórter foi a Maceió atrás da jogadora de vôlei, musa, conversou
com a cantora em Salvador e com o colega dela, amigo, então ministro, em
Brasília. E no Rio, em casa, entrevistou muito mais gente ainda, do arquiteto
nonagenário, duas vezes, ao cirurgião plástico mais famoso do país, quiçá do
planeta, do maior craque francês até surgir Zidane ao treinador campeão de tudo
na sua área, ranzinza.
Cineastas, atrizes, atores e prefeitos, governadores,
senadores, diretores da televisão e ídolos da escrita, tipos diversos tiveram
suas vozes gravadas em fita cassete pelo repórter que, na revista ainda, cobriu
também chacina, prisões, foi a uma plataforma de petróleo em alto mar e pelo menos um furo internacional conseguiu,
repercutido no mundo inteiro e pautando até o Casseta & Planeta, onde Hélio
de La Penha fez o papel da personagem encontrada graças à dica do chefe que o
chamava de “craque” e, três anos depois, o demitiria.
O repórter, então, virou editor no jornal mais antigo da
América Latina, a última experiência cotidiana numa grande redação que foi definhando,
diminuindo até o fim no prédio em construção ou demolição, sabe-se lá, onde por
quase dois anos dos onze passados na empresa teve-se a sorte de ser o responsável
pelas páginas da política, fora outras editorias acumuladas, sem precisar fazer
o que tem sido feito em redações bem mais numerosas, em nome do aumento da
riqueza já absurda dos patrões e da sobrevivência calcada em mentira, confusão
e cinismo, pra garantir a sangria regular e milionária dos cofres públicos, na
forma de anúncios.
Com a independência da indiferença, gerada pela proximidade
do fim calculado pelos próprios ditos gestores, caloteiros, o repórter, na
qualidade de editor, fechou suas páginas do jeito que quis, em latente
contradição às vezes até com a primeira página, falando praticamente o oposto
do publicado em jornais maiores da casa, um de Brasília, outro de Minas, e guardou
algum material desse período pra, se for o caso, mostrar aos filhos, na
expectativa de vir a ser questionado no futuro, quando este tempo soturno,
medieval, for debatido.
O jornal acabou e o repórter caiu de cara num trabalho
diferente de tudo até então, num “blog sujo”, como já disse o apresentador de
tevê da corridinha fazendo curvinha na mesa, pra novo vazamento programado
contra o vilão de sempre. Fora isso, o repórter continuou tentando, e é
provável que continue, apesar da sensação de que o momento tem tudo a ver com a
matéria aí embaixo, a última destes Relatos que agora se encerram com a
pretensão de permanecer como obra fechada, registro bem
particular de um tempo que, se não acabou também, tá quase.
Jornal O Fluminense, edição de terça-feira, 22 de novembro
de 1994
“Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na rua”.
O aumento do número de mendigos em Niterói está começando a
se tornar um problema crônico do município. Além do Centro da cidade,
tradicional reduto da população esmoleira, bairros como São Francisco e Icaraí,
áreas consideradas nobres, já convivem há algum tempo com famílias inteiras e
grandes grupos de mendigos dormindo nas ruas. Para piorar esse quadro, as duas
unidades da Fundação Leão XIII em Niterói não têm vagas e trabalham em
condições precárias.
Entre os locais prediletos de quem vive nas ruas estão o
Jardim São João, a Praça da República e a Rua Visconde do Rio Branco, no
Centro. Além destes, a maioria dos viadutos da cidade é aproveitada como abrigo
pelos mendigos. Em bairros menos movimentados e mais valorizados, como Santa
Rosa, Icaraí e São Francisco, por exemplo, os indigentes também estão
presentes. Eles costumam “freqüentar” o Largo do Marrão, em Santa Rosa, e as
ruas próximas ao Caio Martins.
Em São Francisco, a maior concentração de indigentes fica na
Rua Araribóia, ao lado da agência da Caixa Econômica Federal (CEF). “Isso é uma
praga. Esse pessoal é uma mistura de assaltante com guardador de carro”,
reclama Fernando Pereira, que mora na Rua Araribóia. Outra moradora da rua, que
preferiu não se identificar, afirma que o barulho e o mau-cheiro são os
principais problemas causados pelos pedintes. “À noite ficam mais de dez aqui,
bebendo e gritando. Nós temos pena e sabemos que eles não tem para onde ir. O
problema é que pode haver marginais infiltrados entre os mendigos vigiando as
casas. Tenho muito medo disso, porque minha casa já foi invada por ladrões”,
diz a moradora, que também cobra providencias da CEF.
O gerente da agência da CEF em São Francisco, Paulo
Glicério, diz que a calçada é da Prefeitura e, nesse caso, a CEF não tem como
interferir. Às 10h de ontem apenas três mendigos estavam no local. Eles
disseram que somente dois deles moram ali e não incomodam ninguém. “Estou na
rua há oito meses porque minha casa pegou fogo”, diz José Augusto Batista, de
49 anos.
José diz que mora na rua acompanhado apenas de Pedro Bezerra
Silva, 48, e dois cachorros, "Joaquim” e “Xuxa”. O outro mendigo, Adílson
Ribeiro, de 33 anos, justificou sua presença no local dizendo que era amigo de
José Augusto. “Tenho três anos de rua e nunca arrumei problema com ninguém”,
diz Adílson, que afirma morar em Charitas. Pedro Bezerra pede para as pessoas
entenderem que ele não tem onde ficar e definiu sua situação cantando um velho
samba. “Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na rua”, cantarolou o
indigente, completamente embriagado.
O coordenador da unidade de Itaipu da Fundação Leão XIII,
Sérgio Belchior, diz que recebe mais de 20 ligações por semana de reclamações
contra mendigos. “Quem faz o recolhimento é o pessoal do Rio. Nós apenas
acolhemos aqueles que nos procuram, se houver vaga. O fato é que ninguém quer
investir na questão da população de rua porque isso não dá retorno”. A unidade
de Itaipu só acolhe homens e, atualmente, conta com 300 internos. A capacidade
da unidade é de 480 pacientes, mas segundo Sérgio, as instalações precárias
impossibilitam o trabalho com esse número de internos.
A falta de funcionários é outro problema das unidades de
recuperação social da Leão XIII. “A Fundação tem ainda mais de 40 centros
comunitários no Grande Rio, onde o trabalho é considerado mais fácil. Todo
mundo prefere trabalhar com as comunidades carentes a cuidar das pessoas que
muitas vezes têm problemas de alcoolismo e, em alguns casos, são até
violentas”, conta o coordenador.
A Fundação Leão XIII tem cinco unidades na área do Grande
Rio e Niterói. Se em Itaipu somente os homens são abrigados, no Fonseca, também
em Niterói, apenas mulheres são aceitas. Em Campo Grande, a maior unidade, o
local é exclusivo para idosos de ambos os sexos. A triagem é feita em
Bonsucesso e a unidade da Praça Harmonia, na Praça Mauá, fica responsável pelos
migrantes – aqueles que estão de passagem pelo Estado e não têm condições de
voltar para casa. Quando é feito o recolhimento, os mendigos são levados para
Bonsucesso e, de lá, encaminhados às diversas unidades.
A psicóloga da Coordenadoria de Assistência Especializada (CAE) da Fundação, Carmen Lustosa, diz que, no momento, a unidade de Bonsucesso está em obras, o que reduziu o recolhimento. "Só estamos atendendo a casos de emergência e a triagem está sendo feita provisoriamente na Praça Mauá", explica0 O coordenador da unidade do Fonseca, Pedro Paulo Berba, contouque o centro está trabalhando com 14 internas, todas com idade entre 18 e 65 anos.