
Tentarei lembrar das entrevistas feitas com os dois protagonistas dessa eleição histórica, cujo resultado saiu na madrugada de ontem. A primeira delas aconteceu no segundo semestre do ano 2000, a poucos dias de Eurico Miranda realizar, finalmente, o sonho de assumir a presidência do Vasco, depois de quase vinte anos como vice de um sujeito chamado Antônio Soares Calçada, português que sempre teve mais poder que ele dentro do clube.


Calçada, o adversário mais poderoso, comerciante que resolveu se unir a ele após vencê-lo pela segunda vez nas urnas, em 1985, já dava sinais de cansaço há tempos. E sua saída progressiva de cena conferiu ao aliado um poder que o fez errar a mão algumas vezes.
Em 90, por exemplo, uma interpretação maquiavélica do regulamento, só pra tirar vantagem, como se o Vasco precisasse disso, fez o time entrar em campo na final do carioca sem saber direito se podia perder ou não, e depois dar uma volta olímpica que até hoje não dá pra engolir. Em 99, a dois dias do início das quartas-de-final do campeonato brasileiro, Eurico tirou do time o maior jogador do Brasil na época, no ápice de sua forma, porque ele falou não sei o quê pra não sei quem no vestiário. No mesmo ano, já tinha rescindido o contrato do artilheiro mais competente do Vasco a duas semanas da decisão do título carioca com o maior rival.
Mas de vez em quando acertava na truculência, ou alguém acha que o Vasco iria virar aquele jogo contra o Palmeiras, o 4 a 3, se fosse o Oswaldo ‘Calça Enfiada’ Oliveira – demitido por ele três dias antes do jogo – no lugar do Natalino?

Com Bebeto, que em 89 formava com Romário a maior dupla de ataque do mundo, na seleção, o Flamengo endureceu na negociação pra renovar contrato. Quis pagar menos e estipulou o passe do craque num preço fora da realidade do futebol nacional. Diretor da CBF na época, Eurico negociou pessoalmente com Bebeto e o clube depositou a quantia pedida pelo rival na federação. No mesmo ano, com o ex- rubro-negro no time, o Vasco foi campeão brasileiro.

Aí o time parou de ganhar, e nos últimos cinco anos venceu apenas um campeonato carioca. As equipes de basquete foram desfeitas, a de futsal também, e o esporte amador ficou meio baleado. Sem dinheiro, Eurico teve o mérito de manter o Vasco como o clube de melhor estrutura da cidade, e um dos melhores do País. Construiu um hotel-concentração dentro de São Januário e cuidou bem do estádio. Mas não conseguiu montar mais nenhum grande time.
A cadeira de deputado ele só manteve até 2002, e antes de perdê-la cometeu o maior erro político de seus 41 anos de Vasco. Num jogo morno em São Januário, expulsou Roberto Dinamite da tribuna de honra do estádio. Ainda na confiança do poder, ultrapassou os limites do bom senso e deu aos inimigos, gente à beça, a munição que faltava. A expulsão motivou a segunda entrevista, feita com o Roberto alguns dias após o episódio, quando ele já falava como candidato a presidente do Vasco.
Ontem, depois de sete anos sob bombardeio constante, de ações na Justiça e matérias na imprensa, Eurico caiu. Venceu a primeira eleição, em 2003, por diferença de cento e poucos votos, e na segunda, em 2006, quando algumas ações da oposição começaram a clarear as coisas, aumentou a vantagem, para quatrocentos e poucos votos. Mas dos ataques na Justiça não conseguiu se livrar, graças a um erro grosseiro, difícil de acreditar.

Na semana da disputa, o governador do Rio de Janeiro enviou cartas a conselheiros do clube pedindo o voto em Dinamite. E no auge, lá em 2000, Eurico disse na entrevista o que acabou virando o título:
Sou mais importante do que o governador.
Podia até ser, mas só se o governador não fosse vascaíno.
Ainda ontem, menos de 24 horas depois das eleições que o derrubaram, Eurico esteve em São Januário, para assistir pela última vez um jogo do Vasco do gabinete da presidência. O time venceu. Quatro a dois.
* a seguir, no prazo que der, os relatos das entrevistas com Roberto e Eurico.