
Num tempo sem internet na redação, a salvação foi a lista telefônica. Tinha o nome do engenheiro do Palácio ali, ao lado de um número, só não era muito provável que o sujeito estivesse em condições de dar entrevista quase 54 anos depois da inauguração do prédio que ele tinha construído. Atendeu o filho, que disse que sim, o pai estava vivo e lúcido, aos 93 anos, e poderia dar entrevista, mas que levá-lo pra frente do palácio para uma foto já era um pouco demais. Idéia do editor, disse logo o repórter, tratando de deixar a foto pra lá e marcando a entrevista para o dia seguinte.
E sentado no sofá da sala acarpetada, num daqueles apartamentos antigos de Copacabana, o repórter só precisou esperar uns três minutos até ser recebido pelo senhor sorridente, impecável num terno, que andava sem necessidade de apoio, nem de bengala, e segurava o relatório de construção do Palácio da Fazenda quase como um documento de identidade, e que mesmo ouvindo muito mal, e falando muito baixo, sentou com o repórter no sofá e durante pouco mais de uma hora falou sobre o palácio, lembrou de detalhes da obra, de decisões importantes, e no fim se despediu ainda sorridente, dando a impressão de que, se o repórter quisesse, poderia continuar a falar sobre o palácio, o tempo que fosse necessário.
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Jornal do Brasil, edição de domingo, 2 de fevereiro de 1997

A audição já não é a mesma, mas a memória funciona a todo vapor. Aos 93 anos, perfeitamente lúcido, o engenheiro chefe da construção do Palácio da Fazenda, Ari Fontoura de Azambuja, recorda com satisfação os cinco anos que passou à frente do batalhão de operários que ergueu o prédio. Satisfeito, ele se orgulha de ter concluído a obra com um custo considerado baixo para a dimensão do projeto. “A construção foi barata por causa das 30 concorrências parciais, uma para cada parte do projeto, ao contrário do que costuma ser feito atualmente”, conta Ari.
O engenheiro lembra ainda que teve participação fundamental para que a obra ficasse pronta logo. “A idéia inicial era formar uma comissão de técnicos, todos com o mesmo poder de decisão, como em outros empreendimentos do governo. Fiz valer a minha tese e consegui criar um escritório técnico com diversos especialistas, todos subordinados a mim. Um empreendimento da natureza do Palácio da Fazenda exigia, antes de tudo, pronunciamentos rápidos e firmeza de direção”, diz.
O ritmo acelerado da obra acabou proporcionando a Ari uma nova oportunidade de enriquecer seu currículo. “Fomos convidados para terminar o prédio do Ministério da Educação (o atual Palácio Gustavo Capanema, no Centro), que havia começado dois anos antes da nossa obra e só terminou uma ano depois. Aceitei com a condição de que o projeto original de Oscar Niemeyer e Le Corbusier fosse respeitado, mas saí antes da inauguração”.
Alheio ao interesse despertado pelo prédio que construiu, Ari é contra a mudança de dono pleiteada tanto pela prefeitura quanto pelo governo estadual. “O prefeito e o governador têm direito de querer usar o palácio, mas sou mais pela continuação da atual situação. É uma tradição de mais de 50 anos”, afirma o engenheiro, que por 29 anos foi funcionário do Ministério da Fazenda, até se aposentar, em 1961.

O engenheiro também defende o palácio de comentários que relacionam a sua suntuosidade com o fascismo de Mussolini, que teve simpatizantes entre autoridades brasileiras. “O palácio nada tem a ver com o fascismo e não é luxuoso. Se há nele abundância de mármore, é com o objetivo de executar acabamentos adequados à sua finalidade, ou de proteger paredes em locais de grande fluxo de pessoas”, conclui Ari, repetindo as mesmas palavras que escreveu há 53 anos, no relatório de construção do prédio, enviado ao então ministro Artur de Sousa Costa. Uma cópia desse relatório, aliás, é hoje uma das relíquias que o engenheiro guarda em casa, como lembrança da maior e mais importante obra de sua vida.