sábado, 30 de abril de 2011

FILHA DE GOVERNADOR

A entrevista tinha sido convocada pela própria entrevistada. Leonel Brizola tinha morrido há poucos dias e a filha dele, Neusinha, aquela mesma do Mintchura nos estranhos anos 80, queria conceder uma exclusiva para a revista. A entrevista foi num sábado, no apartamento de dois quartos em Ipanema onde ela morava, e Neusinha falou ladeada por dois representantes do PDT, como uma autêntica guardiã da herança política do pai, que foi genro do Jango, governou o Rio duas vezes, o Rio Grande do Sul uma, foi exilado, voltou, e ao longo da carreira lançou na política gente muito diferente, de Cesar Maia a Marcello Alencar, de Garotinho a Rosinha, e que ficou em terceiro lugar nas primeiras eleições presidenciais depois de 29 anos, com mais de 11 milhões de votos, a menos de 500 mil do segundo turno; e que na última eleição que disputou, em 2000, para a Prefeitura do Rio, ficou em quarto lugar, com menos de 300 mil votos.

Abaixo, a matéria

Revista Istoé Gente, edição 256, de 5 de julho de 2004

"Nós todos da família pedimos para ele continuar a obra dos Cieps, em homenagem a meu pai, mas ele não pôde responder. Estava muito tumulto, tinha muita gente."

Caçula dos três filhos do político Leonel Brizola, morto de enfarte aos 82 anos na segunda-feira 21, Neusinha Brizola deu muito trabalho ao pai na juventude. Enquanto Brizola governava o Rio em dois mandatos (1983 a 1986 e 1991 a 1993), sua filha, hoje com 49 anos, aprontava. Em 1983, ela posou para a Playboy, o que obrigou o pai a suspender a publicação da revista. Neusinha também envolveu-se com drogas, mas, segundo ela, os tempos de loucura ficaram no passado. Há 10 anos longe das drogas, a mãe de dois dos nove netos (Laila, 29, e Paulo César, 22) e avó de três dos quatro bisnetos (Túlio, 10, Breno, 4, e Marina, 2) de Brizola quer ser a guardiã do nome da família. Solteira após três casamentos desfeitos, Neusinha tem trabalhado como produtora de teatro, mas não descarta uma tentativa de entrar na política. A profissão de cantora, dos tempos de Mintchura, seu único hit, há 15 anos, é que está definitivamente sepultada. “Agora só canto no chuveiro”, diz.

O que pretende fazer após a morte de Leonel Brizola?
Quero atuar como guardiã do nome da família. Tenho que honrar esse nome por mim e por tudo que meu pai fez. Não houve político mais investigado do que ele no Brasil e ninguém provou nada contra. Todos os herdeiros, netos, filhos, temos de ter essa coerência, essa honestidade em respeito à memória dele, para não deixar ninguém aparecer do nada usando o nome dele.

Acha que existe esse risco?
Não, absolutamente. Ele deixou netos. Tem o Carlito (de 25 anos, filho de José Vicente, primogênito de Brizola) que já é candidato a vereador no Rio de Janeiro. Sairá como Brizola Neto e nós da família já nos fechamos em torno dele. Para as futuras eleições, tem também o meu filho Paulo César, que trabalhava com meu pai desde os 13 anos. De repente, até eu posso entrar na política. Por enquanto ainda é tudo prematuro, mas existe essa possibilidade. Não para esse ano, quando nosso candidato será o Carlito. Mas tenho vontade, talvez, de me candidatar a deputada federal em 2006. É uma questão de conversar com o partido. A vontade de seguir os passos do meu pai está no sangue, até para manter essa chama acesa.

Tem outros projetos com relação ao seu pai?
Quero participar ativamente dos trabalhos na Fundação Alberto Pasqualini (fundação que desenvolve projetos sociais, ligada ao PDT, que, como o partido, era presidida por Brizola). Minha preocupação é manter vivo o nome Brizola. Gostaria de fazer como a Lucinha Araújo fez com o Cazuza e a Viviane Senna com o Ayrton Senna.

Desde quando você se interessa por política?
Tivemos uma vida muito sofrida. Vivemos no exílio durante a ditadura militar. Tudo isso tornou toda a nossa família muito politizada. Lemos jornais todos os dias, temos nossa ideologia, acompanhamos tudo. Meu pai conversava muito com todos nós. Víamos o trabalho dele. Ele nos deu o exemplo. Foi uma jóia rara, uma grande escola.

Qual foi o momento mais duro na vida da família?
O golpe militar de 1964. Era pequena na época, tinha 9 anos. Não tinha muita noção das coisas, mas para mim foi como se tivesse ido dormir como princesa e acordasse como sapa. Meu pai foi para a clandestinidade e nós tivemos de sair do País. Ficamos com a minha mãe num hotelzinho de Montevidéu. Minha mãe rezando o terço, a gente rezava terço todo dia, pedindo para o meu pai ficar bem. Minha mãe fazia todo mundo ir à igreja todo dia.

E os últimos dias de seu pai?
Fiquei com o meu pai praticamente o tempo todo depois que ele voltou do Uruguai (na quarta-feira 16). Apesar de estar de cama, ele estava bem, animado. Foi um enfarte fulminante. Graças a Deus, ele não sofreu nada, não teve que ficar entrevado numa cama. Morreu dignamente, com as mãos limpas. A morte do meu pai foi uma surpresa. Na véspera ele estava ótimo, conversou comigo, quis saber da família, se estava tudo bem.

Ultimamente a saúde de Brizola preocupava a família?
Tínhamos uma preocupação normal com alguém de 82 anos, mas meu pai era um homem sem vícios. Não fumava, só bebia um vinhozinho de vez em quando, tinha uma vida muito regrada. Seu único problema era que comia de tudo. Comia lingüiça no café da manhã, gostava de mocotó, rabada, e sempre o arroz de carreteiro acompanhando. Mas meu pai era um touro. Às vezes, não agüentava o pique dele. Na campanha de 1998, quando ele era vice da chapa do Lula, fui com ele para Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Estava de salto, andando ao lado dele, mas eu não agüentei. Pedi para sentar no jardim da casa de uma senhora de lá enquanto meu pai seguiu com a passeata, sem demonstrar nenhum cansaço. Na volta da passeata é que me encontrei com ele de novo. Talvez por isso a ficha ainda não tenha caído direito pra mim. Ainda está o número do telefone dele no meu celular. De vez em quando me esqueço e tenho o ímpeto de ligar para ele. Ainda não assimilei direito.

Leonel Brizola era avô coruja?
O mais coruja de todos. Ele adorava quando levávamos as crianças ao sítio da família em Itaipava (região serrana fluminense), para almoçar nos domingos. Ele gostava de comer melancia com as crianças depois do almoço. Abria a melancia no jardim e ficava lá, comendo com os netos e os bisnetos.

Como estava o relacionamento de vocês, ultimamente?
Meu pai sempre foi um aglutinador na política e na família. Procurava manter todos debaixo da asa. Comigo, especialmente nos últimos anos, era uma coisa de eu ligar dizendo que estava com dor de garganta e ele mandar na hora o motorista me trazer um remédio. Nos falávamos praticamente todos os dias. Ele trazia ovos do sítio e me mandava sagu (espécie de canjica fervida com vinho), que ele também adorava. Perdi um amigo. Meu pai era um fofo.

Qual foi a última briga entre você e seu pai?
Faz muito tempo, uns 10 anos. Foi na época em que eu tinha problemas com drogas. Hoje estou limpa, só fumo um cigarro de vez em quando. Filho sempre briga com o pai, ainda mais a gente, que tinha o mesmo temperamento. Mas o engraçado é que depois de todas as brigas eu sempre dava o braço a torcer. Ele me cantava, “vai acontecer isso”, e acontecia.

Pode dar um exemplo?
Meu primeiro casamento (com o produtor Franco Bruni, em 1983). Ele dizia que não ia dar certo e não deu. Meu pai sempre tinha razão, era impressionante. Inclusive, antes de casar ele nunca quis conhecer meus namorados. Dizia que eu mudava muito de namorado e que iria acabar confundindo os nomes.

O ex-governador falava da briga com o José Vicente (filho de Brizola, rompido com o pai desde 2000 e que tinha ligações com o PT)?
Não. Isso já passou. A família agora está unida, em memória da minha mãe (Neusa Goulart, morta em 1993) e de meu pai.

Como a família viu a reaproximação do secretário de Segurança Anthony Garotinho e da governadora Rosinha Matheus com seu pai (Na véspera da morte de Brizola, Rosinha e Garotinho estiveram na casa do ex-governador para lhe oferecer a candidatura à prefeitura numa coligação com o PMDB)?
Estamos observando, o futuro dirá. Eles foram muito gentis em oferecer o Palácio Guanabara para o velório. Colocaram-se à disposição desde o início. Eles me abraça-
ram, me deram os pêsames, mas não conversamos porque naquele momento não tinha como.

O que achou das vaias ao presidente Lula no velório?
A família não concordou, tanto que tentamos impedir. Mas não era só o meu pai que estava insatisfeito com o governo. O Brasil inteiro está um pouco decepcionado, esperávamos uma mudança que não ocorreu. E esse salário mínimo é uma vergonha. Ele é que deveria viver com R$ 260 para ver como é bom.

Chegou a falar com Lula no velório?
Nós todos da família pedimos para ele continuar a obra dos Cieps, em homenagem a meu pai, mas ele não pôde responder. Estava muito tumulto, tinha muita gente.

Neusinha Brizola morreu na quarta-feira, 27 de abril, aos 56 anos, com complicações pulmonares decorrentes de uma hepatite. A causa da morte foi divulgada pelo PDT, partido fundado por seu pai.