Um falava do barulho de coisas pendentes, marca registrada do carro; outro reclamava de andar encurvado, da falta de espaço; e a outra ria do teto solar amarrado com barbante. Ficaram nisso o tempo todo, da Avenida Brasil a Laranjeiras, achando defeitos aqui e ali no valente Gurgel, até que no final da Pinheiro Machado, ao lado da pedreira, emparelha conosco um sujeito num Del Rey prateado.
Estávamos em 1997 e o Del Rey já havia saído de linha há quase tanto tempo quanto o Gurgel. A identificação entre os dois veículos já seria natural, mas o motorista do Del Rey, que trafegava sozinho e parecia o James Belushi, resolveu aproximar de vez os laços entre os dois carros. Com a cabeça pra fora da janela, nós dois a uns 50 por hora, gritou:Muito maneiro esse teu carro, cara! Quer trocar?
O sujeito estava visivelmente transtornado e o problema devia ser no casamento dele, porque quando sua primeira oferta foi recusada, já entrando na Muniz Barreto, ele emendou com um lance maior, definitivo:
O carro e a minha mulher! Vai?
Nova recusa, ainda a 50 por hora, e o trânsito tratou de nos separar para toda a eternidade. Dentro do Gurgel, todos gargalhavam e ninguém mais falava mal do carro.
Esse texto é uma homenagem um tanto tardia a João do Amaral Gurgel, o sujeito que simplesmente inventou o Gurgel, essa maravilha da indústria automobilística nacional. João morreu no último dia 30 de janeiro. Fica aqui a homenagem do Relatos ao grande empreendedor.