quinta-feira, 28 de junho de 2007

SOBRE MARISCOS E PROMESSAS

Aqui já foram mostrados textos da finada revista Incrível, do icônico Jornal do Brasil e da Istoé Gente, revista que concentra a maioria disparada da produção deste repórter que começou sua trajetória do outro lado da Baía de Guanabara, viajando muito, mas muito mais de barca do que pela ponte. E como o velho e bom jornal O Fluminense, mais centenário até do que o JB, não poderia deixar de ser lembrado logo neste início de blog, segue a matéria abaixo, um clássico do jornalismo local repetido em centenas, milhares de pautas, no qual as autoridades prometem, projetam, e o povo espera.

Jornal O Fluminense, edição de terça-feira, 20 de setembro de 1994

"O melhor é continuar nosso trabalho. Se tudo der certo, ótimo. Se não, paciência".

Foto: Luiz Ackermann


A Secretaria Estadual de Agricultura, Abastecimento e Pesca espera começar ainda esse mês a construção do Centro de Beneficiamento Comunitário de Mexilhão, em Jurujuba. O centro é um projeto da Federação Instituto de Pesca do Rio (Fiperj) e vai ser responsável pelo tratamento do mexilhão pescado por todos os marisqueiros de Niterói e o conseqüente aumento da qualidade do produto. A associação Livre de Mariscultores de Jurujuba, por sua vez, espera que o projeto saia definitivamente do papel, depois de mais de três anos de espera.
O centro deverá ser construído numa área de 400 metros quadrados, ao lado do Colégio Fernando Magalhães. De acordo com o diretor da Fiperj, Marcos Bezerra de Menezes, o governo do Estado vai entrar com uma verba de R$ 108 mil para o material e a Prefeitura ficará responsável pelo restante da obra. O Fundo Life, da ONU, também participa do projeto, com a doação de US$ 30 mil para a compra de equipamentos. "Com o centro, vamos ter mais condições de combater os problemas paralelos causados pela extração e cultivo dos mexilhões, problemas esses de ordem ambiental, social e urbana", diz Marcos.
Na realidade, esse projeto é uma continuação do Parque Comunitário de Criação de Mexilhões, inaugurado em janeiro de 93 na Fortaleza de Santa Cruz. Esse parque diversificou a produção, que deixou de ser exclusivamente extrativista, e melhorou a qualidade do mexilhão, que já sai da Fortaleza com o certificado do Laboratório de Rações Alimentares (Lara) da UFF. A produção do Parque (900 kg de carne a cada quatro meses) ainda é pequena comparada aos 2000 kg diários pescados pelos marisqueiros de Jurujuba, mas o preço do mexilhão cultivado chega a ser até três vezes superior ao normal. "Até alguns restaurantes caros de Jurujuba, que não compravam o mexilhão daqui, estão adquirindo o produto do Parque, pela sua qualidade comprovada", conta Marcos.
No futuro centro de beneficiamento será feito o cozimento do mexilhão, além do desconchamento e do ensacamento. Atualmente, todas essas atividades são feitas precariamente, em mesas de madeira onde trabalham, em cada uma, de cinco a sete pescadores. A intenção da Fiperj é participar da administração e fiscalizar a produção nos dois primeiros anos e, depois, desse prazo, deixar tudo por conta dos pescadores. "Queremos fazer tudo dentro dos rigores técnicos, inclusive com o auxílio da UFF. Para isso, vamos participar da produção do centro nos dois primeiros anos", explica Marcos. Entre os equipamentos previstos para o novo centro estão panelões para o cozimento, mesas de aço inoxidável, balanças e refrigeradores para a conservação do produto.
Marcos avisou ainda que o centro vai atender a todos os marisqueiros de Niterói, não só de Jurujuba mas também da Boa Viagem, Praia das Flechas e Sandiz (Centro), por exemplo. Quanto ao cultivo na Fortaleza de Santa Cruz, considerada uma área mais propícia ao desenvolvimento do mexilhão por estar na boca da baía, sem tanta poluição, ele disse que esse tipo de atividade não vai afetar a pesca dos mariscos. "Ninguém vai deixar de ser marisqueiro. O que pretendemos é dar início a um processo de ordenamento da produção marisqueira. Os maiores produtores do mundo, como a Espanha, conciliam o cultivo com a atividade extrativista", explicou.
Mesmo com a promessa do governo do Estado de começar a construção do Centro de Beneficiamento de Mexilhão, a Associação de Maricultores de Jurujuba continua com motivos para reclamar da Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Pesca. O presidente da Associação, Misael de Lima, 38 anos de idade e 20 de Jurujuba, diz que só vai acreditar no centro quando chegar o material para a construção. "Não dá mais para acreditar em papel assinado, pois já estamos na espera há três anos. O problema é que o tempo do Estado é um e o nosso é outro. Queremos soluções imediatas e o governo quer fazer um negócio a longo prazo", protesta.
A Associação de Jurujuba foi fundada há três anos e conta com cerca de 50 associados. Em todo o município, aproximadamente 300 famílias dependem da mitilicultura (cultivo e extração dos mexilhões) e a colônia de Jurujuba é responsável pela maior parte da produção - 2 mil quilos de carne por dia. "A demanda para o mexilhão existe, mas só falta o centro para que a qualidade dele melhore e tenhamos mais condições de disputar o mercado", diz Misael.
Apesar da insatisfação com a secretaria, os pescadores são gratos, em parte, ao trabalho desenvolvido pela Fiperj, desde a criação do Parque da Fortaleza de Santa Cruz. "Agradeço a eles pelo trabalho, que foi bom para o esclarecimento de coisas que antes não sabíamos, como o cultivo do mexilhão. O problema é que eles vieram com a idéia do centro, nós aceitamos e agora o projeto fica parado todo esse tempo", diz o diretor da associação, Heleno Nascimento, de 44 anos. "Se o Estado não fizer nada vamos sair pedindo e tentar fazer por conta própria. Precisamos desse projeto até para ter onde guardar a produção quando não conseguirmos vender", completa. Misael mantém sua desconfiança em relação à conclusão do centro. "O melhor é continuar nosso trabalho. Se tudo der certo, ótimo. Se não, paciência".

Barcos e mergulhos. Nem todos os marisqueiros do estado trabalham da mesma forma. Enquanto uns só extraem o mexilhão das pedras, exclusivamente para sua própria sobrevivência, outros possuem até compressores de mergulho e vão a até oito metros de profundidade para conseguir o produto. Os pescadores de Jurujuba não chegam a esse grau de desenvolvimento, mas estão entre os mais organizados.
Os marisqueiros estão dividido em categorias. Há, por exemplo, os lateiros, que só extraem o marisco das pedras para a própria subsistência e os guardam em latas. Eles são comuns na Boa Viagem e no Aterro do Flamengo, no Rio. A segunda categoria já extrapola a subsistência e chega a comercializar o produto, mas os marisqueiros não costumam ter barcos. Estes são comuns na Ilha da Boa Viagem e na Praia das Flexas, que também é reduto da terceira categoria. Esta já conta com pequenos barcos a remo, mas ainda não é tão desenvolvida como a colônia de Jurujuba (4a categoria), que chega a ir até as ilhas oceânicas para extrair o mexilhão.
Segundo Marcos, a quinta e mais desenvolvida categoria se encontra atrás da antiga Sandiz, no Centro de Niterói. "Eles mergulham até oito metros de profundidade para pegar mariscos". O diretor da Fiperj contou ainda que 90% da produção de mariscos do Rio são vendidos para São Paulo. Em Jurujuba, os pescadores costumam trabalhar no mar das 5h às 11h30, aproximadamente. Eles vão até as ilhas oceânicas (Cagarras, Maricá, Tijuca, Pimenta, Tucunduva) em até cinco barcos a motor, que chegam a levar de dois a quatro botes.