domingo, 16 de novembro de 2008

HONÓRIO, O GURGEL - O EIXO

Ladeira de paralelepípedo em Santa Tereza, na saída do Goiabeira, se é que ele ainda existe. Carro em ponto morto, controlando no freio, porque assim é mais legal. Até que na última curva, já avistando o batalhão de choque, um barulho estranho, tipo Clock, avisa que algo aconteceu, e você sente isso imediatamente, porque o gurgel aderna ligeiramente para a direita.

O barulho seguinte é de maçarico, quando você faz a curva para a esquerda e atravessa o viaduto por baixo, e o som já parece de aparelho de dentista quando você percebe como é difícil manter o gurgel em linha reta, e como é quase impossível virar pra direita, pra onde ele tá adernado. Pára, sai, deita no asfalto e descobre que o eixo, aquele ferro que liga o pneu ao resto do carro, não tá ligado à roda. Tá balançando perto dela, tocando o pneu de vez em quando, mas ligado à roda, não tá não. O que a segura é, de um lado, o próprio eixo, que não deixa ela cair pra trás; e do outro o pára-lama rebaixado, que tira faísca do chão nas pontas.

Você está parado às três e pouca da matina numa área da cidade que um jornal já chamou um dia de vale das balas perdidas. E como conseguiu andar uns cinqüenta metros naquelas condições, pensa mui sensatamente: por que não sair de lá, atravessar o Santa Bárbara e deixar o gurgel são e salvo em frente à oficina do lado de casa?

Os amigos vão na frente em outro carro, devagar, para o caso de uma desistência no caminho, mas curva pra direita, em todo o trajeto, só tem duas. E a primeira, de acesso ao túnel, é ultrapassada sem problemas, graças à pista vazia em frente ao Frei Caneca, que permite uma linha reta em diagonal, pra dar as melhores condições à roda boa, da esquerda, de fazer a curva sozinha.

Depois linha reta no túnel, como o gurgel já sabia, e o barulho de aparelho de dentista começa a ser entremeado por alguns clocks, isso em frente ao Palácio Guanabara. A segunda curva pra direita, de acesso à Praia de Botafogo, é mais complicada, porque a rua é mais estreita, não permite a diagonal. Sinal aberto, o volante pesa barbaridade, quase não se mexe pra direita, mas o gurgel consegue completar a curva, de uns 120 graus, e finalmente embica o pára-choque na reta do viaduto que, mais quatro curvas pra esquerda e outro túnel, o deixará na porta da oficina de Seu Raimundo, em frente ao Rocha Maia, pertinho do Pinel.

Na manhã seguinte, a glória. Seu Raimundo coça os cabelos brancos, ajeita os óculos, olha a roda com cara de tragédia e, do alto da experiência de anos e anos consertando carro velho, pergunta, sem acreditar:

Você trouxe esse carro assim?