
Imagine-se então no Maracanã lotado, num jogo decisivo contra o maior rival, numa situação parecida com outra, de cinco anos antes, decidindo vaga na final do brasileiro, quando o torcedor, então com vinte anos, também estava no estádio. Há cinco anos, o Xará era a maior revelação do campeonato e já tinha feito o rival cair de quatro na fase de classificação. No jogo decisivo, quando estava no chão, caído após sofrer falta não marcada pelo juiz, o Xará foi atingido por um soco na cara. Estava estirado, com o rosto voltado pro chão, e levou um soco sem a menor chance de defesa, do zagueirão malandro, então um dos ídolos do rival. O zagueirão malandro não levou nem amarelo pela agressão covarde, que, vá entender, é lembrada e celebrada por torcedores do rival. Levou amarelo apenas quando, último homem, deu uma banda por trás no craque do time, que viria a ser o artilheiro do campeonato e partia sozinho na cara do gol. Não foi expulso. Ficou em campo até o fim da partida. Expulso, mesmo, só um zagueiro do time, que além disso viu seu lateral-esquerdo sair de campo contundido para voltar com o braço enfaixado, colado ao corpo. E com um a menos e outro sem um dos braços, o time acabou perdendo por dois a zero, jogo duro até o final, e o rival foi pra decisão, comemorando, entre outros “feitos e glórias”, a agressão covarde do zagueirão malandro.

A impressão é que o rival virá com tudo para o segundo tempo e eles até tentam, mas sofrem os contra-ataques. Num deles, em lançamento do meia de passe perfeito, monumental, o Xará e o zagueirão malandro correm juntos enquanto a bola descai, já na entrada da grande área. Os dois correm lado a lado, um pouco à frente dela, esperando a altura ideal para interceptá-la ou dominá-la e partir em direção ao gol, mas a bola não quica no chão, não ainda. Antes disso, bate com capricho de deusa nas costas do Xará e tira do lance não só o zagueirão malandro mas também o goleiro, que já saía desesperado. A bola então, claramente apaixonada, se oferece na frente do Xará com o gol escancarado; e no Maraca, aos vinte e cinco de idade, o torcedor começa a enlouquecer de alegria, junto com a maioria mais que absoluta da torcida presente.



Ah! É Edmundo!
A matéria abaixo, assinada também pela Rosângela Honor, mostra um pouco do que enfrentou o xará ao longo da carreira. No caso, já de volta ao Vasco, pagava por um erro cometido quando defendia as cores de exu. Coincidência?
Revista Istoé Gente, edição número 10, de 13 de outubro de 1999
No regime semi-aberto, o condenado tem de se apresentar na prisão até às 22h, de onde só sai no dia seguinte. No caso do atacante vascaíno, a Justiça poderá levar em conta os horários dos jogos e liberar o craque até por alguns dias, para as partidas disputadas fora do Rio.
A matéria abaixo, assinada também pela Rosângela Honor, mostra um pouco do que enfrentou o xará ao longo da carreira. No caso, já de volta ao Vasco, pagava por um erro cometido quando defendia as cores de exu. Coincidência?
Revista Istoé Gente, edição número 10, de 13 de outubro de 1999
No regime semi-aberto, o condenado tem de se apresentar na prisão até às 22h, de onde só sai no dia seguinte. No caso do atacante vascaíno, a Justiça poderá levar em conta os horários dos jogos e liberar o craque até por alguns dias, para as partidas disputadas fora do Rio.
A última terça-feira, 5
de outubro, parecia mais um dia rotineiro na vida do atacante Edmundo Alves de
Souza Neto, 28 anos. De manhã, ele foi à concentração do Vasco, no hotel Rio
Othon, em Copacabana, fez musculação e ficou sabendo que seria poupado do jogo
do time naquele dia, contra o Cerro Porteño, do Paraguai, pela Copa Mercosul,
porque o time já não tinha mais chances na competição. O jogador ainda almoçou
com os companheiros antes de voltar para casa. Por volta das 15h15, porém, um
telefonema do advogado Arthur Lavigne mudou seu trajeto. O Tribunal de Justiça
do Rio tinha acabado de manter a sentença da 17.ª Vara Criminal, que em março condenara o jogador a quatro anos e meio de
prisão, em regime semi-aberto. Ele foi considerado culpado por ter
provocado a morte de três pessoas no acidente com o Cherokee que dirigia na
madrugada de 2 de dezembro de 1995, na Lagoa, zona sul do Rio.
Um acordo entre o
vice-presidente jurídico do Vasco, Paulo Reis, e o diretor da Polinter, delegado
Cláudio Nascimento, evitou que o jogador fosse preso na terça-feira. Enquanto
isso, o advogado do atacante, Arthur Lavigne, tentava conseguir um habeas-corpus
para seu cliente no Superior Tribunal de Justiça. No mesmo dia, instruído por
seus advogados, Edmundo não apareceu em casa, num luxuoso condomínio na Barra,
zona oeste da cidade.
Na noite do acidente, Edmundo e alguns amigos seguiram
para a boate Sweet Home, na Lagoa, onde encontraram Joana Martins Couto, 16, e
sua amiga Déborah Ferreira da Silva, então com 21 anos. Barrada na boate naquele
dia, Joana ainda hesitou em aceitar a carona oferecida por Edmundo até o bar El
Turfe, na Gávea, mas foi convencida por Déborah. Na esquina da avenida Borges de
Medeiros com a rua Batista da Costa, na Lagoa, o Cherokee do atacante se chocou
com o Fiat Uno cinza dirigido por Carlos Frederico Pontes, 24. O carro de
Edmundo capotou várias vezes e ficou com as rodas para o ar, enquanto o Fiat foi
jogado a uma distância de 30 metros e colidiu com um poste. Carlos Frederico
morreu na hora. A namorada dele, Alessandra Cristina Perrota, 20, e Joana
morreram algumas horas depois, no hospital Miguel Couto.
Déborah quebrou a bacia, a
quinta vértebra da coluna e quase ficou paraplégica. Ela ainda está se
recuperando do acidente. "Levei quase dois anos para voltar à vida normal", diz
Déborah, que teve de largar o emprego de vendedora na loja Blue Man, em Ipanema,
e perdeu as provas do vestibular naquele ano. Além das duas amigas, também
estavam no carro do atacante do Vasco o empresário Marckson Gil Pontes, 31, e a
estudante Roberta Campos, 19. Os dois ficaram levemente feridos, assim como
Natasha Marinho Ketse, 19, que estava no Fiat Uno. A mãe de Joana, Eliane
Artiaga Martins, 47, assistiu ao julgamento de terça-feira 5 na 6.ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça e aplaudiu a decisão dos desembargadores Eduardo
Mayr, Erié Sales da Cunha e Maurício da Silva Lintz. "Pensei que iria encontrar
uma pessoa arrependida, mas não foi isso que aconteceu", diz Eliane.
Os
advogados das vítimas, Técio Lins e Silva e Avelino Gomes, garantem que, mesmo
que o habeas-corpus seja concedido pelo STJ, Edmundo dificilmente escapará da
prisão. "A sentença não feriu preceito algum da Constituição e, por isso,
dificilmente será revogada", diz Técio, que representa a família de Joana.

O acidente já proporcionou
outras condenações, em ações cíveis movidas pelas vítimas. Déborah recebeu R$
100 mil, mas seus advogados ainda cobram R$ 60 mil estabelecidos pela sentença.
Roberta Campos entrou em acordo e recebeu três parcelas de R$ 40 mil. A família
de Joana Martins Couto ganhou uma indenização de mais R$ 300 mil, mas não
recebeu um centavo porque a sentença ainda está em fase de execução. O atacante
também foi condenado a pagar R$ 227 mil à família de Alessandra Perrota - em
processo no qual poderá ter sua mansão penhorada para garantir o pagamento da
indenização. A família de Carlos Frederico Pontes ainda aguarda uma decisão da
Justiça no processo que move contra Edmundo.