De Macaé até a P-26, foram quase duas horas de viagem pra dentro do Oceano Atlântico, na direção América do Sul-África. Antes de embarcar, já havíamos assistido a uma curta palestra a respeito de viagens até a Bacia de Campos, então lá no alto, olhando o petroleiro do tamanho de uma formiga, eu já sabia que o helicóptero não podia voar baixo em mar aberto porque os ventos podiam derrubá-lo.
Já sabia também que só pilotos da Petrobras tinham autorização para levar gente às plataformas. Porque, se me lembro bem da palestra, pilotar em alto mar não era pra qualquer um. Exigia um treinamento árduo, específico. Aterrissar em plataforma, então, era das situações mais complicadas de toda a aviação, incluindo aí os foguetes da Nasa.
Estava de posse de todas essas informações e ainda tenho medo de avião. Não há decolagem em que eu não reprise na mente o filme da minha vida. E ali, sobrevoando o mar aberto e prestes a pousar num gigantesco depósito de combustível flutuante, não sentia medo algum.
E não era questão de controlar o medo, de às vezes ficar em pânico e continuar calado, como costumo fazer em aviões. Naquele helicóptero, tanto na ida como na volta da viagem de cento e oitenta quilômetros, não tive medo, nem nas vezes em que, acometido por lapsos de lucidez, olhava pra baixo e tentava imaginar o tamanho da merda que seria ficar por ali, entre a P-26 e Macaé, a boiar no salva-vidas amarelo amarrado à minha cintura.

Quer dizer, até acredito que não só estava naquele ângulo como aterrissei no minúsculo heliponto a uns quinhentos metros da torre incandescente. A matéria aí embaixo está aí para provar isso. O difícil é imaginar como eu pude simplesmente não ter medo em momento algum, porque não ter medo numa situação dessas, sinceramente, não faz o menor sentido. Pra mim continua um mistério. Talvez tenha sido o salva-vidas amarelo amarrado à cintura. Quem sabe?
A matéria abaixo foi cortada. Incluí apenas um dos três perfis que o texto apresentava, pra não ficar muito grande.
Revista Istoé Gente, edição 76, de 15 de janeiro de 2001
"Nos camarotes, procuramos juntar os roncadores".
A química Raquel Pereira, 30 anos, e o auxiliar administrativo Sérgio Bissogue, 38, são casados e trabalham na mesma empresa. Mas Raquel não pode ir até a sala do marido. O motivo é simples: os dois trabalham em alto mar, a mais de 100 quilômetros da costa, só que em plataformas de extração de petróleo diferentes. Como eles, outros 5 mil profissionais levam a vida de uma maneira inusitada, nas 20 plataformas instaladas na Bacia de Campos.
Com uma produção média de 600 mil barris de petróleo por dia e 10 milhões de metros cúbicos diários de gás natural, a Bacia de Campos já superou os índices de países como a Síria, o Qatar e o Gabão, todos integrantes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Trabalhar nela, porém, não é tarefa para qualquer um. Não existe privacidade. Na P-26, por exemplo, a plataforma que fica a 180 quilômetros da costa de Macaé, no estado do Rio, cada quarto de oito metros quadrados é dividido por quatro pessoas.

O chefe da tropa de elite. Sair de casa para trabalhar deixou de ser uma rotina tranqüila na vida do engenheiro Humberto Romanus há 17 anos, desde o momento em que ele pegou no batente nas plataformas da Petrobras. Casado com a farmacêutica Maria Elisa, 41, e pai de Eduardo, 9, e Luciana, 6, Humberto aproveita ao máximo o período de 21 dias que tem com a família, pois sabe que a saída de Curitiba, onde mora, para os 15 dias de plantão à frente da P-26, na Bacia de Campos, costumam ser problemáticos. "Uma vez meus filhos esconderam a chave de casa e não queriam me deixar sair", conta.
A mulher Maria Elisa já está conformada com a vida profissional atribulada do marido. "Durante um ano inteiro de trabalho, ela só me ligou uma vez, para me avisar que o pai dela tinha morrido", conta o engenheiro, que revela o segredo da harmonia conjugal. "Quando temos desgaste, já está na hora de eu sair. Quando volto, é aquela festa".
Festa é tudo o que Humberto não tem quando está em serviço. Como coordenador, o engenheiro faz parte do grupo de sobreaviso, uma espécie de tropa de elite formada por oito funcionários, que administra os vários setores da plataforma e trabalha 15 dias para cada 21 de folga. Os outros funcionários de lá trabalham a cada 15 dias.
Em situações anormais, é esse grupo que atua e organiza uma eventual fuga de funcionários, caso esta seja necessária em alguma situação extrema nas instalações da embarcação, que não inclui tempestades marítimas. "As condições do mar não oferecem perigo. Nossa unidade está projetada para agüentar a pior situação em 100 anos", diz Romanus.
Dentro da plataforma, o turno de trabalho é de 12 horas. Humberto é o único com um quarto individual, que fica ao lado de seu escritório. As vantagens param por aí. O coordenador passa de sete a oito horas dentro do quarto. O resto do tempo é para o trabalho e uma ou outra escapulida até a sala de musculação.
No papel de administrador da plataforma, o engenheiro tem de resolver qualquer problema entre seus comandados. "Em qualquer ambiente de trabalho pode haver divergências entre as pessoas. A diferença é que aqui, se você discutir com alguém, vai continuar tendo de conviver com esse alguém", diz. Como medida básica de prevenção, Humberto cita uma estratégia simples, mas que evita muitos problemas. "Nos camarotes, procuramos juntar os roncadores".