segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O ATOR

Um grande amigo que trabalha na Grobo me contou essa. Ele entrevistava o Tony Ramos para algum especial da emissora e o cara, em dado momento, disse algo do tipo: Depois do serviço, eu faço sei lá o quê, porque o resto não importa. O que importa é que um dos maiores atores do país, quiçá do planeta, chama de “serviço” tudo o que ele fez em 45 anos de carreira, do Rubinho, de Nino, o Italianinho, na Tupi, ao indiano dessa última novela das oito, da Globo, passando pelo Riobaldo do Guimarães Rosa e pelo Jorge do Eça de Queiróz.

E a pauta eram os 40 anos de tevê desse sujeito, que chama a fama de “serviço”, e que talvez por isso nunca foi de se expor muito. O jeito foi contar a vida dele pelos trabalhos na tevê. A entrevista foi na sala de imprensa do Projac. Cheguei na hora marcada e Tony Ramos já estava lá, lógico.

Abaixo, a matéria.

Revista Istoé Gente, edição 258, de 19 de julho de 2004

"Vim para essa profissão não como voyeur, para espiar minha vaidade. Vim porque gosto de representar personagens. É disso que vivo e ponto final."

Ao longo de seus 40 anos de carreira, completados este ano, Tony Ramos, 55, fez personagens marcantes no teatro, como o Zé do Burro de O Pagador de Promessas, e no cinema, como o inspetor Guedes de Bufo & Spallanzani. É a tevê, porém, o melhor veículo para contar sua história. Desde a adolescência em São Paulo, para onde a família de Arapongas (PR) se mudou quando Tony tinha 13 anos, o ator tem levado a vida paralelamente a algum personagem na tevê. É através das telas que ele é mais conhecido, até porque sempre preservou a vida pessoal. “Não alimento o glamour por ser famoso. Vim para essa profissão não como voyeur, para espiar minha vaidade. Vim porque gosto de representar personagens. É disso que vivo e ponto final.”

A Estréia. Aos 16 anos, Antônio de Carvalho Barbosa já tinha estreado, no programa Novos em Foco, quando, em 1965, fez sua primeira novela, A Outra, na TV Tupi. Aluno do curso clássico (hoje ensino médio) do Colégio Estadual Brasílio Machado, em São Paulo, estudava de manhã e, à tarde, encarnava o Vevé, filho de Juca de Oliveira na trama. “Comia pastel, tomava caldo de cana e andava de ônibus”, conta. Da época, ele se recorda ainda dos improvisos do texto. “Não havia emenda eletrônica de videoteipe. Se errássemos, tínhamos de recomeçar toda a seqüência.”

Namoro. Após a primeira novela, o ator só tirou férias em 1974, quando viajou para a Europa com a mulher, Lidiane. O início do namoro foi trabalhoso para Tony. Em 1966, ele estudava à noite quando conheceu Lidiane, então aluna do turno da manhã, numa festa do colégio dos dois. O ator levou 15 dias até convencer a futura mulher a namorar. “Para dar o primeiro beijo, levei uma semana”, conta. Tony só não lembra se a novela que fazia era O Amor Tem Rosto de Mulher ou Os Irmãos Corsos, mas lembra que Lidiane não o assistia. “Ela via a TV Excelsior, até que um dia assistiu e disse ‘legal, gostei’.”
Casamento. Quando se casou, em 1969, o ator já tinha um personagem de destaque, o Rubinho de Nino, O Italianinho. Mas não teve qualquer regalia por isso. Casou numa quarta-feira e, na segunda-feira, já estava trabalhando. “Fui para a praia do José Menino, em Santos, num apartamento emprestado do meu cunhado”, lembra.

Filhos. No nascimento dos dois filhos do ator, Rodrigo, 33 anos, e Andréa, 31, não foi diferente. O parto de Rodrigo foi num dia sem gravações da novela As Bruxas. Mas no nascimento de Andréa, o ator teve de gravar algumas
cenas da novela Rosa dos Ventos. “Fui trabalhar de manhã, mas deu tempo de virar para o pessoal e dizer ‘olha, vai nascer meu neném, tchau, tchau’.”

A Fama e os pais. Na Globo, Tony estreou em 1977, em Espelho Mágico, mas virou ídolo nacional ao emendar três sucessos: Márcio, filho de Salomão Hayala, em O Astro, de 1978, André Cajarana, em Pai Herói (1979), e os gêmeos Quinzinho e João Vítor de Baila Comigo, de 1981. Durante Pai Herói, o ator perdeu o pai (Paulo, que se separou de sua mãe, Maria Antonia, quando o filho tinha 4 anos) e o padrasto (Salvador, que criou o ator desde os seus 14 anos). “Não tive muita vivência com meu pai, mas sempre o respeitei. Já meu padrasto foi muito importante”, diz o ator, que gravou a novela no dia seguinte ao enterro de Salvador. “Foi duro, mas com muita dor quis trabalhar, para fazer a catarse da perda. Para chorar, sim, mas ter consciência que a vida seguia.”

O Sertão. A cena em que Tony Ramos gravava em 1985, como o Riobaldo de Grande Sertão, Veredas, era noturna. O ator rastejava em pleno sertão mineiro, entre Tarcísio Meira e Lutero Luiz, quando ouviu um barulho estranho. Com uma faca entre os dentes, como pedia a cena, perguntou o que era. Tarcísio não soube responder, mas Lutero, rindo, avisou que Tony estava em cima de um cupinzeiro. “Fiz a cena toda, mas quando acabou fiquei só de sunga. Estava cheio de cupim nos meus pêlos e todo mundo rindo em volta.”

O Galã. Como os cômicos Tonico, de Bebê a Bordo (1988), e Manolo, de As Filhas da Mãe, de 2001, ou o perturbado Zé Clementino de Torre de Babel (98), Riobaldo foi um dos personagens que ajudou Tony a se livrar do rótulo de galã, apesar de nunca se incomodar com o fato. “Dizia baixinho à minha mulher e aos amigos, ‘deixa falar, vamos ver quem é galã’”, conta Tony. “Não tenho 1,90m de altura, nunca tive um físico de deus apolíneo. Sou um homem normal, fruto de espanhóis, italianos e portugueses.”

O Avô. Quando Henrique, 5, seu primeiro neto, nasceu, Tony ostentava uma autêntica cara de avô, graças à barba do Miguel de Laços de Família, de 2000. Na hora de raspá-la, o ator quis o neto, então com 1 ano, do lado. “Dizia a ele:‘Vou tirar a barba, mas continuo sendo teu avô’”, lembra Tony, que também é avô de Gabriela, 6 meses, e está no ar como o coronel Boanerges, de Cabocla. Os dois são filhos de Rodrigo. “A gente com neto, relaxa. Criança pra mim é a presença de Deus.”

domingo, 6 de setembro de 2009

O AUTOR


Imagina ter que escrever uma história de cento e oitenta capítulos durante oito meses. Uma história cujo desenrolar será acompanhado por milhões de pessoas, diariamente, e que precisa agradar a toda essa gente. Uma trama com algumas dezenas de personagens, distribuídos em vários núcleos, que serão gradativamente esquecidos ou valorizados, na medida em que caiam, ou não, no gosto popular.

Imagina que para entregar o texto no prazo será preciso internar-se no trabalho em regime de dez, doze horas diárias; e que, em virtude disso, será no contínuo estado de sono interrompido que a mente terá de funcionar para garantir a sobrevida da história, sempre sob a pressão do ibope. Pra finalizar, imagina que o texto a ser escrito será exposto a todo o país, ainda durante o processo de criação, e que as críticas, positivas ou negativas, serão diárias.

A entrevista abaixo é com um sujeito que trabalha dessa maneira.

Revista Istoé Gente, edição número 245, de 19 de abril de 2004

"A um filme as pessoas reagem como se fossem críticos: “Esse roteiro é bom, a fotografia não sei quê”. Na novela, não. É: “A Bárbara tem que casar com o Paco, esse tem que namorar aquela”. É tudo direto, não uma coisa filtrada por uma crítica. Todo mundo que vai ao cinema é expert. Novela não tem isso, é muito mais visceral."

Desde que começou a escrever Da Cor do Pecado, João Emanuel Carneiro dorme às 8h, acorda às 14h e trabalha todo o resto do dia. O resultado da rotina estafante é medido pela audiência de 43 pontos, em média – índice que há oito anos não era atingido por nenhuma novela das sete – ou pelo pico de 48 pontos, esse o melhor desempenho do horário nos últimos 10 anos. É a primeira novela de João Emanuel, 34 anos, e essa foi uma espécie de reedição do que já conseguira no cinema quando assinou o roteiro de seu primeiro longa, Central do Brasil, junto com Marcos Bernstein. Solteiro, o autor mora num apartamento no Leblon e foi descoberto por Walter Salles graças a seu primeiro curta-metragem, Zero a Zero – que fez aos 19 anos, com os US$ 4 mil arrecadados com a venda de uma estátua egípcia que herdara. Apesar do começo “meio por acaso”, encara o sucesso como um veterano. “Penso sempre que o que estou fazendo vai ser extraordinário. Senão, é melhor nem fazer”, diz.

Por que a novela é um sucesso?
Quis fazer uma fábula tipo Alexandre Dumas, mas tocando em pontos da nossa realidade social, como o menino mulato que é neto do milionário, ou a negra que mora no Maranhão e namora o branco rico do Rio de Janeiro. Apontaria isso como motivo do sucesso e também o fato de a novela trazer de volta as relações humanas, de ternura, família. Às vezes você faz uma novela com muita ação, muito efeito, violência. Minha história tem isso também, mas tocando em sentimentos humanistas, como a relação do avô com o neto. Isso comove as pessoas.

Escreve pensando na audiência?
Fico ligado no Ibope, ele te dá a medida de muitas coisas.Se você finaliza um capítulo com um personagem que o povo não gosta tanto, no dia seguinte a audiência já começa mais baixa. A novela é uma amostra de situações cômicas e dramáticas. Claro que tem coisas que interessam mais ao público e outras, menos.

Teme não agradar o público?
Esse horário é complicado. As pessoas estão em casa mas também não estão. Alguns estão chegando, as crianças estão ali. Precisa de agilidade, de chamar a atenção do telespectador de alguma maneira. Fico tenso porque a novela no fundo é um jogo. Por mais que você faça por uma satisfação artística, pessoal, tem que jogar com essas milhões de pessoas que assistem, e são elas também que fazem a novela. Já aconteceu de me pedirem na rua para criar uma situação que eu já tinha escrito, só não tinha ido ao ar. Fico feliz, parece que o público está escrevendo comigo.

A primeira protagonista negra da Globo ajudou na audiência?
Na imprensa ajudou muito, em termos de divulgação, mas não acho que isso tenha sido um fator de alavancagem da audiência. É um factóide de imprensa, a primeira protagonista negra, e não tem como você fazer sucesso com um factóide. O sucesso é da história. Com factóide se faz um filme, um especial, mas não uma coisa tão longa quanto uma novela, porque são 180 capítulos.


Como é o ritmo de trabalho?
Animalizante (sic). Acho que as novelas eram menores antigamente. A Globo era hegemônica, então muitas novelas eram ótimas, mas tinham situações no meio que era a pessoa indo na feira saber o preço do peixe, e virava cena. Hoje é muito mais pesado, o Ibope exige mais. E o fato de fazerem novelas sempre tão longas é mortificante.

A duração deveria ser menor?
Novela de longa duração, com esse tamanho de oito meses, é um problema. Escrevo com o auxílio de uma equipe, mas faço a novela muito sozinho no sentido de que eu conduzo toda a história. É muito pesado narrar 180 capítulos, 40 cenas por dia. Se fossem 150, daria facilmente. Esses 30 a mais fazem a diferença porque não seriam oito meses que ficaria internado, mas cinco. É uma coisa física, humana. Não sei como a Glória Perez ou o Benedito Ruy Barbosa fazem, mas estou quase caindo pelas tabelas.

A escolha de Taís Araújo para viver a Preta foi imediata?
O elenco foi feito por mim, pelo Silvio de Abreu e pela Denise Saraceni (diretora da novela). O que um dos três não queria, dançava. A Taís era a primeira opção dos três. Ela tem a jovialidade que eu via na Preta, essa coisa alegre, carismática. Não podia ser uma bonita triste para fazer esse papel.

Quem escalou Reynaldo Gianecchini para dois papéis (Paco e Apolo)?
A escolha foi minha, pela cara dele. Acho que o Gianecchini tem gente ali dentro. Tem alguma coisa ali. É um homem bonito, mas tem um mistério, uma indagação atrás dele. Como um galã de filme do Hitchcock, um James Stewart.

Já disse que não queria discutir racismo na novela, que escolheu a protagonista negra só para realçar o contraste social dos personagens. Por que incluiu cenas de racismo envolvendo o Raí (filho de Taís Araújo na trama)?
Quando chegou o avô rico (Afonso, vivido por Lima Duarte) com o neto mulato (Raí, interpretado por Sérgio Malheiros) a coisa veio mais forte. No romance você entra pelo sexo, mas muda no momento que tem o filho. É diferente você ter um caso com uma negra e ter um filho, uma família com uma negra. Aí o preconceito passa a abranger a família inteira. Mas acho que o que agrada as pessoas é que a novela tem a discussão desses temas polêmicos dentro de um contexto de fábula. Você não aprofunda isso como aprofundaria numa novela das oito, com uma discussão mais didática do problema. O racismo está dentro da leveza da fábula.

Por que alguém que escreveu Central do Brasil migrou do cinema para a televisão?
Fiz 12 filmes depois do Central do Brasil e sempre tive vontade de fazer novela. É mais estimulante você falar com o povo que assiste tevê do que com a elite que vai ao cinema. A um filme as pessoas reagem como se fossem críticos: “Esse roteiro é bom, a fotografia não sei quê”. Na novela, não. É: “A Bárbara tem que casar com o Paco, esse tem que namorar aquela”. É tudo direto, não uma coisa filtrada por uma crítica. Todo mundo que vai ao cinema é expert. Novela não tem isso, é muito mais visceral.

Há preconceito contra a tevê?
As pessoas acham que desprezando a televisão estão se valorizando. É um erro. A novela é o primeiro prato do consumo cultural do Brasil. Venho do cinema. Minha mãe (Lélia Coelho Frota) é crítica de arte. Fui filho dessa elite cultural, educado no Moma (principal museu de Nova York), no Louvre (maior museu de Paris). Venho desse mundo que nega um pouco a novela e vim trabalhar com isso.

Abriu caminho para uma renovação dos novelistas?
Não sei. É uma honra pertencer a esse time, conseguir fazer uma novela. Fazer 180 capítulos e sobreviver já é um talento extraordinário. Essa novela é tão absorvente
que não tenho mais projetos para o futuro. Só de vida, como poder dormir. Quero sobreviver a isso, aí vou poder ir à praia, tomar um suco...

Voltará a fazer cinema?
Poderia fazer outro filme com Walter Salles. Foi minha experiência mais feliz no cinema, por poder contar uma história junto com uma pessoa em sintonia com você. E contar uma história original, que é o que falta no cinema nacional, pois o que se vê é adaptação de um livro ou uma biografia. Enquanto a tevê se aplicou em encontrar seus narradores, o cinema encontra sempre diretores, com raras exceções. E o cinema nunca será a indústria que pretende ser enquanto não contar histórias originais.

Walter Salles é uma exceção?
Walter é um gênio que tem dedicação total ao trabalho. Também é um narrador. Filmou três histórias originais (Terra Estrangeira, Central do Brasil e O Primeiro Dia). Outras exceções são o Beto Brant, em parceria com Marçal Aquino, o Jorge Furtado, a Sandra Werneck. Já é um caminho.