quarta-feira, 31 de agosto de 2016

GOLPE

Por mais que já fosse esperado, há que se postar alguma coisa na data de hoje, só pra registro.

A matéria abaixo saiu assinada no alto da página, ao lado da palavra 'editor'. A foto de abertura é do Ricardo Stuckert.


Jornal do Commercio, edição de sexta-feira, primeiro de abril de 2016


"Eu lamento que o vice eleito na nossa chapa, com o nosso programa, participe agora de um impeachment sem base legal. Isso tem nome. É golpe".


Centenas de milhares de pessoas contrárias ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff realizaram ontem, em todo o País e no exterior, manifestações em favor da democracia e contra o que classificam de golpe dos opositores contra o resultado das eleições presidenciais de 2014. O protesto principal, convocado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), reuniu cerca de 200 mil pessoas em Brasília, segundo os organizadores, para uma marcha do estádio Mané Garrincha até o Congresso Nacional. Também houve manifestações no Rio de Janeiro, em São Paulo, Porto Alegre, São Luís, Fortaleza, Recife, Maceió e Aracaju, entre outras cidades, incluindo todas as capitais dos 26 estados do País.
No maior ato pró-Dilma já realizado em Brasília, o Partido dos Trabalhadores, apoiado pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, por entidades sindicais e movimentos sociais, reuniu milhares na Esplanada dos Ministérios, especialmente em frente ao Congresso. A data coincidiu com os 52 anos do Golpe de 1964, quando o regime militar destituiu o então presidente João Goulart, dando início à ditadura no Brasil. Políticos do PT e de legendas contrárias à destituição de Dilma do poder participaram do ato. A expectativa da Jornada Nacional em Defesa da Democracia era reunir 150 mil pessoas. De acordo com os organizadores, esse número teria chegado a 200 mil - cinco vezes mais que o registrado pela PM, que mantece 870 policiais e 206 bombeiros na região central da cidade. Na alameda dos estados, em frente ao Congresso, se concetrou um carro de som onde lideranças e políticos discursavam contra o "golpe à democracia, contra o povo e a Constituição".
Entoando canções de artistas nacionais, como Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, manifestantes se emocionavam e gritavam palavras de ordem pró-Dilma, pela democracia e contra o "golpe". Apresentações musicais e o estouro de fogos de artifício marcaram alguns momentos do evento. A todo momento, o processo de impeachment da presidenta da República, em análise na Câmara dos Deputados, era tratado como uma ação golpista de tomada do poder por grupos de direita. No trajeto rumo à Esplanada, os manifestantes eram recebidos com aplausos e o apoio de hóspedes do Setor Hoteleiro Sul.
Artistas que estiveram no Palácio do Planalto mais cedo em uma solenidade com a presidenta Dilma, como a atriz Letícia Sabatella e o cartunista Ziraldo, discursaram contra o impeachment. Ainda no estádio, entidades como a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), Movimento dos Sem Terra (MST), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e sindicatos filiados à CUT foram identificadas. O clima era de harmonia e muitas crianças acabaram levadas à manifestação. Por volta das 21h30, o grupo já começava a se dispersar.
Esperado no evento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cancelou sua participação, mas enviou uma gravação veiculada pelos organizadores. No áudio, Lula criticou o processo de impeachment contra Dilma e voltou a dizer que impedimento sem base legal é golpe. O ex-presidente afirmou que o brasileiro "não fecha os olhos" para os problemas do País, mas também não aceita "andar pra trás". Mesmo sem citar o vice-presidente Michel Temer ou o PMDB diretamente, Lula segue na estratégia alinhada com o Planalto de evidenciar o risco de regressão de direitos sociais num eventual governo Temer.
Lula também reforçou o argumento petista de que Dilma não cometeu crime de responsabilidade e que, portanto, seu impeachment seria golpe. "A sociedade brasileira sabe o quanto custou recuperar a liberdade e a legalidade, quanta luta, quanto sacrifício, quantos mártires. E nessas três décadas de vida democrática, aprendemos que um grande país se constrói caminhando sempre adiante, consolidando e conquistando novos direitos coletivos e individuais", afirmou Lula no vídeo postado à tarde nas redes sociais.
Em São Paulo, além do repúdio ao impedimento da presidenta, o vice-presidente Michel Temer foi um dos principais alvos do protesto pró-governo. A Frente Brasil Popular, grupo que reúne entidades sociais e partidos de esquerda contra o impeachment, reuniu milhares de pessoas na Praça da Sé, em um ato marcado também por críticas ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Segundo os organizadores, foram 50 mil manifestantes. Já a Polícia Militar calculou 18 mil participantes. Escalado para falar em nome do PT, o presidente do diretório estadual do partido em São Paulo, Emidio de Souza, chamou o vice-presidente de golpista. "Temer poderia passar para a história do Brasil como constitucionalista, mas junto com o (Eduardo) Cunha vai passar para a história como golpista".
Depois de chamar Cunha de "ladrão do erário público", Emidio usou as acusações contra o presidente da Câmara para desqualificar o processo de impeachment contra Dilma. "Eles falam muito em ética, mas se gostassem de ética não botavam um ladrão como Eduardo Cunha para cuidar do processo de impeachment". Emidio também ironizou o desembarque do PMDB do governo. "O Brasil está vivendo o terceiro dia sem o PMDB no governo desde a Nova República".
O presidente nacional do PT, Rui Falcão, adotou um tom mais brando mas também não poupou Temer. "Eu lamento que o vice eleito na nossa chapa, com o nosso programa, participe agora de um impeachment sem base legal. Isso tem nome. É golpe", disse Falcão. Segundo ele, os ministros peemedebistas que se recusam a seguir a decisão da direção partidária de desembarcar do governo "não coadunam com aquele ato que alguns chamaram de farsa".
No Rio, o ato contra o impeachment da presidenta Dilma, realizado no Largo da Carioca, no Centro, reuniu cerca de 50 mil, contou com a participação de artistas e, além da defesa da democracia, lembrou as vítimas da ditadura militar. O cantor e compositor Chico Buarque esteve na manifestação e falou brevemente ao público. O artista afirmou que havia no ato quem votou no PT e em outros partidos, mas, sobretudo, pessoas que não colocam em dúvida a integridade da presidenta Dilma Rousseff. Chico lembrou do golpe de 1964 e pediu o fortalecimento da democracia. "Estamos aqui em defesa intransigente da democracia", disse. O compositor fez uma selfie acompanhado de lideranças do PT, inclusive Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do ex-presidente Lula.
Na manifestação, houve muitas críticas ao PMDB, à mídia, principalmente a Rede Globo, e a Eduardo Cunha. O juiz Sergio Moro, responsável pelo processo da operação Lava Jato na primeira instância, também não foi poupado. Os participantes gritaram palavras de ordem, como "não vai ter golpe, vai ter luta". Em repetidas vezes, os manifestantes cantaram a música Vou festejar, sucesso de Beth Carvalho, cujo refrão diz: "você pagou com traição a quem sempre te deu a mão". Os militantes pediram a renúncia de Temer, junto com a saída do PMDB do governo. Houve um minuto de silêncio para lembrar as vítimas da ditadura militar no Brasil. O ato foi organizado pelos movimentos sociais Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo, composto por sindicatos, associações de trabalhadores, estudantes e camponeses.
Em Belo Horizonte, a manifestação contra o impeachment, na Praça da Estação, no Centro, foi conduzida basicamente por artistas locais e reuniu 35 mil, nas contas de organizadores. Poucos políticos participaram do ato, organizado pela Frente Brasil Popular. "Existe um movimento golpista no Brasil que precisa acabar. Caso isso não aconteça, o MST vai se manifestar diariamente em todo o País", disse o coordenador do MST em Minas Gerais, Silvio Neto. Em Salvador, de acordo com os organizadores, 20 mil pessoas participaram da manifestação. No Recife, o cálculo era de 90 mil na Praça do Derby, na região central da cidade. Também houve atos em outras capitais, como Campo Grande, João Pessoa, Florianópolis, Curitiba e Natal.
O PMDB comandado por Temer apresentou, ainda no ano passado, o programa do partido chamado "Uma ponte para o futuro". De teor liberal, o texto é considerado um plano para a possível gestão Temer, se o impeachment vingar. O plano traz propostas como reduzir o tamanho do Estado, desburocratizar licenciamentos ambientais, ampliar o espaço de atuação da iniciativa privada e, o que gera mais polêmica com centrais sindicais e movimentos sociais, uma 'flexibilização' de regras trabalhistas, dando mais poder à negociação direta entre patrões e empregados ou entidades de classe e menos à legislação. Centrais veem a proposta como um perigoso enfraquecimento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Os organizadores do protesto a favor do governo da presidenta Dilma Rousseff em Porto Alegre afirmaram que 80 mil pessoas participaram do ato desta quinta-feira, que começou às 17 horas com uma concentração na Esquina Democrática, histórico reduto de manifestações populares da cidade. Diversas lideranças sociais e políticas discursaram do alto de um carro de som, entre elas o ministro Miguel Rossetto. Em uma breve fala, ele pediu que os militantes convençam os deputados a votar contra o processo de impeachment da presidenta.
Rossetto também falou sobre o lançamento da fase três do Minha Casa Minha Vida e disse que "os golpistas" vão acabar com o programa, uma das principais bandeiras da administração petista. Assim como nos outros estados brasileiros, a defesa do mandato de Dilma foi o mote central do protesto, organizado por grupos sindicais e sociais ligados ao PT. Os cartazes e os gritos dos manifestantes no chão reforçavam o discurso das lideranças que subiam no carro de som. As principais críticas se dirigiram ao processo de impeachment. "Não vai ter golpe" foi a frase mais entoada pelos participantes. Também houve críticas ao vice-presidente da República e ao presidente da Câmara dos Deputados. Em vários momentos os manifestantes cantaram: "ô, Cunha, pode esperar, a tua hora vai chegar".
O protesto transcorreu de forma pacífica. Após o discurso de Rossetto, pouco depois das 20 horas, a multidão deixou a concentração e fez uma passeata saindo da Avenida Borges de Medeiros até o Largo Zumbi dos Palmares, na zona central da cidade. Lá, a mobilização seguia no decorrer da noite, com apresentações culturais.
O ato de apoio ao governo se repetiu em algumas cidades no exterior, como Berlim, Lisboa, Londres e Paris. Em Buenos Aires, cerca de 150 argentinos e brasileiros marcharam pelo centro da capital argentina. O ponto de encontro do ato foi a Embaixada do Brasil e os manifestantes seguiram em passeata até o tradicional Obelisco.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

OLÍMPICO.

Anteontem, ele encerrou os Jogos Olímpicos de 2016, aqui no Rio de Janeiro. E na entrevista abaixo, treze anos mais novo, ele trabalhava pela segunda vez para trazer a Olimpíada para o Brasil, seis anos antes da terceira e enfim vitoriosa tentativa.

Revista Istoé Gente, edição 208, de 28 de julho de 2003

"Saímos de Paris, onde jogamos uma partida e fizemos quatro escalas até Tóquio. Na última delas, no Camboja, permanecemos horas dentro do avião por causa da guerra do Vietnã".

Ele já disputou uma Olimpíada como atleta, foi o principal responsável pela evolução do voleibol brasileiro – durante os 21 anos em que presidiu a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), de 1975 a 1996 – e trouxe para o País os Jogos Panamericanos de 2007, quando o Rio de Janeiro venceu San Antonio na primeira derrota de uma cidade americana. Agora, o desafio do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, 61 anos, é maior: trazer para o Brasil os Jogos Olímpicos de 2012, numa disputa com outras oito cidades (Havana, Istambul, Leipzig, Londres, Madri, Moscou, Nova York e Paris), cujo resultado será divulgado em julho de 2005. Lembrando que o esporte o ajudou a superar a morte da mãe, quando tinha 10 anos, Nuzman promete se empenhar ao máximo na briga pela Olimpíada. “Os Jogos abrem as possibilidades de crescimento de um país, e o Brasil precisa disso”, diz o pai de Larissa, 20, filha de seu casamento com Patrícia Nuzman, e padrasto de Ana Rita, 22, e Ana Clara, 20, filhas da atual mulher, a jornalista Márcia Peltier, com quem está casado há 5 anos.

Após a tentativa frustrada de trazer a Olimpíada de 2004 para o Rio, acha que agora a cidade tem chances?
A Rio 2004 foi uma candidatura política. O próprio Comitê Olímpico Internacional mudou o sistema depois, obrigando os comitês olímpicos nacionais a estarem na linha de frente das candidaturas. Naquela ocasião, o COB meramente emprestou o nome e deu apoio. Não acreditava na vitória naquela época.

E agora, acredita na vitória do Rio?
Apesar de ser a candidatura mais difícil de todas, porque as cidades envolvidas são as principais do mundo, o Rio, como São Paulo também faria se fosse escolhida, parte de um processo mais pé no chão. Temos um dossiê feito em nível internacional e as garantias políticas e financeiras dos governos federal, estadual e municipal.

Na condição de carioca, como manteve a imparcialidade na escolha do COB entre Rio e São Paulo?
Segui o que o COI exige como termos de candidatura. Foi instituída a comissão de avaliação, o colégio eleitoral, e eu me abstive de votar. Também não participei das visitas e nem das reuniões da comissão, que era formada quase que só por pessoas de fora do Rio e de São Paulo. A partir do momento que me coloquei dessa maneira, fiquei à vontade para dirigir o processo.

Torceu pelo Rio?
Não. Torci pela decisão que melhor repercutiria internacionalmente. Nessa disputa o Rio teve a vantagem de ter sido escolhida para sediar o Pan de 2007, porque, graças a isso, a cidade já tinha um dossiê aprovado pela Organização Desportiva Panamericana (Odepa). Lógico que o orçamento de um Pan é de US$ 225 milhões e, numa Olimpíada, falamos em alguns bilhões de dólares, mas a vitória no Pan 2007 não deixou de ajudar.

Acha que a violência na cidade pode atrapalhar a candidatura?
Existe essa questão, só que aqui você sabe quem é o inimigo. Quando há terrorismo não se sabe, e isso não passa pelo Rio. Se a violência é um problema para nossa candidatura, o terrorismo é um problema muito maior para nossas principais adversárias, e não é só Nova York. A Inglaterra e a França também convivem com isso, a Rússia, enfim, todas as cidades têm problemas ou de segurança, como nós, ou de terrorismo. É inevitável, só que aqui temos como identificar o inimigo e combatê-lo.

Como seria esse combate?
A linha do COI é que o projeto de segurança de uma cidade olímpica apresente um comando único nessa área, que deve ser exercido por um general, até por questão hierárquica. Todas as polícias e, se preciso, as Forças Armadas, devem estar subordinadas a esse general, que trabalharia em conjunto com uma assessoria de segurança internacional.


A poluição de lugares como a Baía de Guanabara, onde seriam as provas de iatismo, preocupa?
É uma questão importante e não poderá ser apresentada da forma que está. O meio ambiente hoje é um dos pilares no movimento olímpico. Tem de haver uma apresentação de solução, sim. Dou o exemplo de Pequim, que tem um nível de poluição maior que o Rio e, para sediar a Olimpíada de 2008 está executando um trabalho magnífico.


Pensa em usar estrelas do esporte, como Ronaldinho, na campanha?
É importante porque são pessoas com repercussão internacional e que trazem o apoio da população, porque você tem de apresentar ao COI índices de pesquisas mostrando que a população da cidade apoia os jogos. Mas essas estrelas não influem na votação. O próprio presidente do COI (o belga Jacques Rogge) ironizou o estardalhaço que Londres fez com o David Beckham, dizendo que seria uma honra ter o jogador e a mulher dele (a ex-spice girl Victoria Beckham) na campanha, mas que isso não renderia votos aos ingleses. Mas penso em usar essas estrelas, inclusive o Ronaldinho. Seria interessante, porque ele é carioca e trabalha em Madri, outra cidade candidata. Aliás, é engraçada a situação do Real Madri, um time que tem representantes da Inglaterra (Beckham), França (Zidane) e Brasil nessa disputa.


Trazer uma Olimpíada ao Brasil seria o ápice de sua carreira?
É um grande desafio e um desejo de retribuir ao Brasil e ao esporte o que fizeram por mim. Perdi minha mãe (Esther Nuzman) com 10 anos de idade e foi o esporte que me levantou. Aprendi muita coisa fora de casa, praticando esporte, porque não tinha quem me ensinasse. O esporte foi a alavanca que me ajudou a passar por grandes encruzilhadas, aqueles momentos em que você escolhe o caminho do bem ou do mal. Naquele momento em que estava fragilizado, com 10 anos, meu pai e meus avós me levaram para o esporte. Fui nadar e jogar tênis no Fluminense, depois é que o vôlei entrou na minha vida.


Como foi a morte de sua mãe?
Ela morreu queimada, dentro de casa, num acidente com o aquecedor do banheiro. Riscou um fósforo que caiu num vidro de álcool que estava aberto. Uma fatalidade. Ficou o trauma. Só comecei a falar sobre isso depois de disputar o mundial de vôlei de 1962, pela Seleção Brasileira. Aliás, não assisti ao casamento de minha única irmã (Elisa, falecida em 1993, de câncer) para viajar com a seleção. Daquela fragilidade inicial passei a ter a personalidade de saber o que representava ir a um mundial. Isso foi o esporte que me deu, e sei que ele pode dar aos outros, até para melhorar a questão social do Brasil.


O senhor também passou por outra tragédia familiar, com a morte de sua primeira mulher, Patrícia...
Prefiro não falar sobre isso, até pelas circunstâncias. (Patrícia morreu em 1996 ao cair de um prédio, na zona sul carioca.)


Que experiências guarda da época em que jogava vôlei?
Joguei até os 30 anos e participei dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964. Ficamos em sétimo entre 10 equipes. Era tudo diferente. Os uniformes eram os mesmos de uma competição para outra, cada um comprava seu tênis e levava a própria bolsa com material para os treinos. Me lembro que saímos de Paris, onde jogamos uma partida e fizemos quatro escalas até Tóquio. Na última delas, no Camboja, permanecemos horas dentro do avião por causa da guerra do Vietnã. No Japão, ficamos em casas que tinham sido construídas para os soldados americanos que lutaram na guerra da Coréia (entre 1950 e 1953).


Foi sua única Olimpíada?
Foi. Em 1968 fui convocado para os jogos do México, mas trabalhava como advogado no escritório do meu pai (o advogado Izaac Nuzman, falecido em 1988), que não me deu colher de chá. Naquela época tinha esse problema ainda. Jogador de vôlei tinha de trabalhar fora do esporte para se sustentar. Mas como já tinha disputado uma Olimpíada, já tinha entrado no grupo dos atletas olímpicos, e o Brasil não ia brigar por medalha mesmo, não me chateei tanto.


É verdade que tentou ser técnico de vôlei?
Tentei, mas não tive paciência. Fiquei dois meses treinando o time da Hebraica, no Rio, mas achava que a garotada não aprendia tão rápido quanto eu achava que devia. A paciência que não tinha como técnico fui ter quando me tornei dirigente.

Como assim?
O marco de minha experiência política foram os conselhos do presidente João Havelange (ex-presidente da Fifa) depois que perdi a eleição para o COB em 1979. Ele me disse, quando voltávamos da Olimpíada de Moscou (1980), que no esporte a gente tem de aprender a ter paciência. Essa lição aprendi bem. Costumo dizer que a derrota em 1979 virou vitória, porque pude fazer meu trabalho no vôlei, vendo o esporte ser campeão olímpico e mundial de várias gerações. Presidi o Conselho Mundial de Vôlei de Praia e introduzi o esporte
nos jogos olímpicos, vendo o Brasil ser campeão em 1996 (medalha de ouro da dupla Sandra e Jaqueline). Depois disso tudo é que vim a presidir o COB.


Como concilia a vida profissional, com tantas viagens, com a vida privada?
A Márcia me ajuda muito. É extremamente compreensiva, amiga, me apóia como eu a apóio no trabalho dela no jornal e na televisão. Quando ela pode, acompanha nas viagens. É uma relação madura, adulta e de muito amor. Nosso entendimento é muito grande, acho até que somos um exemplo.


Como vocês se conheceram?
Tinha ficado viúvo e a Márcia tinha se separado. Nos conhecíamos socialmente e de entrevistas que ela já tinha feito comigo, apesar de ela dizer que nas entrevistas eu não dizia tudo. Convidei-a para sair depois de um almoço na casa de amigos em comum e desse dia em diante ficamos juntos, e vamos estar juntos até morrer. Que demore muito.


Alguma entrevista feita por ela com você foi mais marcante?
Fiz uma, antes dos jogos de Atlanta, que ela não deve ter gostado porque não respondi quase nada. Eram aquelas perguntas sobre chance de medalhas e nunca falei sobre isso, para não prestigiar um esporte em detrimento de outros. Depois, revendo a entrevista, a Márcia reconheceu que tinha perdido o tempo dela.

domingo, 7 de agosto de 2016

PITANGUY

Anteontem, numa cadeira de rodas, ele carregou a tocha olímpica. Ontem, morreu em casa, à tarde, aos 93 anos, de parada cardíaca. A entrevista abaixo foi feita na clínica dele, em Botafogo. A foto dele é do Leandro Pimentel.

Revista Istoé Gente, edição 113, de primeiro de outubro de 2001

"Tudo muito iluminado, e no meio dessa confusão toda me veio um pensamento que dizia mais ou menos assim: 'esteja preparado para morrer hoje, mas se possível procure viver uma eternidade'. O interessante é que não houve angústia. Senti que o difícil é viver. Morrer não é tão complicado".


O que um profissional pode esperar da vida aos 75 anos, depois de conquistar o reconhecimento internacional, de formar 500 discípulos na escola que criou há 40 anos e de ter seu nome citado como referência no mundo quando o assunto é sua especialidade? O único desejo do cirurgião plástico Ivo Pitanguy é fazer o que sempre fez. Seja mantendo a beleza de mulheres e mitos como Sophia Loren, salvando vidas como a do piloto Niki Lauda ou operando de graça pacientes sem recursos da 38ª Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro. Três meses depois de sofrer complicações na cirurgia para a retirada de um aneurisma no abdômen, o cirurgião que já foi enredo da escola de samba carioca Caprichosos de Pilares, em 1999, retomou seu cotidiano.
O mineiro de Belo Horizonte e membro da Academia Brasileira de Letras é casado há 40 anos com Marilu, pai de quatro filhos e cinco vezes avô. Nas horas vagas, se divide entre sua ilha em Angra dos Reis, onde mantém uma reserva com cerca de 400 espécies da Mata Atlântica, e a casa de Itaipava, na Região Serrana do Rio. Apesar de recusar o rótulo de bon vivant, o cirurgião que trabalha 10 horas por dia na sua clínica em Botafogo, zona sul carioca, onde recebeu Gente, reconhece que sabe curtir a vida. “Aproveito a vida porque tenho sorte de fazer o que gosto”, diz ele, considerado na França uma das personalidades do século, ao lado de Freud e Einstein no Livro do Milênio, lançado em junho.

Qual o segredo de chegar aos 75 anos com o mesmo vigor para o trabalho?


Criei minha clínica e a Santa Casa, e sinto satisfação de ter formado uma equipe que me permite trabalhar com prazer. Tenho ainda a satisfação de ter criado uma parte dela com atendimento para a população mais carente. O ser humano é o mesmo, independente da condição social. Diante do médico, qualquer um tem a mesma postura, está precisando de alguém. E o médico diante do outro sente que seu trabalho é mais uma questão de meios do que de fins. Se fôssemos de fins seríamos deuses. Mas, sendo de meios, podemos apenas completar o trabalho do criador. Temos sempre um aprendizado de nossa humildade.

Como manter a humildade sendo uma das personalidades do século, ao lado de Freud e Einstein no Livro do Milênio, lançado em junho na França sobre as pessoas que mudaram o mundo?
Sou uma pessoa como as outras. No momento que eu não me considerar, realmente não estarei sendo humilde. Mas o fato de me considerar igual não impede que eu valorize aquilo que faço. Não que eu faça melhor que outro, mas procuro fazer o melhor que posso em relação à minha pessoa.

Qual a sensação de retocar um rosto como o de Sophia Loren?
Todo paciente que opero, cumpro meu objetivo, que é o de torná-lo feliz, não importa quem seja.

Há febre para se aumentar os seios. O silicone é modismo?

Há o senso comum de uma cultura que valoriza os seios mais volumosos como padrão de beleza. Não tenho nada contra, mas é preciso ter cuidado com o exagero. Se uma paciente me procurar querendo seios maiores do que os que eu ache compatíveis com sua estética, não serei eu o cirurgião que fará essa cirurgia.

O senhor faz muitos implantes de silicone?

Fazemos todos os procedimentos da cirurgia plástica na clínica, e os implantes de silicone estão incluídos nesses procedimentos.

O silicone tem riscos?

Dos materiais que costumam ser colocados no corpo humano, o silicone é o mais tolerável. Não há problemas com as próteses para tornar os seios proporcionais ao corpo da mulher. A única coisa que não é interessante, e eu fui um dos primeiros a alertar sobre isso, é utilizar o silicone injetável. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica condena esse procedimento, que ainda é usado por pessoas que não são cirurgiões. Quando se injeta o silicone para corrigir rugas ou aumentar as mamas, o material pode parar em outros lugares do corpo. Esse é o perigo.

O que acha do crescimento do culto ao corpo no Brasil?

Isso aumentou no mundo todo, mas tem fatores geográficos nesse culto. No Brasil, a pessoa está exposta ao sol. O corpo deve ser visto. Faz parte da cultura. Mas existe o fato de a mídia utilizar a juventude em excesso para vender. Não há nada mais belo que a juventude, mas acho que essa utilização é um pouco pecaminosa, porque os jovens de hoje não são iguais aos velhos de amanhã. Não podemos deixar de cultuar o belo, mas o fato é que hoje existe um exagero.

Qual o papel do cirurgião plástico nessa questão?

Ele não pode jamais ir pelo modismo. Tem que ir pelo próprio julgamento, porque a moda passa e a cirurgia fica.

É comum pessoas com problemas aparentemente insignificantes?

Pelo menos de 5% a 10% dos pacientes têm algum problema além do orgânico. Há pessoas que nos procuram que estão muito bem, mas que não se vêem bem. Você pode sentar diante de mim e transportar um outro problema, que vem do fundo da sua parte orgânica, modificada pelo comportamento psíquico. Aquilo o influencia de tal maneira que você acha que a correção de uma dobrinha qualquer, que para mim é inexistente mas para você é real, seria a solução.

O que fazer nesses casos?

Cabe ao médico não fazer certas cirurgias, porque ele não vai conseguir o resultado que o outro espera. Digo, então, que na verdade o suposto defeito dele não me parece tão mau e aconselho que ele procure uma outra opinião, de outra área mais psíquica.

Já operou alguém que não precisava da cirurgia?
Às vezes cometemos enganos. Agora, alguém pode entrar no meu consultório com um nariz enorme que não digo uma palavra. Quero que diga porque veio. O ser humano tem o direito de tolerar e conviver com suas deformidades, não é obrigado a corrigi-las. Mas quando a correção é possível é extraordinário, porque ela reintegra o indivíduo ao seu meio. O conceito de saúde hoje passa muito pelo bem-estar da mente. O cirurgião hoje é como um psicólogo com um bisturi na mão.

Sua cirurgia para a retirada de um aneurisma no abdômen teve problemas. Teve medo de morrer?

Descobri o aneurisma numa ressonância magnética que fiz após um tombo na Suíça, quando estava esquiando. Desci junto com uma nuvem e fiquei sem ver nada. Aí, sim, tive medo de morrer. Não vi um monte de neve e tive uma queda violenta. Fui muito bem operado pelo doutor Adib Jatene. O problema é que, com a queda, tive uma pequena hérnia que rompeu um pouco o músculo. Ele não resistiu e rompeu os pontos. Tive de operar de urgência no Rio, em condições mais precárias, mas correu tudo bem. Já até voltei a mergulhar.


Foi mergulhando, aliás, que o senhor esteve perto da morte...
Isso foi na década de 70, na África do Sul. Desci com um guia para procurar um navio que estava afundado no Cabo da Boa Esperança, no encontro dos oceanos Índico e Atlântico. Encontramos o navio e, quando fui pegar um torso de madeira de uma mulher, fiquei preso nas ferragens e perdi o respirador. Não sei quanto tempo se passou até o guia me achar, mas vi um caleidoscópio com várias coisas da minha vida. Tudo muito iluminado, e no meio dessa confusão toda me veio um pensamento que dizia mais ou menos assim: “Esteja preparado para morrer hoje, mas se possível procure viver uma eternidade”. O interessante é que não houve angústia. Senti que o difícil é viver. Morrer não é tão complicado.


Depois da cirurgia, mantém o mesmo ritmo de trabalho?
Na minha vida, já operei a população de uma cidade pequena, algo em torno de 60 mil, 70 mil pessoas. Depois da cirurgia continuei operando muito. Não tenho idéia de números, mas meu ritmo de trabalho é quase o mesmo. Hoje montei uma equipe que me dá condições de trabalhar com menos desgaste, principalmente nas cirurgias longas.

Como é a sua rotina?
Acordo às 7h, caminho com meus quatro cachorros, faço ginástica, nado e vou trabalhar entre 8 e meia e 9 horas. Quando não vou à Santa Casa, fico na clínica até umas 19 ou 20 horas. Inclusive sou o personal trainer do meu segurança. Ele um dia me disse que emagreceu 10 quilos me acompanhando. Minha paixão pelos esportes começou na infância, em Belo Horizonte. Comecei com a natação, passei pelo vôlei e depois para o tênis, minha maior paixão.

Considera-se um bon vivant?
bon vivant aproveita tanto a vida que faz disso a sua arte. Nesse caso eu seria o anti-bon vivant, porque trabalho excessivamente. Por outro lado, do que eu faço no meu trabalho, eu gosto. O que tiro muito é o fim de semana e também as viagens que faço a trabalho. Se dou uma conferência em Florença, por exemplo, posso aprender um pouco mais sobre a cidade.

O senhor se submeteria a uma cirurgia plástica?


Sim, mas não tive tempo ainda.