sábado, 15 de abril de 2017

FECHADO

Este blog completa hoje dez anos, boa data pra terminar. Começou com o impulso de afago no ego com o qual, dizem, começam todos os blogs, pra virar com o tempo, e algumas edições retroativas, esporádicas, algo mais definido, o registro umbiguista de parte do trabalho de um repórter, dos mais discretos, em jornais e revistas quase todos extintos.

O repórter iniciou sua trajetória entre os valões, os presuntos e as belezas de Niterói, São Gonçalo e adjacências. A vista do alto do Parque da Cidade, as praias oceânicas, a Fazenda Colubandê, sede do batalhão florestal, tudo isso foi visto ainda que, na maior parte do tempo, o destino da Fiat Uno ou do Gol BX da reportagem fosse mesmo o Jardim Catarina, ou qualquer dos morros do Cavalão, do Estado, Souza Soares, da Lagoinha..., até que o repórter virou redator, mas logo voltou a ser repórter, acumulando dois empregos e conhecendo a tranquila rotina de uma revista mensal, na finada editora Bloch, pertinho do lago, dos patos e dos fantasmas do Palácio do Catete.

O repórter trocou a dupla jornada pra ganhar menos e trabalhar mais pelo nome, pela história e pelo charme da redação que era um grande H, com a metade de uma das traves de futebol americano da letra cortada pelo espaço da fotografia. Por lá o repórter passou quase despercebido, observando, fazendo amigos e viajando, inclusive. Viu o São João de Campina Grande, as montanhas de Maccu Picchu, a Ilha do Sol e aprendeu todo dia conhecendo o Rio de Janeiro natal, na louca rotina da editoria Cidade de um grande jornal durante quase três anos até a troca pelo meio-termo entre aquilo e a revista mensal.

Na sucursal carioca da revista semanal de celebridades (no início nem tanto), o repórter trabalhou por quase seis anos e viajou mais ainda. Viu o céu mais estrelado da vida em meio à caatinga do sertão piauiense, acompanhou a transformação do roqueiro em romântico, cantando em espanhol entre a Cidade do México e Miami, e presenciou também, antes de cortar quiabo em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, o samba de roda na casa de Dona Canô com ela ativa ainda, a dois dias dos noventa e cinco.

O repórter foi a Maceió atrás da jogadora de vôlei, musa, conversou com a cantora em Salvador e com o colega dela, amigo, então ministro, em Brasília. E no Rio, em casa, entrevistou muito mais gente ainda, do arquiteto nonagenário, duas vezes, ao cirurgião plástico mais famoso do país, quiçá do planeta, do maior craque francês até surgir Zidane ao treinador campeão de tudo na sua área, ranzinza.

Cineastas, atrizes, atores e prefeitos, governadores, senadores, diretores da televisão e ídolos da escrita, tipos diversos tiveram suas vozes gravadas em fita cassete pelo repórter que, na revista ainda, cobriu também chacina, prisões, foi a uma plataforma de petróleo em alto mar e pelo menos um furo internacional conseguiu, repercutido no mundo inteiro e pautando até o Casseta & Planeta, onde Hélio de La Penha fez o papel da personagem encontrada graças à dica do chefe que o chamava de “craque” e, três anos depois, o demitiria.

O repórter, então, virou editor no jornal mais antigo da América Latina, a última experiência cotidiana numa grande redação que foi definhando, diminuindo até o fim no prédio em construção ou demolição, sabe-se lá, onde por quase dois anos dos onze passados na empresa teve-se a sorte de ser o responsável pelas páginas da política, fora outras editorias acumuladas, sem precisar fazer o que tem sido feito em redações bem mais numerosas, em nome do aumento da riqueza já absurda dos patrões e da sobrevivência calcada em mentira, confusão e cinismo, pra garantir a sangria regular e milionária dos cofres públicos, na forma de anúncios.

Com a independência da indiferença, gerada pela proximidade do fim calculado pelos próprios ditos gestores, caloteiros, o repórter, na qualidade de editor, fechou suas páginas do jeito que quis, em latente contradição às vezes até com a primeira página, falando praticamente o oposto do publicado em jornais maiores da casa, um de Brasília, outro de Minas, e guardou algum material desse período pra, se for o caso, mostrar aos filhos, na expectativa de vir a ser questionado no futuro, quando este tempo soturno, medieval, for debatido.

O jornal acabou e o repórter caiu de cara num trabalho diferente de tudo até então, num “blog sujo”, como já disse o apresentador de tevê da corridinha fazendo curvinha na mesa, pra novo vazamento programado contra o vilão de sempre. Fora isso, o repórter continuou tentando, e é provável que continue, apesar da sensação de que o momento tem tudo a ver com a matéria aí embaixo, a última destes Relatos que agora se encerram com a pretensão de permanecer como obra fechada, registro bem particular de um tempo que, se não acabou também, tá quase. 

Jornal O Fluminense, edição de terça-feira, 22 de novembro de 1994

“Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na rua”.

O aumento do número de mendigos em Niterói está começando a se tornar um problema crônico do município. Além do Centro da cidade, tradicional reduto da população esmoleira, bairros como São Francisco e Icaraí, áreas consideradas nobres, já convivem há algum tempo com famílias inteiras e grandes grupos de mendigos dormindo nas ruas. Para piorar esse quadro, as duas unidades da Fundação Leão XIII em Niterói não têm vagas e trabalham em condições precárias.
Entre os locais prediletos de quem vive nas ruas estão o Jardim São João, a Praça da República e a Rua Visconde do Rio Branco, no Centro. Além destes, a maioria dos viadutos da cidade é aproveitada como abrigo pelos mendigos. Em bairros menos movimentados e mais valorizados, como Santa Rosa, Icaraí e São Francisco, por exemplo, os indigentes também estão presentes. Eles costumam “freqüentar” o Largo do Marrão, em Santa Rosa, e as ruas próximas ao Caio Martins.
Em São Francisco, a maior concentração de indigentes fica na Rua Araribóia, ao lado da agência da Caixa Econômica Federal (CEF). “Isso é uma praga. Esse pessoal é uma mistura de assaltante com guardador de carro”, reclama Fernando Pereira, que mora na Rua Araribóia. Outra moradora da rua, que preferiu não se identificar, afirma que o barulho e o mau-cheiro são os principais problemas causados pelos pedintes. “À noite ficam mais de dez aqui, bebendo e gritando. Nós temos pena e sabemos que eles não tem para onde ir. O problema é que pode haver marginais infiltrados entre os mendigos vigiando as casas. Tenho muito medo disso, porque minha casa já foi invada por ladrões”, diz a moradora, que também cobra providencias da CEF.
O gerente da agência da CEF em São Francisco, Paulo Glicério, diz que a calçada é da Prefeitura e, nesse caso, a CEF não tem como interferir. Às 10h de ontem apenas três mendigos estavam no local. Eles disseram que somente dois deles moram ali e não incomodam ninguém. “Estou na rua há oito meses porque minha casa pegou fogo”, diz José Augusto Batista, de 49 anos.
José diz que mora na rua acompanhado apenas de Pedro Bezerra Silva, 48, e dois cachorros, "Joaquim” e “Xuxa”. O outro mendigo, Adílson Ribeiro, de 33 anos, justificou sua presença no local dizendo que era amigo de José Augusto. “Tenho três anos de rua e nunca arrumei problema com ninguém”, diz Adílson, que afirma morar em Charitas. Pedro Bezerra pede para as pessoas entenderem que ele não tem onde ficar e definiu sua situação cantando um velho samba. “Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na rua”, cantarolou o indigente, completamente embriagado.
O coordenador da unidade de Itaipu da Fundação Leão XIII, Sérgio Belchior, diz que recebe mais de 20 ligações por semana de reclamações contra mendigos. “Quem faz o recolhimento é o pessoal do Rio. Nós apenas acolhemos aqueles que nos procuram, se houver vaga. O fato é que ninguém quer investir na questão da população de rua porque isso não dá retorno”. A unidade de Itaipu só acolhe homens e, atualmente, conta com 300 internos. A capacidade da unidade é de 480 pacientes, mas segundo Sérgio, as instalações precárias impossibilitam o trabalho com esse número de internos.
A falta de funcionários é outro problema das unidades de recuperação social da Leão XIII. “A Fundação tem ainda mais de 40 centros comunitários no Grande Rio, onde o trabalho é considerado mais fácil. Todo mundo prefere trabalhar com as comunidades carentes a cuidar das pessoas que muitas vezes têm problemas de alcoolismo e, em alguns casos, são até violentas”, conta o coordenador.
A Fundação Leão XIII tem cinco unidades na área do Grande Rio e Niterói. Se em Itaipu somente os homens são abrigados, no Fonseca, também em Niterói, apenas mulheres são aceitas. Em Campo Grande, a maior unidade, o local é exclusivo para idosos de ambos os sexos. A triagem é feita em Bonsucesso e a unidade da Praça Harmonia, na Praça Mauá, fica responsável pelos migrantes – aqueles que estão de passagem pelo Estado e não têm condições de voltar para casa. Quando é feito o recolhimento, os mendigos são levados para Bonsucesso e, de lá, encaminhados às diversas unidades.
A psicóloga da Coordenadoria de Assistência Especializada (CAE) da Fundação, Carmen Lustosa, diz que, no momento, a unidade de Bonsucesso está em obras, o que reduziu o recolhimento. "Só estamos atendendo a casos de emergência e a triagem está sendo feita provisoriamente na Praça Mauá", explica0 O coordenador da unidade do Fonseca, Pedro Paulo Berba, contouque o centro está trabalhando com 14 internas, todas com idade entre 18 e 65 anos.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

ALTA COSTURA

Ele já tinha conhecido a glória em seu ofício e, no entender do repórter leigo no assunto, não estava mais tão no topo nem da cadeia nacional quando concedeu a entrevista. Mas chegava de volta ao país natal com pompa e circunstância, após mais de quinze anos morando em Paris, no centro do mundo. Abria logo de cara seis lojas banhadas em luxo, e a entrevista, interrompida mais de uma vez para cenas de Jacques Leclair, ou Victor Valentim, foi na única delas no Rio, no coração de Ipanema, que em menos de um ano estaria fechada.

Revista Istoé Gente, edição 274, de 8 de novembro de 2004

“Não posso falar porque não conheço. Fico fechado no meu mundo”.

No fim de 2001, o estilista Ocimar Versolato, 43 anos, enfrentava problemas financeiros em Paris, chegou a pesar 104 kg e sofreu uma crise de pânico – tinha a impressão de que faltava ar em qualquer lugar que estivesse. Decidiu fazer análise pela primeira vez na vida, mas achou péssimo o analista francês que procurou. Numa viagem ao Brasil, aceitou o conselho de uma amiga e se consultou com um psicólogo brasileiro. Gostou.
Bem de cabeça, emagreceu 30 quilos com dieta nos últimos três anos. Só precisou de uma lipoaspiração antes de iniciar o regime, “para criar coragem”. Aumentou as vindas ao Brasil e, quando percebeu, já morava na terra natal de novo, numa casa no Morumbi, em São Paulo. Deixou para trás uma trajetória de 16 anos em Paris, onde conheceu a glória e o fracasso financeiro traduzido em dívidas. Só à previdência social francesa, devia cerca de US$ 300 mil.
Agora, Versolato acaba de inaugurar sua loja em Ipanema, no Rio de Janeiro, onde uma calça jeans custa R$ 450, o vestido de noite mais caro sai por R$ 28 mil e o preço de um terno é R$ 4,9 mil. Com cinco andares, elevador panorâmico e paredes de mármore, ela é a maior das outras seis da marca abertas no País (cinco em São Paulo e outra no Rio), graças ao investimento de R$ 15 milhões de sua nova sócia, Sandra Habib, representante da Jaguar no Brasil. Os modelos de alta-costura (US$ 10 mil o mais barato) serão exclusividade do ateliê do estilista, um prédio de nove andares em São Paulo. Versolato está de volta ao Brasil, e ai de quem disser que isso é sinal de derrota. “Isso é coisa de caipira, de quem nunca viajou ou foi para Paris uma vez na vida com passagem de US$ 300”, dispara.
Seu único problema na Europa, ele garante, foi a dificuldade de produzir suas roupas, resultado da pouca oferta de fábricas de tecidos de luxo por lá. No Brasil, Versolato tem à disposição uma rede com 30 fornecedores. “O investimento é resultado de um estudo de dois anos e dará retorno a médio prazo”, afirma Sandra.
Na temporada francesa, a polêmica causada por suas declarações também não ajudou. Na mais famosa delas, dita após um desfile de Yves Saint-Laurent, Versolato sugeriu que o consagrado colega francês se aposentasse. Hoje, se arrepende. “Foi coisa de iniciante. Não tinha o direito de falar aquilo”, diz.
No auge de seu sucesso em Paris, o brasileiro chegou a mudar o roteiro de um filme de James Bond, ao ser convidado para vestir em 1997 a atriz Terry Hatcher, bondgirl de 007, o Amanhã Nunca Morre. Terry deveria morrer enforcada com o vestido, mas o tecido sempre rasgava na cena. Após fazer 10 modelos iguais, sem que o problema fosse resolvido, ele resolveu interferir. “Sugeri que dessem um tiro nela. Foi o que fizeram”, lembra.
Uma outra experiência no cinema mudou o estilo de Versolato. Conhecido por preferir as cores sóbrias, ele entregou a Cacá Diegues desenhos nada condizentes com a exuberância da Tieta vivida por Sônia Braga no filme do diretor. Convencido pelo cineasta, mudou os figurinos. “O Cacá me deu um tratamento de choque. Meu trabalho mudou depois do filme”, lembra o estilista, para surpresa do próprio Cacá. “Me lembro de ter falado com ele na época, mas não sabia que tinha sido tão sério”, brinca o cineasta.
Disposto a expandir suas lojas para Paris e Nova York em dois anos, Versolato espera colocar o Brasil no cenário da moda internacional. “Estava faltando um projeto desse porte. Acho que não tinha mais ninguém para fazer isso além de mim”, afirma o estilista, que não cita nenhum outro nome de destaque no País, nem de colegas que têm se destacado no Exterior, como Alexandre Hercovitch. “Não posso falar porque não conheço. Fico fechado no meu mundo”, justifica.

quinta-feira, 30 de março de 2017

A ENTREVISTA ENGRAÇADA

De todas as 119 matérias exibidas aqui no Relatos, a entrevista na qual o repórter mais riu foi, sem sombra de dúvida, esta aí embaixo, deste antepenúltimo texto a ser publicado no blog. A foto ao lado foi feita no local da entrevista, pelo Alexandre Sant'anna.

Revista Istoé Gente, edição 284, de 24 de janeiro de 2005

"Fico quieto mas começam a me provocar, me enchem até eu sapatear, plantar bananeira, cantar, fazer todos os números".

Na Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão postal do Rio em frente à cobertura onde mora, Ney Latorraca, 60, logo avisou: aquela era a primeira vez em 40 anos de carreira que aceitava falar na véspera de algo muito importante. Na sexta-feira 14, um dia após conceder entrevista à Gente, o ator voltou a encenar O Mistério de Irma Vap, a peça que fez ao lado de Marco Nanini entre 1986 e 1998 e foi vista por 2,5 milhões de pessoas. A nova montagem teve público restrito. Apenas os integrantes das filmagens de Quem Tem Medo de Irma Vap?, – com os mesmo dois atores se dividindo entre vários personagens –, que Carla Camurati começou a rodar no fim de 2004. O filme ainda não tem data de estréia, mas no momento é o que concentra as atenções do filho único dos cantores Alfredo Latorraca e Tomasa Palhares.

Teve alguma crise com os 60 anos?
Não, bateu crise aos 40. Achava que já era, que minha carreira estava uma porcaria. Tinha feito dois especiais na Globo que não tinham ido ao ar, Anarquistas Graças a Deus Rabo de Saia. Quando estrearam, me botaram no alto. Aí veio Um Sonho a Mais, dois filmes,Ópera do alandro e Palomera, e outro especial, Memórias de um Gigolô, com a Bruna Lombardi e o Lauro Corona. Nisso estava ensaiando Irma Vap, depois veio a TV Pirata, o Barbosa, o Vlad (da novela Vamp, de 1991) e a coisa foi.

Nunca mais reclamou?
Não, e fico contente que minha mãe tenha visto o filho fazer sucesso antes de morrer (em 1993). Tinha uma ligação muito forte com ela. Minha mãe foi girl (corista), trabalhou com Grande Otelo. Meu pai foi crooner. Para eles foi um desespero o filho ser ator, mas acho que sou bem-sucedido, porque também não sou um ator busto.

Ator busto?
Sabe aquela coisa de virar busto? O sujeito que se acha muito importante e fica assim, parado (faz pose de estátua). Não sou isso. Sei que vão chegar outros papéis. Fiz os personagens jovens de 
Nelson Rodrigues, Shakespeare, e agora vou fazer os avós. Depois faço o tataravô também.

Mas você já admitiu que adorava ser estrela.
Isso é frase de efeito para aparecer. É como a história de posar pelado. Fiz isso em 1974, para a revista Sétimo Céu. O título era: “O que a Vera Fischer tem que eu não tenho?”. Uma bobagem, parecia uma lagartixa, mas chamei atenção. Era tudo insegurança.

Pensou em ser cantor?
Queria dar continuidade ao que meus pais faziam. Formei o conjunto Eldorado, era o dono e cantava. Inclusive um dos garotos que botei no grupo, o Sion (Roberto Sion), virou maestro e arranjador da Elis Regina. Na verdade eu só cantava e dava pinta ali, até que soube de uma peça que precisava de um ator que cantasse. Fiz o teste e entrei no elenco de Pluft o Fantasminha, em 1964. Aí vi que seria interessante fazer teatro, seria um cantor que representava, e a música começou a sair de cena.

Gosta de cantar?
Todo lugar que vou eu canto. Quando vejo que uma entrevista na tevê não está rendendo, começo a cantar. Aí canto a música inteira e acabou a matéria. Geralmente canto “Gota d'água” (de Chico Buarque), é o meu forte. Numa festa também sou sempre convidado para ser a atração, o que vai fazer as gracinhas. Mas agora faço menos.

Por quê?
Antigamente eu chamava atenção por ir muito. Agora chamo por quase não aparecer, aí fica aquele burburinho quando chego. Fico quieto mas começam a me provocar, me enchem até eu sapatear, plantar bananeira, cantar, fazer todos os números. Mas com a violência não tenho saído muito. Ano passado, o aniversário da Luana Piovani tinha um mapa para ir. Não vou mais em festa que tem mapa, não dá mais.

Ficou mais caseiro?
Fico em casa com uma bermuda velha, vendo tevê. Vejo desde documentário de passarinho com a mãe até propaganda de anel vendido em 500 vezes.

Fica mais com amigos ou sozinho?
Estou sempre com amigos, Aracy Balabanian, Nanini, Bruna Lombardi, a Lomba... Viajei com o Miguel Falabella agora no Réveillon para Paris. Uma vez estava em Nova York e a Maria Padilha me disse que o Miguel estava lá. Ele me chamou para jogar buraco e ficamos 12 dias jogando, no final falávamos: “pega esse morto logo, desgraçado”. Isso foi em 2000 e dali surgiu a peça Capitanias Hereditárias (de 2002).

Está solteiro?
Solteiríssimo. Sou um bom partido, mas não me interessa mais falar de vida pessoal.

Você já disse que teve relações sexuais mas nenhuma marcante.
Foi uma fase que passou.

Como é sua rotina no momento?
Fico totalmente tenso. Tomo banho com medo de cair, passo o texto no banheiro, no almoço, dormindo. Aí pulo da cama, vou até o escritório, anoto um negócio, coisa de maluco. E rezo muito, tenho o meu kit-fé. Nossa Senhora Aparecida, Santo Antônio, Buda, alho, tudo junto, é um pacote. O Nanini não faz nada disso, diz que me tendo ao lado já basta, sou quase um patuá.

Que outra mania tem?
Gosto de tudo o mais próximo possível. Tenho uma geladeira no quarto e outra no banheiro. Também adoro despachar no escritório. Pago todas as contas com antecedência. Administro tudo, nada meu foi terceirizado. Não estou em Hollywood, né?

Ainda pensa em ter um filho?
Se acontecer, vai ser bom. Fiz um testamento há três anos e, se tiver um filho, 50% do que tenho será dele. Os outros 50% são da ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação), Gappa (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids) de Santos, de uma entidade de combate à hanseníase e do Retiro dos Artistas. Se não tiver filhos, vai tudo para as instituições.

Colabora sempre com essas instituições?
Sempre. Hoje estou mais preocupado com isso do que com o trabalho. Só dar entrevista, receber aplauso, não tem graça. O ego já está bem alimentado.
Qual a sensação de voltar a fazer Irma Vap?
Daqui a um ano completam 20 anos que a gente começou a fazer. É muito forte. Pensamos que seria uma peça normal, que ficaria de três a oito meses em cartaz. Ficamos 11 anos, e agora veio essa idéia de transformar em cinema.

Topou de imediato fazer o filme?
Pensei que fosse brincadeira, era uma coisa tão longe. Mas em 2001 a Carla (Camuratti) nos procurou dizendo que estava com os direitos para o cinema. Eu e o Nanini queríamos nos encontrar de novo. Quero sempre trabalhar com um ator que tenha o mesmo respeito pelo teatro que eu. Você só consegue brilhar se tem uma pessoa que olhe no teu olho. Não basta fazer a parte dele. No teatro chegávamos oito horas antes para passar a peça inteira, isso manteve o sucesso.

Como é a relação com o Nanini?
Hoje é a minha relação mais forte. Foi a pessoa com quem fiquei mais tempo. Tenho 40 anos de carreira, trabalhei com o Nanini um terço disso. Antes da peça tínhamos acabado de fazer a novela Um Sonho a Mais, em 1984. A gente se conhece muito bem, um sabe quando o outro tá com dor de dente. Um diz: “Segura a peça pra mim hoje que não estou bem”, e o outro faz, sem o público perceber.

Nunca brigaram?
Claro, mas era coisa normal de uma dupla. Sempre tive mania de sair, de largar o projeto. Quando estava no auge, lotando todo dia, eu falava: “Não quero fazer mais”, mas era só uma frase para enlouquecer o Nanini. Fiz isso 5 mil vezes. No fim ele nem ligava mais, mas no começo acreditava, ficava irado. Só queria atenção, coisa de filho único.

Nanini é mais discreto, você é mais extrovertido. Isso não atrapalhou?
Quando começamos Irma Vap, os colegas apostavam quanto tempo ia durar. Quem apostou mais foi a Yoná Magalhães, que disse um mês. Temos temperamentos diferentes, mas muito fortes, por isso fizemos sucesso. Somos tensos, eu principalmente, duas úlceras, diverticulite. Chego mais cedo no teatro, fico na porta, falo com o pipoqueiro, com o pessoal da fila. No cinema não vai dar, mas de repente vou pra porta também, depois às locadoras quando sair o DVD, bem neurótico.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

SILVIO SANTOS VEM AÍ

Foram seis carnavais, de 2000 a 2005, seis anos de um esquema insano de trabalho, do começo ao fim nos dois dias de desfile, indo dormir lá pelas sete, oito da manhã e acordando, no máximo, às duas da tarde, pra varar a madrugada num fechamento tocado por São Paulo. Desse tempo ficou o que se pode chamar, talvez, de um trauma, o fim da mais ínfima necessidade, pra todo o sempre, de passar perto do Sambódromo durante o carnaval. Mas ficou também, é preciso reconhecer, a sensação de ter visto o suficiente de algo que é obrigatório, ao menos uma vez, presenciar, porque a credencial era de trânsito livre, só não valia pra passarela propriamente dita, e com ela pode-se sentir de perto, na concentração, o esquenta e a entrada da bateria, de todas elas em seis anos.

Entre notinhas de fofocas, na mesmice da empolgação do início e da certeza do título ao fim, a matéria abaixo foi o que de mais substancial pode-se extrair do trabalho de escravo deste repórter nada carnavalesco nos dias de folia.

Revista Istoé Gente, edição 83, de 5 de março de 2001

“Não preciso de escada, sou garotão”.

A rotina foi quebrada no barracão da escola Tradição, na zona portuária do Rio, na noite de sábado 24. De um Passat cinza, desembarcou ali às 23h o empresário Silvio Santos. Com motorista e seguranças, foi conhecer o carro abre-alas em que desfilaria no domingo 25, na Marquês de Sapucaí, pela escola que o escolheu como enredo.
Vinte minutos bastaram para que se emocionasse. “Não mereço tudo isso”, disse para o carnavalesco Orlando Júnior. As arquibancadas e camarotes do sambódromo provaram o contrário. Do alto do carro alegórico “O Homem do Baú”, o apresentador deu seu show particular, transformando as arquibancadas num gigantesco auditório.
O domingo foi duplamente inédito. O dono do SBT jamais havia subido num carro alegórico. E nunca fizera seu programa, com colegas de trabalho, ao vivo pela Rede Globo. Com o samba na ponta da língua, parecia estar na tevê. Distribuiu sorrisos e acenou para 80 mil pessoas em 80 minutos de desfile.
A chegada de Silvio foi tumultuada devido ao assédio da imprensa e do público. Cerca de 30 seguranças conduziram-no do Passat cinza com que chegou à avenida até o Juizado de Menores, perto da concentração das escolas, onde esperou pelo início do desfile.
Lá, posou para dois fotógrafos, ao lado de Hebe Camargo e Gugu Liberato, também destaques na Tradição. “Agora estou entregue a vocês. Façam o que quiserem”, disse o apresentador a uma diretora da Tradição. Levado para a concentração, Silvio não esperou pela escada para subir no carro. “Não preciso de escada, sou garotão”, disse.
Foi numa conversa em julho do ano passado que Silvio Santos e o presidente da Tradição, Nésio Nascimento, selaram uma parceria que começou a se formar há quatro anos. Escolhido para ser homenageado, Silvio ouviu Nésio pedir sugestões para o desfile.
A resposta mostrou que agradá-lo não seria difícil. “Cada um sabe fazer bem o seu papel. Façam o desfile que eu faço meus programas.” Desde a escolha do samba, em outubro, a Tradição ganhou inserções diárias de 2 minutos e 35 segundos. Nos meses que antecederam o Carnaval, foram dez inserções diárias durante a semana e 20 aos domingos. Os integrantes da escola estiveram em todos os programas de auditório do SBT, que bancou passagens e hospedagem para 30 componentes.
Silvio foi fundamental para reunir seus colegas de trabalho para o desfile. De Gugu Liberato a Hebe Camargo, passando por Ratinho, Babi e Carla Perez, todos desfilaram. “Fui convidada pelo Silvio, através do Gugu, e não poderia faltar a essa homenagem”, disse Hebe, fantasiada de colombina estilizada. Carlos Massa, o Ratinho, estava agitado e confessou que quase desistiu de subir no carro alegórico. “Me caguei de medo de subir ali”, disse.
Gugu presenteou Silvio com o figurino que o empresário desfilou: um terno de shantung Dior prata fosco – tecido que custa R$ 300 o metro –, desenhado pela figurinista particular de Gugu, Márcia Maia. Foi com ele que Silvio brilhou no carnaval transmitido com exclusividade pela emissora de Roberto Marinho. “Já estava em tempo essa homenagem ao Silvio”, disse o apresentador do Domingo Legal.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

HELENINHA


Este blog está perto de fim. Será dado como encerrado no próximo dia 15 de abril, quando completará, exatos, dez anos. A ideia é que ele continue a existir como uma obra fechada, uma espécie de currículo virtual, mas com registros somente da produção impressa deste discreto repórter, também editor. Até o fim serão mais quatro textos, um em cada mês, dois em abril, além deste que não poderia ficar de fora do Relatos, muito mais pelo gabarito da personagem do que por qualquer mérito jornalístico da matéria aí embaixo.

Revista Istoé Gente, edição 282, de 10 de janeiro de 2005

“Comecei a ficar triste quando cheguei em casa. Me deu uma depressão, um vazio dentro de mim. A Nazaré me pegou”.

Sempre que foi questionada sobre o papel de maior repercussão ao longo de seus 37 anos de carreira, Renata Sorrah respondeu de imediato: Heleninha Roitman, a alcoólatra da novela Vale Tudo (1988) que até hoje é lembrada por fãs da atriz. Nos últimos meses, a convicção que sobreviveu a trabalhos memoráveis, como a destemida Pilar Batista de Pedra sobre Pedra (1992) e a cafetina Zenilda de A Indomada (1997), virou dúvida. Culpa da Nazaré de Senhora do Destino. Em sua primeira vilã na televisão, a atriz de 57 anos é a grande razão para assistir à novela que, com média de 58 pontos no Ibope, é a trama das oito de maior audiência desde O Rei do Gado, de 1996. A personagem fez sua intérprete mudar uma resposta que havia 16 anos era a mesma. “A Nazaré hoje está batendo com a Heleninha em popularidade, e acho que é capaz de passar”, afirma a atriz.
No fim de novembro, Renata teve uma prova do quanto a ex-prostituta que roubou a filha de outra mulher, matou o marido e assassinou uma antiga colega tem mexido com ela. Até então, a atriz nunca sentira qualquer carga emocional depois do trabalho. Chegava em casa e relaxava, por mais forte que tivesse sido a cena. Foi assim, por exemplo, quando fez no teatro, também em 2004, Medéia, que mata os próprios filhos. Mas, depois de gravar o diálogo em que sua personagem conta para Isabel, vivida por Carolina Dieckmann, que ela não era sua filha, a situação foi diferente. “Comecei a ficar triste quando cheguei em casa. Me deu uma depressão, um vazio dentro de mim. A Nazaré me pegou”, conta.
A personagem também modificou a rotina da atriz. Desde que começou a gravar Senhora do Destino, Renata nunca mais conseguiu andar diariamente ou fazer ginástica cinco vezes por semana. Quando tem uma brecha no horário, dá um rápido mergulho na piscina de sua casa, no Jardim Botânico, zona sul do Rio, ou tenta fazer exercícios, também em casa. A maior parte de seu tempo livre, porém, é dedicada aos estudos. Nos dias em que não grava, ela tira três horas da manhã e outras três da tarde para decorar textos e analisar as cenas seguintes. À noite, volta a estudar por uma hora antes de dormir. “Há muito tempo não me lembro de me envolver tanto numa novela”, diz a atriz. O resultado da dedicação é atestado pelo diretor da trama. “Conseguir empatia com o público interpretando uma vilã é coisa rara. Tenho certeza de que a Nazaré não seria esse sucesso todo se caísse em mãos mais convencionais do que as de Renata”, analisa Wolf Maya.
Em meio a tanto esforço, Renata Leonardo Pereira Sochaczewiski (o sobrenome é polonês) só não abre mão de um cinema, um teatro, ou uma saída com a filha, Mariana, 23, para espairecer. Também faz massagens de vez em quando, tudo para manter o equilíbrio emocional. “Tenho que ter força física e mental para agüentar até o fim da novela”, diz ela. Outro truque é nem sequer pensar em Vilma Martins, a mulher que está presa desde o ano passado por ter seqüestrado, em 1986, o menino Pedro Rosalino Braule Pinto, que acabara de nascer numa maternidade de Brasília. “Acompanhei a história na época e fiquei revoltada. Hoje procuro não pensar um minuto nessa pessoa. Não vejo entrevista, não penso nela, nada. Não é um astral que me ajuda”, explica.
O que tem auxiliado a atriz são as conversas freqüentes com as colegas de seu núcleo na novela, formado por Carolina Dieckmann, Leandra Leal e Malu Valle, além de Flávio Migliaccio e Thiago Fragoso. “Em novela, é importante a pessoa com quem você vai contracenar. Se não houver entrosamento, são nove meses de sofrimento. Não conhecia a Renata, mas estava a fim de trabalhar com ela. Achava que seria legal, e foi”, conta Leandra. A relação com Carolina também é boa e inclui telefonemas freqüentes entre as duas, sempre com comentários sobre a novela ou sugestões para melhorar a atuação de ambas. “A Carolina é muito inteligente, tem uma perspicácia de atriz, sabe detectar o que é preciso para melhorar as cenas”, diz.
Com Suzana Vieira, sua antagonista na trama, a atriz garante que também tem uma ótima relação, apesar de terem surgido notícias dando conta de que as duas estrelas da novela de Aguinaldo Silva têm se desentendido. “Não sei se, porque as personagens são inimigas, ficaram achando que nós também somos, mas não existe nada. Eu e Suzana trabalhamos juntas, somos companheiras. Ela é uma pessoa generosa, amiga e segura”, afirma Renata.
Além da Nazaré de Senhora do Destino, Renata brilhou nos palcos em 2004. Foi sucesso de público e crítica ao encenar no Rio Medéia, tragédia grega de Eurípides que, inclusive, a ajudou a compor a vilã da novela das oito. “Se estou fazendo legal a Nazaré, é porque vim toda preparada da Medéia”, afirma.
Se o ano foi bom profissionalmente, no restante também foi ótimo, por um motivo muito simples: a atriz não separa vida pessoal e profissional. Para ela, é tudo a mesma coisa. “O trabalho faz parte da minha vida de maneira tão intensa que tudo fica interligado”, afirma. Depois de três casamentos, com os atores Carlos Vereza e Marcos Paulo, pai de Mariana, e com o autor Euclydes Marinho, Renata está solteira. E sem sentir necessidade de um casamento. “Claro que tenho uns afetos, meus amores e tudo, mas, de ficar junto assim, casada, não estou sentindo falta. Às vezes você está casada e não está feliz. Eu estou feliz, todos os setores estão preenchidos”, diz. Para recarregar as baterias e agradecer o bom ano que passou, Renata comemorou o Réveillon no litoral alagoano. “Precisava mergulhar na água salgada para me revigorar”, afirma a atriz, que, em 2005, pretende levar Medéia para São Paulo e ainda montar Álbum de Família, de Nelson Rodrigues.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

ZÉ RAMALHO

A primeira entrevista com o sujeito tinha sido há cinco anos e tinha rendido não só o primeiro CD da vida do repórter, atrasado por demais nas questões tecnológicas, como a primeira viagem de avião, na primeira matéria apurada fora dos limites do estado do Rio de Janeiro, já registrada aqui nestes Relatos. O CD, aliás, era ótimo, mas a entrevista, no play do prédio onde ele morava, no Rio mesmo, foi curta, só pra preencher um box dentro da matéria sobre o São João de Campina Grande (PB), condição da gravadora pra bancar a viagem. Já a segunda entrevista, essa aí embaixo, no escritório da gravadora, no Rio também, foi bem mais longa.

Revista Istoé Gente, edição 144, de 6 de maio de 2002

"Uma substância como o THC te coloca numa espécie de mixagem, onde você consegue discernir as coisas com calma e sem estresse. No processo criativo, o difícil é ter uma fagulha para começar por algum lugar. Você fumando uma coisa vai ter mais calma pra escolher. Claro que cada cabeça é um mundo, mas comigo funciona assim".

Aos 52 anos de idade e 27 de carreira, o cantor e compositor Zé Ramalho encarna como poucos a decantada capacidade de sobrevivência do povo nordestino. Nascido em Brejo da Cruz, sertão da Paraíba, ele foi tentar a sorte no Rio de Janeiro nos anos 70, sem ter onde morar. Dormiu na rua durante um ano, chegou ao sucesso logo no primeiro disco, mas também conheceu o outro lado da fama. Derrubado pela cocaína, caiu no ostracismo até provar que é, antes de tudo, um forte. Lançando novo disco pela BMG, O Gosto da Criação, só de músicas inéditas, fato raro no mercado fonográfico, o compositor dá prosseguimento à recuperação consolidada em 1997, com o sucesso de Antologia, que celebrou os 20 anos de carreira. Três casamentos – atualmente divide o teto com a economista Roberta –, e pai de seis filhos (entre 6 e 27 anos), Zé Ramalho é hoje um sujeito preocupado com as “irresponsabilidades dos filhos”.


Por que lançar um disco só de músicas inéditas?
Meu disco de estréia, em 1977, tinha “Chão de Giz”, “Avohai” e “Vila do Sossego”, que viraram sucessos. Quando começo uma carreira assim, tenho que respeitar esse compromisso com a força da criação. Hoje tudo é mais fácil quando você regrava músicas conhecidas. As gravadoras torcem o rosto para um disco de inéditas, mas sabem que há uma geração de compositores que tem de ser respeitada.

Hoje é mais difícil trabalhar?
O sistema está muito mais selvagem. Nos anos 70, havia uma carência de autores na música brasileira. Hoje é essa profusão de jogadas, de gente que vira artista da noite para o dia. O sujeito entra numa Casa dos Artistas e depois de 15 dias sai um artista, com disco, fã-clube.

Acha que se adaptaria se começasse hoje?
Não teria chances hoje, que se exige um padrão de beleza. Você tem que ter corpo bonito, não pode ter barriguinha. Nem eu, nem Fagner, Alceu, teríamos chance, porque somos os antigalãs. O formato da gente é o de compositor nordestino. Se chegássemos hoje, íriamos disputar o espaço com um monte de bonitões aí, que fazem três acordes e impressionam.

Como se mantém ativo?
Procuro ver como passar com meu trabalho diante desses fenômenos. Nesses 27 anos, vi aparecer e desaparecer muitos artistas. Surge o Tiririca com a tal da Clementina, e no outro ano some. Todo mundo quer ter seus 15 minutos de fama, não importa como. As mulheres cada vez mais siliconadas, os homens querem ser altos, têm de usar salto alto se são baixos, botar bunda de borracha atrás se não estão bem equipados. São os recursos que as pessoas usam pra chegar onde querem. Se me revoltar com isso, terei mais dificuldades ainda.


É verdade que você foi garoto de aluguel?
Isso foi na época da ditadura. Os militares estavam atrás dos comunistas e não perturbavam os hippies que queimavam fumo no Pier de Ipanema. Chegamos ao Rio, um bando de cabeludos jagunços do Nordeste metidos a hippie. E, nessa história de queimar fumo, pra conhecer as pessoas, viramos ratos de shows. Havia as groupies, garotas que iam ao show a fim de transar com o artista, ou com os músicos do artista, ou com qualquer aficionado. Nessa seqüência você acaba sorteado. No outro dia dormia num quarto de motel, elas tinham pena da gente e davam um troco pra refeição.

O que mais fez para se virar no Rio?
Já empurrei cadeira de aleijado, bati santinhos em gráfica, mais de mil por dia, e achava divertido, sabia que era passageiro. Dormi na rua o ano de 1976 inteiro. Muitas vezes em frente ao Copacabana Palace. Naquela época dava para dormir ali sem ninguém te assaltar. Os policiais te acordavam. Aí mostrava a identidade e dizia “sou do Nordeste, vim tentar a sorte como artista”. O camarada te olhava e dizia “cuidado, hein, pau-de-arara”, e te deixava.


Está rico hoje? 
Tenho um apartamento no Leblon (zona sul do Rio) e uma casa na praia lá no Nordeste, pra passar férias. Já é o suficiente, e tenho que ter dinheiro pra bancar irresponsabilidade dos filhos, que começam a fazer netos aí.


Já é avô?
Tenho dois netos, e sobra pra quem? Pro avô. Disse para o meu filho (João, 22, pai de Joana, de 3 meses. A outra neta é Esther, 3, filha de Maria Maria) que hoje, quando se fala abertamente de sexo, não admito você chegar e dizer que engravidou uma menina por acidente. Não quero ouvir nada disso, porque quando tinha a idade dele fiz tudo o que ele faz hoje e não emprenhei ninguém. Meus filhos são todos feitos de casamentos. Acho que sexo é uma coisa normal. Não é normal você engravidar com 16 anos. Quer ter filho, deixa pra depois dos 30.


Mas não fica o orgulho de avô?
Fica. Mas família é bom pra tirar foto, depois é só problema. Sou aquele avô que tira a foto com o neto e depois diz “toma, que o filho é teu”. Minha filha mais nova (Linda) tem 6 anos. Até os 50 ouvi choro de criança em casa. Não agüento mais. Neto pra passar fim de semana comigo, nem morto.


Como foi seu envolvimento com cocaína?
Vim morar no Rio em 1984, quando acabou meu segundo casamento (com a cantora Amelinha). Naquela época o Cartel de Cáli espalhou a cocaína pelo Rio. Ia às festas e gostava. Só não esperava que o envolvimento fosse tão grande. Fiquei muito preso a isso, a ponto de a qualidade do meu trabalho começar a decair. Ficava horas sem dormir. As gravadoras perceberam que eu não queria mais gravar programas, na televisão não podia estar muito crispado, com o rosto transfigurado. Isso pesou e me deram um tempo. Concluí o último contrato em 1987 e fiquei quatro anos parado. Ficava em casa cheirando direto, eram horas sem dormir, virava noites bebendo, fumando e ouvindo música. Não fazia mais nada. Para muitas pessoas eu já tinha encerrado a carreira.


Como largou a droga?
Cheguei a um ponto que parei e disse “não vim de tão longe pra terminar minha vida desse jeito”. Estava perto do grande abismo, da morte. Podia ter uma síncope cardíaca no meio dessas farras. Continuava a fazer shows, mas eram pelo interior do País, porque estava fora da mídia, sem gravar. Aí vieram duas turnês para os Estados Unidos, em 1990 e 1991. Essas viagens foram importantes porque nesses dois anos comecei a querer desplugar o canal com esse negócio.


Procurou ajuda?
Só você pode te tirar disso, ninguém mais. Você passa por um período doloroso. A abstinência causa uma reação orgânica, aparecem furúnculos na pele. Os anticorpos começam a agir porque o sangue intoxicado de anos não recebe mais a coisa. Fiquei nessa algumas semanas, até que um dia aconteceu de eu acordar sem sentir dores, e pela primeira vez percebi os bem-te-vis do Leblon cantando pela janela. Senti que ali estava resolvida essa história. Nunca mais voltei.

E maconha?
Creio que chegará um futuro em que se desvinculará a maconha da palavra drogas. Maconha é uma erva que pode ser administrada facilmente. Amsterdã, com os cafés que vendem normalmente, prova que as pessoas sabem administrar bem isso. Nada ali se degenerou, não houve podridão na sociedade.

Você fuma para criar?
Sempre que posso. Você aflora sua espiritualidade. Uma substância como o THC te coloca numa espécie de mixagem, onde você consegue discernir as coisas com calma e sem estresse. No processo criativo, o difícil é ter uma fagulha para começar por algum lugar. Você fumando uma coisa vai ter mais calma pra escolher. Claro que cada cabeça é um mundo, mas comigo funciona assim.



Ainda está chateado com Paulo Coelho por ele não ter liberado as músicas para o disco em homenagem a Raul Seixas?
É uma coisa definitiva. Pensei que as pessoas fossem coerentes com aquilo que fazem. Você escreve teu livro falando de amor, bem ao próximo, e pratica o quê? Paulo Coelho faz um trabalho público, as pessoas têm uma imagem dele e o que ele pratica é exatamente o contrário. Outra demonstração de mau-caratismo é liberar uma das músicas que fez com o Raul (“Nasci Há 10 Mil Anos...”) pra novela da Globo (Um Anjo Caiu do Céu) e não para o meu disco. Mas o que passou, passou. Já cumpri minha obrigação com meu amigo Raul.


Que lembranças guarda do relacionamento com Raul Seixas?
A maior delas foi em 1984. Ele tinha brigado com a Kika (viúva de Raul) e passou um fim de semana lá em casa. Conversamos muito, tocamos e fizemos planos de gravar um disco juntos. Numa das manhãs, ele, que batia no meu ombro, pegou umas roupas minhas, foi na farmácia e comprou um tubo de Reativan, aquela bolinha que você toma e fica acordado direto. Me acordou às 7h e queria brindar o Reativan com cuba libre. Acompanhei, porque na época eu estava pegando uma cor no inferno, como se diz.


Acha que Raul foi vítima dessas loucuras?
É o mergulho intenso na vida, como Janis Joplin, Jimi Hendrix. Muitos fãs exigem que o artista se comporte de uma forma tal, mas ninguém pensa que ele pode ter essa opção, “quero ser um camicase”. É triste para uma avaliação social, mas é um direito do artista, porque todas essas pessoas que tiveram esse final sabiam o que estavam fazendo. Sabiam aonde poderiam chegar, até mesmo no ponto extremo que é o de cruzar essa linha, ir para o outro lado.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

NEVE

O primeiro contato foi logo depois de acordar, oito e pouco da matina, ao abrir a cortina da janela do hotel. A noite da chegada tinha sido fria, claro, mas nada muito diferente de Gramado, e além disso praticamente não saímos daquele lugar muito bem aquecido, que em cima era restaurante e embaixo, no subsolo, boate, e onde a garçonete era a Natasha Kinski, a atendente do balcão era a Anna Kournikova e na pista de dança evoluíam Ana Paula Arósio e Nicole Kidman, uma sorrindo, os olhos fechados, outra entregue à música, de frente pro espelho, ignorando um idiota em volta.

A cortina do quarto do hotel era grossa, pesada, e assim que foi aberta mostrou aquela imagem inédita, nunca antes vista, um jardim quase todo branco. Mas neve mesmo, daquela que cai em flocos, nos filmes e nas lembrancinhas mais bregas, só veio a aparecer no estádio de futebol fantasma, inaugurado em 1955 para celebrar o décimo aniversário da rendição nazista. Tinha sido erguido em alguma ruína da Segunda Guerra e parecia incrustado no alto de um pequeno monte, como um teatro grego. Mesmo abandonado há mais de vinte anos, mantinha intactos o campo de futebol, com traves e marcações, e boa parte das arquibancadas. Em volta, nas bordas daquele vale, as barracas de camelô ofereciam uma infinidade de produtos, do capacete nazista perfurado a bala ao sobretudo do comandante soviético, da pistola usada, sim, com certeza, no motim do gueto, ao terço benzido por Sua Santidade, o papa. E foi quando eu examinava nas mãos um quepe bege, com a foice e o martelo bem no meio da testa, que começou a nevar. Milhares de flocos do mesmo tamanho, que caíam devagar, como que flutuando, e que voltaram a cair no pátio do palácio presidencial da Polônia, durante a visita do presidente brasileiro, o primeiro da história a aparecer por lá, à frente de uma comitiva enorme de políticos, empresários, convidados de multinacionais e, lógico, jornalistas.

Abaixo, a matéria, típica de revista. As fotos são do André Durão.

Revista Istoé Gente, edição número 135, de 4 de março de 2002

“Ah, nisso eu sou Romário. Quanto a isso não há dúvida”.

Uma menina de 14 anos e um craque de futebol mundialmente conhecido fizeram com que a visita de Fernando Henrique Cardoso à Polônia – a primeira de um presidente brasileiro àquele país – não fosse apenas mais uma série de encontros oficiais, endurecidos pela rigidez dos protocolos diplomáticos. A menina, Júlia Cardoso Zylberstajn, viajava pela primeira vez ao exterior com os avós, o presidente e a primeira-dama, Ruth Cardoso, sem a companhia de outros parentes. Talvez contagiado por sua presença, FHC não escondia o bom humor, que chegou a provocar surpreendentes declarações de apoio a Romário, na luta do atacante para ir à Copa do Mundo de 2002. No primeiro dia em Varsóvia, durante passeio pela Cidade Velha, centro histórico da capital polonesa, o presidente não quis falar sobre a campanha para sua sucessão, mas não resistiu a uma pergunta sobre a convocação, ou não, do craque para a seleção. “Ah, nisso eu sou Romário. Quanto a isso não há dúvida”, afirmou.
Se o artilheiro vascaíno foi assunto na Polônia sem sair do Rio de Janeiro, Júlia só precisou ir a um evento da programação oficial do presidente em Varsóvia para dar um toque de suavidade à comitiva do avô. Ainda no domingo, durante o concerto no Teatro da Orquestra Sinfônica de Varsóvia – patrocinado pela Brasil Telecom –, ela sentou-se na mesma fila dos avós, do presidente da Polônia, Aleksander Kwasniewski, e da primeira-dama Jolanta Kwasniewska.
Ao lado de dona Ruth Cardoso, a filha de Beatriz Cardoso e de David Zylberstajn (ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo e ex-genro de FHC) acompanhou a apresentação da Orquestra Sinfônica da Rádio e Televisão Polonesa, que, regida pelo polonês naturalizado brasileiro Henrique Morelembaum, tocou a abertura de O Guarani, de Carlos Gomes, além das Valsas Humorísticas, de Alberto Nepomuceno, e o concerto para piano e orquestra Formas Brasileiras, de Hekel Tavares. No fim do programa tipicamente brasileiro, a menina, que junto com o irmão, Pedro, 9, costumava dormir no quarto dos avós quando visitava o Palácio da Alvorada, não escondeu a empolgação com o encerramento preparado pela produção do concerto. Sutilmente, acompanhou com a cabeça o som dos nove ritmistas de escolas de samba cariocas que, comandados pelo mestre de bateria Jorjão, tocaram Aquarela do Brasil junto com os músicos poloneses.
O bom humor de Fernando Henrique continuou afiado no segundo dia da viagem, durante a entrevista coletiva realizada após a reunião no Palácio Presidencial, onde os presidentes trataram de assuntos em comum entre os dois países. No discurso antes da entrevista, Fernando Henrique arrancou risos ao dizer que tinha estado na Polônia para aprender. “A primeira coisa que aprendi foi a pronunciar o nome de meu colega, ‘Qua-chi-niévski’”. FHC elogiou a vodka polonesa servida no jantar de domingo, quando foi informado por Kwasniewski de que o Brasil exportava álcool para a Polônia. Na ocasião, o presidente tranqüilizou o colega polonês que, em tom de brincadeira, manifestara a preocupação de que o álcool brasileiro pudesse prejudicar a qualidade da principal bebida da Polônia.
“Disse a ele que, provavelmente, o álcool exportado pelo Brasil só era bebido por automóveis”. Até a última pergunta da entrevista – feita ao presidente polonês a respeito de boatos sobre a possível candidatura da primeira-dama à prefeitura de Varsóvia – gerou brincadeiras de FHC. Depois da resposta do colega, ele pediu a palavra para um último comentário. “É só para dizer que, se ela se candidatar, terá o meu voto.”
Não faltou quem pegasse carona na descontração do presidente para garantir momentos inesquecíveis. Foi o caso de Jorjão e seus ritmistas, que ganharam uma foto ao lado de Fernando Henrique. “Pedi e ele aceitou na hora. Essa foto vai para o currículo”, disse o mestre de bateria da Acadêmicos do Grande Rio.