domingo, 30 de janeiro de 2011

O JIPEIRO

Entre os amantes de uma vida de aventura, coberta de lama, ele é um dos mais destemidos. Em madrugada de muito cuidado, atravessou el Paso Del Diablo, nos dois mil metros de altura do gêiser de El Tatio, desafiando com coragem ímpar as traiçoeiras precipitações de vapor aos pés do vulcão Lazcar. Nas trilhas, ele é o fecha, o mais capacitado a socorrer quem precise, sempre com o equipamento certo, sempre disposto a ajudar. Reboca quem já se dá como engolido pelo gelo, cava lama com disposição insuperável e, claro, cede de bom grado, satisfeito até, qualquer peça de seu vasto arsenal de sobrevivência, da chave-de-roda ao celular via satélite, a quem quer que o peça. Ele é muito respeitado entre os jipeiros. Não tem medo de nada, dizem todos. Ele é Roberto Jefferson.

A bordo de seu Defender 90, ele mostra toda a habilidade ao volante, enquanto repórter e fotógrafo quicam pra lá e pra cá na traseira do veículo, tentando se equilibrar em bancos dobráveis que, pelo tamanho, lembram o carro do vovô, a condução de volta pra casa aos 8 anos, uma caravan azul com quatro cadeirinhas no bagageiro para as crianças menores. Só que no volante do Land Rover não está aquele simpático português de cabelos brancos, que conduzia a caravan azul em velocidade de guia turístico. Roberto Jefferson pisa fundo. Freia bruscamente também, e joga o carro pra um lado, pro outro, e passa por vala, pula obstáculos, e ri muito. Parece muito bem-humorado nesta manhã de sábado, sol a pino, neste terreno enlameado da Barra da Tijuca. Sem dúvida, um jipeiro nato.

Escrita um ano e dois meses antes do chamado mensalão, que catapultou Roberto Jefferson à fama nacional, a matéria vem abaixo.

Revista Istoé Gente, edição 237, de 23 de fevereiro de 2004

“Quando estou dirigindo, só como banana, barras de cereais e tomo água de coco, para evitar qualquer problema”

Presidente nacional do PTB na Câmara Federal, o deputado federal Roberto Jefferson, 50 anos, está sempre visitando as bases do partido espalhadas pelo País. Entre junho e julho de 2001, por exemplo, ele saiu do Rio de Janeiro, onde mora, e foi até Pirassununga, em São Paulo. De lá, partiu para Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, de onde saiu para visitar Aquidauana, em pleno pantanal. A viagem continuou por Rondonópolis, Cuiabá, Barão de Melgarço e Cáceres, em Mato Grosso; passou por Porto Velho (RO), Manaus (AM), Santarém e Ilha de Marajó, no Pará; Macapá (AP), Belém e terminou em Brasília. Nada muito diferente do que outros líderes políticos costumam fazer, exceto por um detalhe: em vez de usar helicópteros ou aviões, Roberto Jefferson percorreu todo o trajeto ao volante de seu Land Rover Defender 110.
Desde que iniciou sua paixão por jipes, há 33 anos, é dessa maneira que o deputado prefere viajar. “Conheço o Brasil no chão”, vangloria-se ele, que adotou o hobby influenciado pela ex-mulher, Ecila Brasil, com quem começou a namorar em 1971 e se casou dois anos depois. Foi na fazenda da família de Ecila, em Posse, região serrana do Rio de Janeiro, que Roberto fez suas primeiras trilhas até comprar o precursor de seus veículos 4X4: um jipe Willis 64, adquirido em 1974. “Tínhamos de sair do carro para ligar a tração nas quatro rodas. Quando voltávamos, já estávamos imundos”, lembra Ecila, mãe dos três filhos do deputado, Cristiane, 30, Fabiana, 28, e Roberto, 26.
Atualmente proprietário de dois jipes Land Rover Defender, um modelo 110 e outro 90, Roberto Jefferson tem utilizado os carros não só em viagens como a que fez em 2001, durante 40 dias pelo Norte do Brasil, mas para ir a lugares bem mais distantes do que as primeiras trilhas pela região serrana fluminense. Em novembro de 2001, ele e Ecila saíram do Rio de Janeiro para passar 22 dias viajando entre o Chile e a Bolívia. Rodaram 16 mil quilômetros por localidades como Antofagasta, na costa do Oceano Pacífico, o deserto de Atacama, no Chile, e Laguna Colorada, na Bolívia.
Foi nessa viagem que, aos pés do Vulcão Lazcar, no Atacama, o deputado viveu uma das experiências mais arriscadas de sua carreira de trilheiro. Mesmo sabendo que, nove meses antes de sua chegada à região, três brasileiros haviam morrido quando o jipe em que viajavam caiu de uma altura de 2 mil metros, no gêiser de El Tatio, o então líder do PTB na Câmara decidiu percorrer o Paso Del Diablo, como é chamada a trilha que leva ao gêiser. Subiu no escuro, de madrugada, para escapar das precipitações de vapor, que começam por volta das 5h. “Tem que subir com muito cuidado, mas só tive medo de manhã, quando já tinha subido e vi como o caminho era arriscado”, conta.
No dia seguinte, o deputado ofereceu ajuda a um casal de franceses que tinha atolado com seu carro numa fina camada de gelo, a 4 mil metros de altitude. Depois de 40 minutos, conseguiu rebocar a Ford Ranger do francês que, agradecido, ofereceu uma nota de US$ 50 ao brasileiro, convencido de que se tratava de um profissional que o ajudara. “Quando contei que eu era deputado ele nem acreditou”, diverte-se Roberto.
Na chegada a Paso Jama, na fronteira do Chile com a Bolívia, ele voltou a ajudar outras pessoas. Munido de um celular via satélite, cedeu aos apelos para emprestá-lo aos quatro guardas obrigados a ficar 15 dias baseados no posto, a 5 mil metros de altitude. “Todos os quatro falaram para casa”, lembra.
A disposição para as viagens aumentou bastante depois que Roberto se submeteu, em 2000, a uma operação para redução de estômago. Emagreceu 70 quilos e passou a viver sob uma dieta rigorosa, que teve reflexos no seu hobby predileto. “Quando estou dirigindo, só como banana, barras de cereais e tomo água de coco, para evitar qualquer problema”, diz o político.
Quando não está em expedições, Roberto freqüenta as trilhas percorridas pelos associados do Jeep Clube de Petrópolis, na região serrana fluminense. Sempre levando em seu carro todos os apetrechos necessários para se livrar de qualquer obstáculo, o deputado costuma ser o chamado “fecha” nas trilhas, aquele que vai atrás de todos os outros e está pronto a socorrer os colegas que sofram problemas. Na opinião de especialistas no assunto, desempenha muito bem sua função. “O Roberto é um trilheiro nato. Não tem medo, o que é muito importante”, diz o empresário Carlos Salvini, 60 anos, diretor técnico do Jeep Clube de Petrópolis e atual campeão do Rally dos Sertões na categoria de caminhões.
Foi essa disposição em ajudar que provocou mais uma cena inusitada nas viagens do deputado. No deserto do Jalapão, em Tocantins, durante o Carnaval de 2002, o deputado cavava a terra com uma enxada, na tentativa de desatolar o jipe de um amigo. No meio de seu trabalho, uma mulher se aproximou pedindo para tirar uma foto dele. A justificativa pegou Roberto de surpresa. “Ela disse que era para mostrar para a mãe dela, que nunca iria acreditar se a filha dissesse que tinha visto o deputado Roberto Jefferson cavando a terra com uma enxada no meio do deserto do Jalapão”, conta Jefferson, rindo à beça.