quarta-feira, 16 de julho de 2008

HONÓRIO, O GURGEL – A VIAGEM


Descanso mesmo, de mais de cinco segundos, só quando alguém passava a nossa frente e ficava um tempo na pista da direita, até desaparecer na escuridão. No mais, o indicador e o dedo médio da mão esquerda foram heróicos naquela viagem de volta da Região dos Lagos. Seguraram, um e outro, revezando-se, a alavanca do farol alto, que não ficava no lugar e poderia muito bem ser deixada de lado, se o farol baixo do gurgel estivesse funcionando.

Ao meu lado, meu amigo Manguaça, que sempre gostou muito de falar, vinha em silêncio. De vez em quando perguntava se eu enxergava alguma coisa à minha frente. E eu, entre as piscadelas do farol alto, com os dois dedos já latejando, dizia que sim, que tava tudo tranqüilo. Só que a gente tinha resolvido, ao sair de Arraial do Cabo, dar uma passada em Búzios antes de voltar ao Rio, e com isso pegamos a estrada no fim da tarde. Em menos de meia hora de viagem, começou a escurecer. Foi quando me lembrei do pequeno problema no farol do carro.

Pegar estrada à noite já é um negócio que requer cuidado redobrado. Se não tiver farol, então, fica ainda mais difícil. O bravo Honório fazia sua parte. Rodava macio, nem parecia ligar para a limitação de seu campo de visão. O problema era ficar segurando a porra da alavanca do farol alto.

Meu esforço deve ter sido maior que o do Senna naquele GP do Brasil em que ele perdeu sei lá o quê, acho que umas cinco marchas, e cruzou a linha quase desmaiando. Depois saiu do carro como se acabasse de escapar de um naufrágio e parecia que levantava um menir quando ergueu o troféu da corrida, que não devia pesar nem cinco quilos.

Não precisei fazer essa cena toda, mas confesso que aliviei a tensão ao longo daquela viagem, às escuras, com dois dedos doendo sem parar, de forma um tanto estranha. Primeiro vibrei com um engarrafamento em Araruama e depois, enquanto o trânsito tava parado, joguei adedanha com o Manguaça, durante alguns minutos. Aí o engarrafamento acabou, a estrada voltou a ficar escura e ficamos em silêncio, de novo.

Alívio mesmo, de esquecer a dor, só quando, inebriado pelos odores da Niterói-Manilha, avistei aquela bela fileira de luzes amarelas, exemplo maior da pujança econômica de nossa ditadura, a nos avisar que dentro de poucos minutos estaríamos todos, eu, o Manguaça, o Honório e os dois dedos que já pulsavam, adentrando na querida cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, amplamente iluminada, pelo menos nas principais vias.

sábado, 5 de julho de 2008

O DEPUTADO FEDERAL

O pé esquerdo de Eurico Miranda veio envolto em bandagens e esparadrapos, que deixavam à mostra a unha do dedão, grande e torta. Uma luxação qualquer, que o fez usar bengala e passar mancando por mim e pelo senhor à minha frente, na ante-sala do gabinete da Presidência do Vasco, em São Januário. Atrás dele vieram um de seus filhos e Paulo Reis, então vice-presidente Jurídico do clube. Os três entraram no gabinete e fecharam a porta.

Uns dois minutos depois, tive a certeza de que o senhor à minha frente formara a zaga campeã do Mundo na Suécia, ao lado de outro vascaíno, quando a secretária perguntou o nome dele e ele, de maneira polida, educada, respondeu: Orlando Peçanha.

Foi recebido logo e também saiu do gabinete rapidamente, enquanto eu entrava, a tempo de ouvir a última fala da conversa. Vamos resolver aquele negócio, disse Eurico, e o cara que jogou no mesmo time que Pelé e Garrincha sorriu e assentiu com a cabeça, antes de sair da sala. Eurico ocupava a cabeceira de uma mesa grande, de uns vinte lugares. O pé esquerdo estava em cima de uma cadeira e achei melhor sentar do outro lado. Não vi mais as bandagens até que, no meio da entrevista, sem qualquer aviso prévio, adentra na sala Eduardo Viana, o Caixa D’Água, na época presidente da federação de futebol do Rio de Janeiro.

Não me lembro se meu entrevistado pediu licença. Sei que ele se levantou e, mancando, apoiado na bengala, foi com o Eduardo Viana pra uma parte mais reservada do gabinete. Fiquei no mesmo lugar, escutando as vozes dos dois sem entender nada, a não ser uma palavra ou outra, solta. Ouvi Caixa D’Água falar em Goitacáz e me lembro bem de uma frase do Eurico repetida três vezes, cada vez mais alto:

E se isso não é evasão de renda é o quê, Eduardo?

Não demorou para voltarem. Eduardo passou direto pela mesa e Eurico sentou de novo na cabeceira, com o pé em cima da cadeira, para continuar de onde havíamos parado.

Tinha jogo do Vasco naquele dia, contra o Goiás, e a entrevista acabou umas duas horas antes da partida. Fiquei por lá. Jantei no restaurante de São Januário e passei pela sala de troféus. Reverenciei o condor do Sul-americano, admirei a réplica da Libertadores e me deparei logo com as taças dos então três brasileiros. E fui lá no fundo, pra confirmar que a edição dos Lusíadas, de mil setecentos e alguma coisa, continuava no mesmo lugar, ao lado do malfadado diploma de vice mundial entregue pela Fifa.

O clube vivia ainda a ressaca daquela tragédia no Maracanã, no jogo em que foi campeão o time que não ganhou de nenhum adversário grande e que levou a decisão para os pênaltis confiando no goleiro, isso porque chegou à final no saldo de gols, graças a um gol inexistente. Já o Brasileiro ainda estava naquela fase de definir quem seriam os classificados para as oitavas-de-final e o início do jogo não foi nada animador.

O Goiás fez um a zero, aproveitando falha de nossa zaga claudicante, que comparada à atual subiria ao patamar de Bellini e Orlando. Do meio pra frente, o time tinha os Juninhos, Pernambucano e Paulista, o Euller e o Romário. Tinha também Pedrinho e Felipe, de vez em quando, e Viola no banco. O Juninho Pernambucano empatou, num chute de fora da área, e o Paulista virou, depois de passe açucarado do Romário. O time já parecia entrosado, jogando o fino, e até a defesa não mudaria muito, até porque suas falhas seriam fundamentais para o que viria dali a uns quarenta dias. Uma vitória única, épica, como jamais nenhum time conseguiu em todo o planeta, em todos os tempos, para dar mais uma amostra do que esse tal de Vasco é capaz.

Abaixo, a matéria.


Revista Istoé Gente, edição 66, de 6 de novembro de 2000

"Costumo dizer que é mais importante ser presidente do Vasco do que ser governador do Estado".

Conhecido por defender aos berros os interesses do Vasco da Gama, clube do qual é vice-presidente, o deputado federal Eurico Miranda (PPB), 56 anos, ignora a possibilidade de ser convocado pela CPI do Senado que investiga irregularidades no futebol brasileiro.
Integrante de outra CPI, a da Câmara Federal, que vai apurar o contrato da CBF com a Nike, Eurico já conseguiu barrar o requerimento que poderia revelar valores dos passes de jogadores.
Mesmo com numerosa coleção de desafetos entre políticos, torcedores e adversários, ele não muda seu estilo. Centralizador no comando do Vasco, onde sempre apareceu mais que o presidente do clube, Antônio Soares Calçada, Eurico é capaz de dizer que se acha mais importante que o governador do Estado do Rio.
Casado com Silvia Miranda, 50, e pai de quatro filhos, com quem divide uma cobertura em Laranjeiras, na Zona Sul, e uma casa em Angra dos Reis, no litoral fluminense, o deputado lança mão de uma frase que destoa da sua maneira truculenta de ser: “Faço tudo com amor”.

O senhor atenderá ao requerimento do senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) para depor na CPI?
Quem é Antero Paes de Barros? Esse senador passou a ser conhecido porque falou no meu nome. Falar no meu nome dá holofote. Eles deviam ser inteligentes e me pedir para que eu colaborasse. É claro que não atenderia a uma convocação dessas. Não há um fato concreto.

Mas o Banco Central aplicou uma multa de R$ 1,3 milhão ao Vasco (por crime de defasagem cambial na venda do atacante Bebeto ao La Coruña, em 1992). O que o senhor tem a dizer?
E o que eu tenho a ver com isso? Não fui eu que participei da negociação (Eurico já era vice-presidente do Vasco na época). Apesar de eu ter certeza da legalidade da transação, não tive nada a ver. Mas eles não querem saber se, legalmente, fui eu que fiz a transação. Eles querem é aparecer em cima desse negócio. Ou você acha que alguma decisão que essa CPI tomar vai ter divulgação? Só vai ter divulgação se falar no Eurico. De repente eles querem me transformar na figura mais importante desse País, que eu não sou. Ou até sou.

É?
Tenho uma representação forte, que é a do Vasco da Gama. Costumo dizer que é mais importante ser presidente do Vasco do que ser governador do Estado. (Eurico ainda é vice-presidente do Vasco, mas deverá ser eleito presidente na eleição de novembro, já que Calçada desistiu da disputa).

Qual o caminho que as CPIs devem seguir?
As comissões vieram num momento bom para fazer um diagnóstico dos problemas do futebol brasileiro. Mas o que estamos vendo é o lado policialesco. Um negócio absolutamente nazista, de perseguição pessoal, de quererem atingir uma instituição como o clube. O clube é a célula do futebol e do esporte, mas é atingido como se fosse dirigido só por marginais, por pessoas que querem se aproveitar.

Quais os problemas do futebol?
As empresas estrangeiras querem tomar conta do futebol. Querem pegar a administração de um time, mas isso não vai dar certo. Você vê aí o Corinthians (ocupa hoje uma das últimas posições no campeonato brasileiro). O investidor pode investir, mas nunca dirigir porque ele não conhece isso. O torcedor não respeita o diretor que hoje é do Vasco e amanhã é contratado pelo Flamengo. Ele pode ser excepcional, mas tem de ter a formação no clube. O cara não aceita que um John da vida vá dirigir o Corinthians. Aí vêm uns políticos que não têm nada a ver com isso e querem fazer palanque em cima do futebol.

Mas o senhor se elegeu duas vezes graças ao futebol.
Não prometi água, habitação, luz, nada. Só defender o Vasco. Meu voto é na emoção, mas aliado à competência. Se o Vasco não tivesse sido campeão brasileiro em 1997 e da Libertadores em 1998 (ano da última eleição), eu não teria mostrado competência para ser reeleito.

Não vê problemas em participar de uma CPI sobre futebol, sendo um cartola?
Como eu posso não estar ligado a essa CPI? Você vai fazer uma CPI da Saúde e o médico não vai participar? Vai fazer uma da Reforma Agrária e o deputado ligado ao MST não pode participar? Por quê? Deve participar, até porque nada é decidido individualmente numa CPI. Vence a maioria.

O que achou da escolha de Antônio Lopes e Leão para dirigir a seleção?
Acho que o Ricardo Teixeira não tinha outra saída. O grande erro dele foi não ter o cargo do diretor de futebol antes. Ele deu ao treinador todos os poderes. O Luxemburgo não tinha ninguém acima dele, nem o presidente, porque o Ricardo Teixeira viajava mais do que ficava aqui. Então ele, Ricardo, viu que ia precisar daquela figura que não deixasse o treinador com a última palavra. E para isso escolheram um cara que conhece. O Lopes (ex-técnico do Vasco) tem essa formação. Aliás, a maioria desses caras que estão aí trabalharam comigo e, em termos de administração de futebol, não tenho dúvidas de que aprenderam alguma coisa.

Ainda defende a renúncia de Ricardo Teixeira?
Claro. Depois do que a seleção fez nas Olimpíadas, perder para a África do Sul e perder para Camarões com nove homens, ele tinha que ter vergonha na cara e sair fora. Ir tratar de outra coisa. O Brasil, com toda essa tradição, não pode perder para um time que começou a jogar bola há cinco anos. Por isso defendo o dirigente amador. Ele tem de ter esse sentimento, mas o pessoal que está aí é absolutamente frio. O Ricardo Teixeira, hoje, é um dirigente profissional.

E se o Vasco caísse para a segunda divisão?
Primeiro isso nunca iria acontecer. Mas, se acontecesse, jamais alguém iria me ver tratando de algum assunto de futebol ligado ao Vasco.

O Vasco participou das Olimpíadas com 83 atletas. Ficou alguma decepção com o desempenho da delegação brasileira?
Se ficou, foi pela falta de compreensão do que representa o projeto olímpico do Vasco. Já me disseram que fiz isso com fins eleitoreiros e até para lavar dinheiro, mas pouca gente sabe que, atrás de um atleta de ponta, como o Gustavo Borges, financiamos 800 atletas em todas as categorias da natação. O problema é que o brasileiro só quer saber de resultados imediatos. Não consegue entender que uma medalha de prata no revezamento 4x100 do atletismo é um feito histórico, que a quarta colocação do Sanderley Parrela nos 400 metros também.

O senhor não obteve credenciais para assistir aos jogos em Sydney. Ficou alguma mágoa do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, por isso?
Ele disse para mim que foi um esquecimento e até quis me dar as credenciais depois. Eu é que não quis. Acho o Nuzman bem intencionado, mas ele depende das confederações e dos patrocinadores. Quando entra um clube de massa como o Vasco, fica um certo temor do pessoal que controla as confederações. Só queria que o COB pelo menos divulgasse o clube dos atletas. Eu contrato uma Janeth, por exemplo. Ela vai para a seleção de basquete, veste a camisa da Caixa Econômica Federal e ninguém diz que ela é do Vasco. Na natação também. Você sustenta o Gustavo Borges o ano inteiro, mas nas Olimpíadas ele aparece como atleta dos Correios.

Sua imagem pode ter prejudicado o projeto olímpico?
Não sei se foi por minha causa. A minha vida tem sido devassada desde que eu me entendo por gente. Nesse país você não pode ser bem casado e não ter problemas de família. É uma merda. Se você não prevarica, não parte nas noitadas, não tem vícios e não é carola, alguma coisa está errada. Aí você consegue alguma coisa, logo acham que foi roubado, só que você não tem três casas para sustentar e não gasta com vícios.

Como no episódio do roubo da bilheteria (Em 1998, Eurico foi assaltado na portaria de seu prédio quando levava para casa R$ 70 mil da renda de um jogo do Vasco em São Januário)?
Nunca tinha levado a renda e nunca mais levei. Aquilo aconteceu por acaso, num dia em que o tesoureiro do clube não pôde levar. Pareceu até coisa armada.

O senhor sempre disse que o craque tem que ter privilégios. Arrependeu-se no caso do Edmundo?
O Edmundo não soube aproveitar as condições que dei a ele. O Romário, por exemplo, tem mais vivência e sabe aproveitar. Mas não me arrependo. Até traria o Edmundo de novo.

Mesmo com o Romário no Vasco?
Com o Romário, não.

terça-feira, 1 de julho de 2008

O DEPUTADO ESTADUAL

A sala de espera daquele escritório no centro do Rio não tinha nada demais. O prédio era dos mais antigos, o lugar era apertado e não existia ali qualquer tipo de preocupação com decoração, bom gosto ou arrumação. Até porque não era o gabinete do deputado. Era somente uma sala que ele mantinha ali perto, para resolver assuntos particulares.

Sentado no sofá ao lado havia um sujeito de terno, cabeça branca, que logo puxou conversa sobre o assunto que nos levara até ali. Se identificou como advogado de um movimento de oposição no Vasco, que nunca gozou de muita reputação entre os sócios. Dizia-se indignado com o que tinha ocorrido e deveria estar mesmo, porque eu também estava, mas a conversa não durou muito. O deputado chegou logo.

De terno, Roberto Dinamite apareceu sozinho. Apertou a mão do advogado, a minha, sorrindo sempre, me pediu licença e sumiu no corredor. Uns três minutos depois, a secretária me disse pra entrar. O advogado, que já estava lá quando eu cheguei, ficou lá sentado.

A sala do Roberto era mais apertada ainda, uma mesa de madeira, daquelas bem pesadonas, envolta por estantes cheias de livros, revistas e afins. O espaço entre as laterais da mesa e as estantes, igual dos dois lados, não deveria ter mais de um metro. Na frente dele, uma bandeirinha do Vasco e outros pequenos apetrechos relacionados ao clube lembravam o passado de ídolo. E havia também, se me lembro bem, um pôster relativamente grande, do cara em campo, com a camisa 10.

A entrevista girou em torno, basicamente, de sua expulsão da tribuna de honra de São Januário durante um Vasco e Ponte Preta, ordenada pelo então presidente do clube, Eurico Miranda. Me contive até o fim, mas depois da última pergunta acabei cedendo à tietagem. Lembrei de um jogo que ele não lembrou. Também pudera. O cara é o maior goleador da história do campeonato brasileiro, foi campeão e artilheiro em cima do Cruzeiro de Piazza e Dirceu Lopes, do Inter de Falcão e Manga e do Santos, de Pelé. Seria difícil mesmo que ele se lembrasse de um Vasco e Coritiba pra cumprir tabela, no Maracanã, em 1987.

Não tinha nem cinco mil pessoas no estádio e o Vasco fez 1 a 0, com Romário. Mas o Coritiba virou no segundo tempo e a torcida começou a encher o saco, primeiro do Romário, que foi substituído; depois, do Roberto.

Ao ritmo de Roberto, Corta Essa – música que o Jorge Ben fez quando ele resolveu voltar do Barcelona pro Vasco, depois de quase acertar com o Flamengo –, uma facção de torcida organizada começou a ironizar a idade já um tanto avançada de nosso ídolo. Ficou nisso até os 41 do segundo tempo, quando ele pegou uma sobra dentro da área, mais ou menos da marca do pênalti, e tocou de chapa no canto, entre uns dezoito defensores do Coritiba. Aos 45, Paulo Roberto deu um cruzamento da direita meio balão, no segundo pau. O goleiro foi nela sem muita chance de pegar, mas certo de que a bola sairia por trás dele. De fato, ele pulou e não achou nada, mas Roberto resolveu conferir. Chegou a tempo de deixar a chuteira direita pra bola quicar nela em vez do gramado, e tava quase na linha de fundo, do lado da trave. A bola tocou no lado externo do pé do Roberto e balançou o meio da rede, no alto.

Hoje Roberto já acumula uma experiência de 15 anos como político, primeiro como vereador e logo depois como deputado estadual, cargo para o qual já foi reeleito três vezes. Está, portanto, perfeitamente enfronhado na política estadual do Rio de Janeiro. Na madrugada de sábado, foi eleito presidente do Vasco, com o apoio tanto do mesmo movimento inexpressivo do advogado à espera quanto do governador do estado. Não se lembra da virada sensacional em cima do Coritiba, mas certamente guarda bem na memória o gol do lençol e as taças, como as de 77, com a Barreira do Diabo, e de 87, quando participou do gol de título mais bonito da história dos cariocas, ao entregar a bola para Tita marcar. E é lógico que nunca vai esquecer que, no último campeonato de sua carreira, foi campeão invicto e levantou a taça em casa, em São Januário, ele que, além de ser o maior artilheiro da história do estádio, é também o maior goleador do campeonato carioca, ainda.

Se a maneira como Roberto foi alçado à Presidência do Vasco não combinou muito com esse negócio de ética e respeito ao clube, pelo menos sua eleição realçou o pioneirismo da Cruz de Malta. Primeiro clube a aceitar negros, pobres e mulatos no time; primeiro a ter um estádio decente; dono do primeiro título do futebol brasileiro no exterior; primeiro a levantar a Copa do Mundo, através do capitão que virou estátua; primeiro campeão carioca do Maracanã; e a primeira camisa de Pelé no Maior do Mundo, o Vasco é agora, também, o primeiro clube brasileiro a ser presidido por um ídolo.

Nesse momento, o Roberto presidente é uma incógnita, mas pelo menos é uma incógnita histórica.

Abaixo, a entrevista.

Revista Istoé Gente, edição 131, de 4 de fevereiro de 2002

"Não é uma coisa que eu diga 'tenho que ser presidente do Vasco' e vá às últimas conseqüências."(Foto: Leandro Pimentel)

Na tarde do domingo, 20, o deputado estadual pelo PMDB, Carlos Roberto de Oliveira, 47anos, assistia ao jogo do Vasco contra a Ponte Preta, no Rio de Janeiro, pela abertura do torneio Rio-São Paulo. Convidado pelo presidente de honra do Vasco, Antônio Soares Calçada, o deputado levou o filho Rodrigo, 9 anos, para sentar-se na tribuna de honra do estádio de São Januário. No intervalo do jogo, pai e filho tiveram de deixar a tribuna. Tinham sido expulsos a mando do presidente do Vasco, o deputado federal Eurico Miranda, que ignorara o convite de Calçada e alegara que os dois precisavam de credenciais para estar lá.
O episódio seria apenas mais um gesto autoritário do polêmico cartola vascaíno se o deputado estadual expulso não fosse Roberto Dinamite, principal ídolo e maior artilheiro da história do Vasco da Gama, com mais de 750 gols marcados nos 20 anos em que defendeu a camisa 10 do clube. Antigo aliado de Eurico, em quem votou para presidente do Vasco, em 2000, o ex-craque não tem dúvidas de que desagradou o cartola ao criticar a decisão de aposentar a camisa 11 do Vasco, em homenagem a Romário, anunciada por Eurico três dias antes da expulsão da tribuna de honra. Roberto disse que não tinha dinheiro pra dar ao clube, numa alusão à declaração de Eurico, que justificou o gesto com o argumento de que Romário ajudava o Vasco dentro e fora de campo. O pai de Luciana, 27, Tatiana, 23, Roberta, 12, e Rodrigo pensa em se candidatar à presidência do clube e sabe quem será seu principal adversário. “A eleição é só em 2003, mas o Eurico está criando uma situação ruim pra ele .”

Você esperava ser expulso da tribuna do Vasco algum dia?
Não. Estava chegando no Vasco e ia para o lugar onde eu sempre fico, um pouco atrás da tribuna. Aí o seu Calçada me chamou. Pra mim é indiferente, mas, até por uma questão de educação, aceitei o convite. Quando sentei, o Calçada falou que uma funcionária ficou surpresa com o convite que ele tinha me feito, que tinha uma ordem pra eu não ficar ali. Quer dizer, já existia uma ordem.

Porque ninguém no estádio impediu essa expulsão?
Quase ninguém percebeu. Estava no bar, numa área reservada da tribuna, quando fui informado que tinha de sair. Se eu fosse um cara meio sacana, que quisesse aparecer, poderia chutar o balde e gritar para a torcida que o presidente do Vasco estava me expulsando. Todo mundo iria ficar sabendo e ia criar uma confusão. Poderia ter uma reação. Também podia dizer que não iria sair, mas não é o meu perfil.

Como seu filho reagiu?
Pensei que ele não tivesse percebido, mas depois ele falou pra mãe (Liliane, 36, mulher de Roberto): “Pô, mãe, eu e meu pai pagamos o maior mico. Fomos sentar lá na tribuna e o cara mandou a gente sair”. Foi isso que me deixou mais mexido em toda essa história. Meu filho se chama Rodrigo Dinamite, tá registrado esse nome. E, pode acontecer ou não, mas ele tem o sonho de virar jogador do Vasco. Ele sempre fala comigo, até me sacaneando: “Pai, você fez só 750 gols? Vou fazer muito mais”. Ele joga bola no colégio e leva todo o jeito. Pode até ser coisa de pai coruja, mas ele é observador. Vê jogos na televisão e pega muitas coisas dos caras fazendo gol, o jeito e tal. Pegou muita coisa do Edmundo, e até do Romário.

Acha que foi expulso por causa das críticas ao fim da camisa 11 do Vasco?
Acho que sim. A história da camisa me magoou, mas entendi que foi uma posição puramente pessoal do Eurico, que hoje é presidente do Vasco. Aí mora o problema da coisa. Existem momentos em que o presidente do clube tem de fazer o melhor para o clube e não o que ele, Eurico, acha que é o melhor, e de repente não é. Ele pode até achar que o Roberto não representa tanto para o clube quanto o Romário, é um direito dele. Mas é uma pessoa que está falando isso, e ele não pode falar pelo clube.

Quem é mais importante para o Vasco? Roberto ou Romário?
Nem questiono isso porque coloco o Vasco em primeiro lugar. Até reconheço que hoje a fase é do Romário. A história do futebol é essa. Tive o meu período, assim como o Ademir (Ademir de Menezes, artilheiro da Copa do Mundo de 1950 e ídolo do Vasco nos anos 40 e 50) teve o dele e outros ídolos também. Só questiono a parte administrativa, de como um clube chega numa situação em que, segundo os jornais, tem uma dívida de R$ 9 milhões com o Romário.

O que achou da CPI do Futebol no Senado e das acusações de que Eurico Miranda teria desviado dinheiro do Vasco?
Existiu a CPI e é lógico que as denúncias têm de ser investigadas, e o Eurico também tem o direito de se defender. Mas ele devia ser transparente na hora de falar dos problemas do Vasco, de quanto o clube deve e a quem, já que ele se mostra tão transparente, direto e objetivo quando coloca a opinião dele. Ninguém sabe qual a real situação do Vasco hoje.

No ano passado, você chegou a apoiar Eurico Miranda durante as investigações da CPI do Senado. Por quê?
Sempre disse que ele tem o direito de se defender, mas não sou contra a CPI. Participei de uma manifestação junto com ele contra a entrada da Polícia Federal em São Januário, da forma violenta que foi, invadindo o clube pra pegar documentação. Logo em seguida teve um manifesto que reuniu os atletas, as crianças que fazem esporte no Vasco. Disse na época que a imprensa também deveria dar destaque ao trabalho que o clube fazia.

Pensa em presidir o Vasco?
Penso. É um sonho, uma vontade. Agora isso pode acontecer no ano que vem, mais tarde, ou pode não acontecer. Não é uma coisa que eu diga “tenho que ser presidente do Vasco” e vá às últimas conseqüências. O Vasco pra mim está acima. Hoje não estou de lado nenhum. Não é em cima do muro, estou acima dessa coisa toda. Não quero mais polêmica com meu nome.

Mas você está magoado com o Eurico?
Claro que eu estou magoado com o Eurico, sem sombra de dúvida.

Nesse caso, aceitaria entrar numa disputa eleitoral contra o atual presidente do Vasco?
A eleição do Vasco é em 2003, e clube é resultado. Hoje já tem um apelo maior por mudanças, mas só vou pensar nisso seriamente a partir do ano que vem. Até porque agora as pessoas estão levando muito para o lado emocional. Dependendo das pessoas que estiverem na oposição, se for uma maioria com peso político dentro do clube, e se essa maioria puser a cara pra fora e participar do processo, aí eu aceito.

Aceitaria um pedido de desculpas do Eurico Miranda?
Isso nunca vai acontecer. O Eurico hoje está num processo em que ele acha que é o dono do mundo. É lamentável. Fui ídolo do Vasco durante 20 anos e não tem uma pessoa no clube, do porteiro ao presidente, que diga que o Roberto não o cumprimentou, não o tratou bem. Essa é a minha formação. Não foi um ano ou dois, foi uma vida ali dentro. Acho que o Eurico deveria respeitar a minha história no Vasco.


Acredita que o caminho para a mudança do futebol no Brasil passa pelos ex-jogadores, como você, Sócrates, Zico ou Reinaldo?
Não descarto essa possibilidade. Seria importante ter os atletas mais presentes, mas só isso não basta. Tudo é política. Essa estrutura do futebol está aí há muito tempo. Você pode mudar os homens e depois discutir como muda o futebol. Mas primeiro é preciso buscar espaço dentro das federações estaduais. É preciso construir uma base política, porque uma proposta radical, para mudar tudo, vai sempre encontrar muitas dificuldades.

Você será candidato à reeleição como deputado estadual?
Sou candidato. E já estão dizendo que o Romário ingressou no PPB (partido de Eurico Miranda). Cada hora aparece uma coisa nova.

Acha que o Eurico pode lançar o Romário candidato para tirar votos seus?
O Romário já deu entrevista dizendo que não é candidato, mas pode até ser. Espero qualquer coisa.