sábado, 21 de setembro de 2013

DOMINGOS

O artista mal abre a boca pra falar e nem dá pra entender direito, mas você acaba que entende, entende e gosta, gosta e ri, e a entrevista segue leve, na casa dele, com a mulher dele chegando no meio, voltando da natação, e então sumindo no corredor pra voltar no fim, para as fotos. E o artista fala basicamente da vida dele, das mulheres, casamentos e separações, o tema do filme da vez, e fala num sopro embaralhado, pra dentro, no limite do incompreensível, mas você compreende, compreende e gosta, gosta e ri.

Revista Istoé Gente, edição 181, de 20 de janeiro de 2003

“Me baseio na minha vida para criar porque é a única coisa que eu realmente sei”.

Desde que homenageou a ex-namorada Leila Diniz dirigindo Todas as Mulheres do Mundo, em 1967, o cineasta Domingos Oliveira nunca precisou se afastar muito de casa para realizar sua obra. Basta prestar atenção na sala do apartamento que o diretor de 66 anos divide com sua mulher, a atriz Priscila Rosembaum, no Leblon, para comprovar isso. Do sofá ao quadro na parede, passando pelo teclado disfarçado de piano, tudo aparece em Separações, último filme de Domingos, que teve várias cenas rodadas no apartamento e rendeu à Priscila o Kikito de melhor atriz no Festival de Gramado de 2002. “Me baseio na minha vida para criar porque é a única coisa que eu realmente sei”, explica o cineasta.
Nadando contra a corrente dos filmes de temática social, como Cidade de Deus, Separações levou 17 mil pessoas ao cinema nos seis primeiros dias de exibição (foi lançado na segunda-feira 3). O filme, que conta a história do relacionamento de um típico casal de artistas da zona sul carioca, vivido por Domingos e Priscila, tem tudo para se tornar hit de verão e repetir o sucesso do primeiro longa do cineasta, feito numa tentativa de reatar o namoro com Leila Diniz, protagonista de Todas as Mulheres do Mundo. “Tinha me separado da Leila e queria voltar de qualquer jeito. Aí fiz o filme pra ela”, conta o diretor, que não reconquistou a atriz mas resolveu a relação. “A dor da separação foi redimida através do filme.” Mas nem tudo foi fácil. Apesar de dizer que não se lembra de detalhes da época, Domingos assume que “segundo diziam os colegas de set”, ele acabava de dirigir uma cena e saía para chorar, pelo menos no início das filmagens.
Juntos há 21 anos, Domingos e Priscila nunca se separaram, ao contrário dos personagens do filme. Mas, no quinto casamento, o diretor se considera experiente no assunto. “Me separei várias vezes”, afirma o cineasta, que já tem outros dois projetos na manga: um policial noir, chamado O Brilho da Gota de Sangue, e A Primeira Valsa, uma história autobiográfica sobre sua passagem de adolescente a adulto. Como Separações, os dois roteiros foram adaptados de peças de Domingos para o teatro.
Nada mal para quem, até lançar Amores, em 1998, estava há 21 anos sem filmar, talvez pela própria falta de vocação do diretor para captar recursos. “Fico nervoso, achando que os ricos pensam que eu quero tirar o dinheiro deles, o que é exatamente o que eu quero”. Sem fazer cinema, o autor voltou-se para o teatro e a televisão, e tornou-se dono de uma obra numerosa. “Meu nome está diretamente vinculado como autor, ator ou diretor, a 140 títulos”, contabiliza.
Pai da atriz Maria Mariana, 30, e avô de Clara, 3, e Laura, 1, Domingos ainda espera a oportunidade de levar para o cinema a peça Confissões de Adolescente. Autora do texto, Mariana diz que não tinha alternativa a não ser seguir a vocação do pai. “A paixão dele pela arte é tão grande que tinha de fazer teatro pra me aproximar”, lembra a atriz, que hoje se dedica a cuidar das filhas. Enquanto a peça não vira filme, o cineasta só quer continuar a retratar seu cotidiano, tentando mostrar a vida como ela é, sem se preocupar com prêmios como o Oscar, por exemplo. “Jamais ganharei o Oscar. Não é uma festa para a qual fui convidado”, conclui.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

PRESOS, DE NOVO

Ontem eles foram presos, de novo, por ordem e graça do mesmo juiz de onze anos atrás. Ficaram um dia na cadeia até os advogados conseguirem tirá-los de lá. Na primeira vez foram quatro dias, como conta a matéria aí embaixo, assinada também pela Vivianne Cohen, e com a colaboração da Cecília Maia.

Revista Istoé Gente, edição 131, de 4 de fevereiro de 2002

– Sérgio, a polícia está aqui na minha casa. O que eu faço?
– Receba os policiais normalmente, que eu vou ligar para o Nélio

– Mas eu posso tomar banho e fazer a barba?
– Claro que sim. Pode ficar tranqüilo.



Eram 6h50 da sexta-feira, 25 de janeiro, quando o advogado Sérgio Bermudes foi acordado pelo toque do telefone de sua casa, no Rio de Janeiro. Do outro lado da linha, o amigo e um de seus principais clientes, o ex-banqueiro Marcos Catão de Magalhães Pinto, 66 anos, pedia orientação para lidar com um problema até então inimaginável. Três policiais federais estavam na porta de sua mansão, na Gávea, bairro nobre da zona sul carioca, com ordens para levá-lo dali preso. A surpresa do ex-banqueiro, que tinha sido acordado pela chegada dos policiais, às 6h30, pode ser traduzida pelo rápido diálogo com o advogado:
– Sérgio, a polícia está aqui na minha casa. O que eu faço?
– Receba os policiais normalmente, que eu vou ligar para o Nélio (Nélio Machado, advogado criminalista que defende Marcos junto com Bermudes).
– Mas eu posso tomar banho e fazer a barba?
– Claro que sim. Pode ficar tranqüilo.

A chegada de Nélio Machado à casa de Marcos, no entanto, não evitou a prisão do ex-banqueiro, decretada pelo juiz federal Marcos André Bizzo Moliari, da 1ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. Acusado por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e prestação de informações falsas no escândalo financeiro que levou à intervenção do Banco Nacional, em 1995, e deixou um rombo de US$ 9 bilhões assumido pelo Banco Central, Marcos foi condenado em primeira instância a 28 anos de prisão. Ainda segundo a sentença de Moliari, o ex-banqueiro terá de pagar uma multa de R$ 10,764 milhões aos cofres públicos. Junto com o herdeiro do memorável político mineiro José de Magalhães Pinto, também foram presos outros sete ex-executivos do Banco Nacional.
Há 31 meses como titular da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal, o juiz Marcos André Moliari, 33 anos, analisou durante três meses os mais de mil volumes do processo de maior repercussão de sua carreira meteórica, iniciada em 1994, como advogado da Petrobras. Em 1997, foi aprovado para o cargo de juiz estadual, função que exerceu por apenas sete meses, até ingressar na magistratura federal. Acusado pelos advogados dos réus de querer aparecer com a sentença, o juiz é enfático ao se defender. “Se o processo tem essa repercussão toda é por força dos fatos, que falam por si, não por minha causa”.
O martírio de Marcos de Magalhães Pinto e seus antigos colegas de banco durou quatro dias, tempo suficiente para que os advogados de defesa conseguissem o habeas-corpus, concedido na segunda-feira 28, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mello. Com a decisão, os condenados poderão ficar em liberdade até que saia a sentença final do caso, mas só poderão deixar o Rio de Janeiro com autorização judicial. “A prisão foi ilegal e desnecessária. Dizer que meu cliente pretendia fugir é alusão mental, não justifica isso”, disse Nélio Machado, referindo-se à informação de que a prisão foi motivada pela tentativa de Marcos em renovar seu visto para os Estados Unidos. Ao sair do Ponto Zero, a prisão especial onde ficam os presos com curso superior, na manhã da terça-feira, 29, o ex-banqueiro teve seu passaporte apreendido.
No Ponto Zero, Marcos de Magalhães Pinto dividiu um dos alojamentos com cinco ex-colegas do Nacional e outros dois presos com nível superior. Sem televisão, geladeira e ventilador, o local tem cerca de 30 metros quadrados e, além das camas dos detentos, só possui dois bancos de madeira como móveis. Sem curso superior, Antônio Nicolau e Nagib Antônio deram menos sorte. Os dois dividiram uma cela comum do presídio de Água Santa com nove presos. Nos quatro dias em que ficou detido, o ex-banqueiro comeu a comida da prisão, uma quentinha com carne, arroz, feijão e macarrão. Uma de suas únicas exigências foi a de não receber visitas das mulheres da família, a esposa, Maria José, as três filhas e as duas irmãs. “Ele não queria que elas vissem as condições em que ele se encontrava”, conta uma amiga, que prefere não se identificar.
A prisão de Marcos foi mais um golpe na família cujo patriarca foi um dos homens mais poderosos do País. Governador de Minas Gerais entre 1961 e 1965, José de Magalhães Pinto esteve entre os principais articuladores do golpe militar que depôs o presidente João Goulart, em 1964. Tanto poder contrastava com a simplicidade que passou aos filhos. Prova disso eram os almoços durante o expediente na sede do Nacional, no Centro do Rio. Enquanto os executivos do banco não dispensavam cardápios sofisticados, os irmãos Magalhães Pinto sempre foram fiéis ao arroz com feijão, carne moída e pastel de carne. Hoje, os últimos sinais do poder dos donos do banco que patrocinou Ayrton Senna no início de carreira estão nos bens tornados indisponíveis pela Justiça. Em nome dos irmãos Marcos, Eduardo e Fernando, 63, figuram duas mansões na Gávea, um terço de um apartamento em Belo Horizonte, um terreno no Rio, duas lanchas e nove carros. Em nome dos netos de José, e livres da Justiça, estão a imobiliária Cebepê e casas de veraneio da família em Angra dos Reis. “Houve uma queda acentuada no padrão de vida de meus clientes”, conta Sérgio Bermudes.
Uma mostra da nova fase dos Magalhães Pinto foi dada em maio do ano passado, no casamento da filha caçula de Marcos, Maria Rita, com Eduardo Pinheiro. A tradição, sempre seguida à risca pelos ex-donos do Nacional, manda que o pai da noiva pague a festa, mas foi a família de Eduardo quem arcou com os custos da recepção para 150 pessoas no Jockey Clube da Gávea, depois da cerimônia na Igreja Nossa Senhora do Carmo, no Centro do Rio de Janeiro.
Católica praticante, Maria José reduziu as visitas ao Dispensário Santa Teresinha do Menino Jesus, onde dá aulas de catecismo a mais de 200 crianças, para arregaçar as mangas e ajudar o marido. Depois da queda do Nacional, pôs em prática o que aprendeu nas aulas de paisagismo numa loja que abriu em um shopping center do Rio.
Simples e discreto, Marcos tem o perfil típico de um Magalhães Pinto. Desde a época em que morava no casarão colonial perto da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, a família já se caracterizava pela simplicidade e pela rígida educação que fazia questão de dar aos filhos. “Eles nunca foram de ostentar a riqueza que possuíam”, conta o ex-embaixador José Aparecido de Oliveira, amigo da família. Protestante fervorosa, a mulher de José, Berenice, fazia questão que os filhos lessem a Bíblia todas as noites. O fato chegou a ser lembrado por Ana Lúcia, filha caçula de José e Berenice, num desabafo feito a Aparecido. “É uma ironia que pessoas criadas com a Bíblia na mão sejam vistas hoje como ladras por todo o País”, disse a ex-nora do presidente Fernando Henrique Cardoso.