terça-feira, 30 de abril de 2013

MOÇA DA CAPA - A NORMAL

Na primeira entrevista a chefe avisou, a repórter mais experiente também, mas o repórter, pra falar a verdade, não levou muita fé. Criado nas coberturas de valões e presuntos em lugares nada agradáveis, no pequeno e velho jornal ainda hoje na ativa, e curtido no corre-corre diário da geral de um grande e velho jornal, já extinto, do trem descarrilando ao prédio caindo, do comportamento na praia à cobertura do mega super evento da vez, o repórter, ainda com vinte e tantos, simplesmente não acreditou que entrevistar duas atrizes conhecidas prestes a estrear uma peça juntas pudesse ser minimamente complicado. Então não pesquisou muito, nem procurou se informar tanto, porque achava que já conhecia bem as duas, de não sei quantos filmes, outras tantas novelas, e o resultado foi que em menos de trinta minutos de entrevista, o repórter queria ir logo embora, o mais rápido possível. Ele que já havia ficado no meio de tiroteio, subindo e descendo morros e favelas em vários pontos do Grande Rio, recebeu uma tamanha carga de olhares incrédulos e tiradas pontiagudas, de uma e da outra, às vezes ao mesmo tempo, que não lhe deu outra alternativa a não ser a fuga, a recuada mais que estratégica num caso daqueles. Encurtou a entrevista ao máximo, com o pretexto do fotógrafo ao lado prontinho pras fotos, e decidiu se virar com o pouco que tinha conseguido. Muito melhor do que continuar enfrentando aquelas duas, muito melhor. Passaram-se os anos, dois, três, no máximo quatro, e o repórter foi de novo pautado pra entrevistar uma delas, uma só, mas dessa vez pra matéria de capa. E tome pesquisa, tome estudo, preparando a pauta com todo o esmero, a ordem das perguntas, essa depois daquela, e por último, talvez nem isso, a mais complicada. O resultado dessa segunda entrevista, com uma só delas, está aí embaixo.

Revista Istoé Gente, edição 222, de 3 de novembro de 2003

“Você vai achando sua cara. A menina que era uma graça aos 20, continua aos 30. Mas você, que talvez não fosse uma graça aos 15, é possível que tenha conseguido chegar lá aos 40".

A atriz Fernanda Torres, 38 anos, gosta de dizer que sua carreira tem um quê de free-lancer. E tem lá sua razão. Apesar de ter estreado aos 13 anos na televisão, no especial da Globo Queridos Fantásticos Sábados, em 1979, foi no teatro, e sobretudo no cinema, que a filha de Fernanda Montenegro e Fernando Torres ganhou luz própria. Enquanto seus colegas de geração faziam sucesso na tevê, Fernanda firmava-se como atriz no cinema – ganhou a Palma de Ouro de melhor atriz no festival de Cannes logo no terceiro filme, Eu Sei Que Vou te Amar, de Arnaldo Jabor, em 1986 – e no teatro. À televisão, dedicava esporádicas participações em programas e especiais, além da atuação na novela Selva de Pedra, no longínquo 1986. É aí que entra a Vani.
Vivendo a histérica noiva de Rui, Fernanda participou do sucesso de Os Normais nas noites de sexta-feira, que virou filme e chegou às telas de cinema na sexta-feira 24. Na tevê, o programa rendeu médias de 18 a 23 pontos no ibope, até então as melhores dos últimos anos no horário. Reatou-se assim a relação da atriz com o veículo que a lançou. “Hoje tenho mais intimidade com a televisão. Posso dizer ‘olha, eu faço tevê’”, diz Fernanda, que tem suas próprias explicações para o duradouro distanciamento. “Não tinha relação com ninguém na tevê. Muitos atores eram meus amigos, mas eu não fiz TV Pirata, por exemplo (humorístico que consagrou amigos de Fernanda, como Luiz Fernando Guimarães, Débora Bloch e Regina Casé, entre outros). Passei muito tempo no cinema, isolada.”
Hoje ela sabe qual é a sua turma na televisão. Dela fazem parte, além do amigo Luiz Fernando, o casal de autores Alexandre Machado e Fernanda Young, e o diretor José Alvarenga. “O Alvarenga é parceiro de trabalho. Quando ele me chamar, estarei ali”, diz a atriz. Para o diretor, foi exatamente o clima de união entre os envolvidos com Os Normais a razão do sucesso do programa. “Todos ali sabiam que o importante era a parceria, e a Fernanda se integrou perfeitamente nessa mentalidade. Ela vibrava até com cenas de que nem participava”, conta Alvarenga.
Não que não houvesse os desentendimentos comuns a qualquer produção. Eles aconteciam, e nessas ocasiões a atriz mostrava a forte personalidade que sempre a caracterizou. Quando alguma coisa não corria bem no programa, Fernanda, Luiz Fernando, Alvarenga, Alexandre e Fernanda Young se reuniam durante cinco ou seis horas numa suíte do Hotel Eldorado, em Ipanema, paga pela Rede Globo. Lá, cada um emitia sua opinião sobre o que achava errado. “Uma vez a Fernanda ficou contra nós quatro. Não sei se não entendemos o que ela queria, ou se ela não soube dizer direito o que pensava, mas até chegarmos a um consenso nós a metralhamos. No fim, a Fernanda, preocupada, perguntou se estávamos chateados com ela”, lembra Alvarenga.
O sucesso da televisão parece que irá se repetir no cinema. Nos primeiros três dias em cartaz, Os Normais – o Filme levou 420 mil pessoas às 257 salas que exibiram o longa nas principais capitais do Brasil. Foi a segunda melhor bilheteria de lançamento desde a retomada do cinema nacional, atrás apenas de Carandiru, de Hector Babenco, recordista absoluto de público com 4 milhões de espectadores. Se estava à vontade na pele de Vani na televisão, no cinema Fernanda tirou de letra o desafio. Algo esperado para quem, de tanto fazer e viajar graças ao cinema, dobrou até o receio de andar de avião que a acompanhava na adolescência, ainda mais após a premiação em Cannes, quando choveram convites para participações em festivais pelo mundo.
A atriz se lembra que o temor de voar ficou em Bali, após “sobreviver” a quatro vôos internacionais até a volta ao Rio de Janeiro. “Achava que um deles ia cair. Aí voltei ao Rio e comecei a me acostumar com o fato de que você pega avião e chega ao destino.” Até que Fernanda se tornou mãe e o medo voltou. Desde que seu filho, Joaquim, de 3 anos, nasceu, a atriz voltou a pensar duas vezes antes de entrar num avião. Não deixa de viajar, até porque a profissão não permite, e nem fica em pânico durante uma viagem. Mas passou a descartar qualquer vôo em helicóptero ou aviões pequenos. “O medo piorou muito. Depois de ser mãe você não quer ir na esquina”, diz ela, relegando ao passado experiências como a viagem ao Xingu, para filmar Kuarup (de Ruy Guerra, em 1987), quando até pegar no manche do teco-teco que a transportou ela pegou. “Tinha 20 anos, queria conhecer o Xingu. Hoje nenhuma maravilha que ainda não tenha visto vale o meu filho.
Outra conseqüência da maternidade foi a drástica redução nas saídas de casa. “Meu lado caseiro se agravou de uma maneira absurda”, conta a atriz, que costuma acordar às 7h para levar Joaquim à escola e depois busca o filho. Foi também após ser mãe que Fernanda descobriu uma atividade que mudou sua vida. Através da yoga ashtanga, que pratica há três anos, modelou o corpo da maneira que sempre quis. “Achava que iria acontecer uma tragédia com o meu corpo quando engravidasse. Depois vi que volta, e com a ioga meu corpo voltou como nunca”, diz. Com o fim de Os Normais ela tem tido tempo para fazer os exercícios quatro vezes por semana. “A ioga foi colando o músculo no osso e a pele no músculo. Fiquei com o corpo que o ator precisa”, completa a atriz.
Além da ioga, Fernanda ainda tira um dia da semana para correr na Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul carioca, ou andar de bicicleta. Dessa forma tem conseguido melhorar com a idade, como gosta de dizer. “Nunca fui padrão de beleza. Tive de ralar por fora”, admite, satisfeita com o resultado alcançado. “Você vai achando sua cara. A menina que era uma graça aos 20, continua aos 30. Mas você, que talvez não fosse uma graça aos 15, é possível que tenha conseguido chegar lá aos 40.”
Casada com o cineasta Andrucha Waddington, pai de Joaquim, Fernanda não pensa numa nova gravidez. “Se o Joaquim fosse filho único trabalharia violentamente para isso, mas ele tem dois irmãos (João, 11, e Pedro, 9, filhos de Andrucha). Ter irmão é importante”, afirma ela, sem, no entanto, descartar a hipótese de engravidar. “Se vier, tudo bem, mas tenho 38 anos, não sei se a natureza vai me deixar esperar.” Se depender dos próximos projetos da atriz, não vai sobrar muito tempo para planos na vida pessoal. Além de ensaiar a peça A Casa dos Budas Ditosos, com direção de Domingos Oliveira e estréia marcada para dia 20 de novembro, em São Paulo, Fernanda escreveu em parceria com o irmão Cláudio Torres e Elena Soarez o roteiro de Redentor, filme de Cláudio que será lançado até abril do ano que vem. No meio de 2004, passará dois meses com a mãe e o marido nos Lençóis Maranhenses, onde será rodado Casa de Areia, próximo filme de Andrucha. Será mais um trabalho tipicamente familiar, o que já é praxe na carreira da atriz. “O nepotismo impera na minha família”, brinca Fernanda, que cita uma leitura durante a preparação de Casa da Areia para mostrar o quanto tira proveito disso. “Olhei para a mamãe e pensei como era bom poder compartilhar aquela intimidade com ela, porque somos muito quem somos no trabalho”, afirma.
Acostumado a conversar sobre trabalho em casa, Andrucha usufrui do convívio profissional com a mulher. Isso aconteceu quando filmava Eu, Tu, Eles, em Juazeiro, no sertão baiano. A três semanas do fim das filmagens, Fernanda estava lá, para gravar uma participação que acabou cortada. “Estávamos sem um final para o filme. Fomos para a beira do Rio São Francisco com os cabeças da produção tentar resolver o problema. Depois de seis horas de conversa, a Nanda sugeriu terminar o filme como ele acaba hoje”, conta o diretor.
No caso do Redentor, a atriz foi fundamental para iniciar o filme. “A Nanda deu a idéia inicial. A partir daí trabalhamos durante cinco anos”, diz Cláudio Torres, revelando uma vocação que a irmã tem exercitado cada vez mais. Desde que assinou com o irmão o roteiro de Diabólica – um dos episódios de Traição, longa-metragem da Conspiração Filmes –, a atriz vem intensificando o hábito de escrever, mesmo que ainda não admita ser chamada de roteirista. “Não resolvo um roteiro sozinha. Acho que poderia ter sido uma escritora, mas tenho vergonha de dizer que escrevo. Mas é maravilhoso ver as pessoas rirem de uma piada que você escreveu”, afirma.
Para quem conhece esse lado dela, a vergonha é injustificável. “Quando percebi, a Fernanda estava escrevendo a peça junto comigo. E escrevendo bem”, diz o diretor Domingos Oliveira, que adaptou para o teatro A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro. Nos dias de ensaios, sempre entre 15h e 18h, Domingos costuma receber um email da atriz às 21h. “Ela me manda uma versão de tudo o que foi mudado no ensaio e mais sugestões”, conta o diretor. Cláudio também incentiva o talento pouco conhecido da irmã. “Ela tem toda a condição de escrever um roteiro sozinha. É louca e obstinada o suficiente para isso”, diz ele,para quem foi inesperado a irmã de 13 anos dizer que queria ser atriz. “A Nanda sempre foi palhaça. Se vestia com os figurinos de nossos pais. Mesmo assim levei um susto. Parece que na minha família o raio bateu três vezes na mesma árvore”, diverte-se ele.