Ontem eles foram presos, de novo, por ordem e graça do mesmo juiz de onze anos atrás. Ficaram um dia na cadeia até os advogados conseguirem tirá-los de lá. Na primeira vez foram quatro dias, como conta a matéria aí embaixo, assinada também pela Vivianne Cohen, e com a colaboração da Cecília Maia.
Revista Istoé Gente, edição 131, de 4 de fevereiro de 2002 – Sérgio, a polícia está aqui na minha casa. O que eu faço? – Receba os policiais normalmente, que eu vou ligar para o Nélio – Mas eu posso tomar banho e fazer a barba? – Claro que sim. Pode ficar tranqüilo.
Eram 6h50 da
sexta-feira, 25 de janeiro, quando o advogado Sérgio Bermudes foi acordado pelo
toque do telefone de sua casa, no Rio de Janeiro. Do outro lado da linha, o
amigo e um de seus principais clientes, o ex-banqueiro Marcos Catão de Magalhães
Pinto, 66 anos, pedia orientação para lidar com um problema até então
inimaginável. Três policiais federais estavam na porta de sua mansão, na Gávea,
bairro nobre da zona sul carioca, com ordens para levá-lo dali preso.
A surpresa do ex-banqueiro, que tinha sido acordado pela chegada dos policiais,
às 6h30, pode ser traduzida pelo rápido diálogo com o advogado:
– Sérgio, a polícia
está aqui na minha casa. O que eu faço? – Receba os policiais normalmente,
que eu vou ligar para o Nélio (Nélio Machado, advogado criminalista que defende
Marcos junto com Bermudes). – Mas eu posso tomar banho e fazer a barba? –
Claro que sim. Pode ficar tranqüilo. A chegada de Nélio
Machado à casa de Marcos, no entanto, não evitou a prisão do ex-banqueiro,
decretada pelo juiz federal Marcos André Bizzo Moliari, da 1ª Vara Criminal do
Rio de Janeiro. Acusado por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e
prestação de informações falsas no
escândalo financeiro que levou à intervenção do Banco Nacional, em 1995,
e deixou um rombo de US$ 9 bilhões assumido pelo Banco Central, Marcos foi
condenado em primeira instância a 28 anos de prisão. Ainda segundo a sentença de
Moliari, o ex-banqueiro terá de pagar uma multa de R$ 10,764 milhões aos cofres
públicos. Junto com o herdeiro do memorável político mineiro José de Magalhães
Pinto, também foram presos outros sete ex-executivos do Banco Nacional. Há 31 meses como
titular da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal, o juiz Marcos André Moliari, 33
anos, analisou durante três meses os mais de mil volumes do processo de maior repercussão de sua carreira meteórica, iniciada em
1994, como advogado da Petrobras. Em 1997, foi aprovado para o cargo de juiz
estadual, função que exerceu por apenas sete meses, até ingressar na
magistratura federal. Acusado pelos advogados dos réus de querer aparecer com a
sentença, o juiz é enfático ao se defender. “Se o processo tem essa repercussão
toda é por força dos fatos, que falam por si, não por minha causa”. O martírio de
Marcos de Magalhães Pinto e seus antigos colegas de banco durou quatro dias,
tempo suficiente para que os advogados de defesa conseguissem o habeas-corpus,
concedido na segunda-feira 28, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal,
ministro Marco Aurélio Mello. Com a decisão, os condenados poderão ficar em
liberdade até que saia a sentença final do caso, mas só poderão deixar o Rio de
Janeiro com autorização judicial. “A prisão foi ilegal e desnecessária. Dizer
que meu cliente pretendia fugir é alusão mental, não justifica isso”, disse
Nélio Machado, referindo-se à informação de que a prisão foi motivada pela
tentativa de Marcos em renovar seu visto para os Estados Unidos. Ao sair do
Ponto Zero, a prisão especial onde ficam os presos com curso superior, na manhã
da terça-feira, 29, o ex-banqueiro teve seu passaporte apreendido. No Ponto Zero,
Marcos de Magalhães Pinto dividiu um dos alojamentos com cinco ex-colegas do
Nacional e outros dois presos com nível superior. Sem televisão, geladeira e
ventilador, o local tem cerca de 30 metros quadrados e, além das camas dos
detentos, só possui dois bancos de madeira como móveis. Sem curso superior,
Antônio Nicolau e Nagib Antônio deram menos sorte. Os dois dividiram uma cela
comum do presídio de Água Santa com nove presos. Nos quatro dias em que ficou
detido, o ex-banqueiro comeu a comida da prisão, uma quentinha com carne, arroz,
feijão e macarrão. Uma de suas únicas exigências foi a de não receber visitas
das mulheres da família, a esposa, Maria José, as três filhas e as duas irmãs.
“Ele não queria que elas vissem as condições em que ele se encontrava”, conta
uma amiga, que prefere não se identificar. A prisão de Marcos
foi mais um golpe na família cujo patriarca foi um dos homens mais poderosos do
País. Governador de Minas Gerais entre 1961 e 1965, José de Magalhães Pinto
esteve entre os principais articuladores do golpe militar que depôs o presidente
João Goulart, em 1964. Tanto poder contrastava com a simplicidade que passou aos
filhos. Prova disso eram os almoços durante o expediente na sede do Nacional, no
Centro do Rio. Enquanto os executivos do banco não dispensavam cardápios
sofisticados, os irmãos Magalhães Pinto sempre foram fiéis ao arroz com feijão,
carne moída e pastel de carne. Hoje, os últimos
sinais do poder dos donos do banco que patrocinou Ayrton Senna no início de
carreira estão nos bens tornados indisponíveis pela Justiça. Em nome dos irmãos
Marcos, Eduardo e Fernando, 63, figuram duas mansões na Gávea, um terço de um apartamento em Belo Horizonte, um terreno no Rio, duas
lanchas e nove carros. Em nome dos netos de José, e livres da Justiça, estão a
imobiliária Cebepê e casas de veraneio da família em Angra dos Reis. “Houve uma
queda acentuada no padrão de vida de meus clientes”, conta Sérgio
Bermudes. Uma mostra da nova
fase dos Magalhães Pinto foi dada em maio do ano passado, no casamento da filha
caçula de Marcos, Maria Rita, com Eduardo Pinheiro. A tradição, sempre seguida à
risca pelos ex-donos do Nacional, manda que o pai da noiva pague a festa, mas
foi a família de Eduardo quem arcou com os custos da recepção para 150 pessoas
no Jockey Clube da Gávea, depois da cerimônia na Igreja Nossa Senhora do Carmo,
no Centro do Rio de Janeiro. Católica
praticante, Maria José reduziu as visitas ao Dispensário Santa Teresinha do
Menino Jesus, onde dá aulas de catecismo a mais de 200 crianças, para arregaçar
as mangas e ajudar o marido. Depois da queda do Nacional, pôs em prática o que
aprendeu nas aulas de paisagismo numa loja que abriu em um shopping center do
Rio. Simples e discreto,
Marcos tem o perfil típico de um Magalhães Pinto. Desde a época em que morava no
casarão colonial perto da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, a família já se
caracterizava pela simplicidade e pela rígida educação que fazia questão de dar
aos filhos. “Eles nunca foram de ostentar a riqueza que possuíam”, conta o
ex-embaixador José Aparecido de Oliveira, amigo da família. Protestante
fervorosa, a mulher de José, Berenice, fazia questão que os filhos lessem a
Bíblia todas as noites. O fato chegou a ser lembrado por Ana Lúcia, filha caçula
de José e Berenice, num desabafo feito a Aparecido. “É uma ironia que pessoas
criadas com a Bíblia na mão sejam vistas hoje como ladras por todo o País”,
disse a ex-nora do presidente Fernando Henrique Cardoso.