
O resultado tá aí embaixo. As fotos são de Felipe Barra, grande desbravador dos Sertões brasileiros
Revista Istoé Gente, edição 182, de 27 de janeiro de 2003
“O violão tem ficado num canto, sem sair da capa. É sinal de que estou me dedicando”
Em uma das muitas audiências com autoridades, o ministro da Cultura Gilberto Gil recebeu em seu gabinete, na quarta-feira 8, o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o uruguaio Enrique Iglesias, acompanhado de dois diretores da instituição. Durante cerca de uma hora, Gil e a comitiva do banco discutiram possibilidades de incentivos à cultura do País, com toda a formalidade que reuniões desse tipo costumam exigir. Até que, no fim do encontro, os dois diretores se encarregaram de quebrar o protocolo avisando que, se saíssem dali sem um autógrafo do ministro, seriam impedidos pelos filhos de entrar em casa.
Contada pelo secretário-executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, essa história de coxia faz parte do show do ministro e ilustra bem o que têm sido os primeiros dias dele no governo. “Gil é sistemático, com uma capacidade de trabalho enorme. Ao mesmo tempo todos aqui têm a dimensão do artista, o que acaba criando um clima mágico, que o Ministério da Cultura sempre deveria ter”, diz Juca, ex-vice-presidente da ONG Onda Azul, voltada para o meio-ambiente, criada pelo atual ministro.

palco de trabalho depois das 22h30, após cumprir todas as audiências previstas para o dia, entre elas encontros com o presidente da Fundação Roberto Marinho, José Roberto Marinho, com integrantes do setor de Cultura do Movimento dos Sem Terra e com o consultor da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.
O encontro com Boni mostrou que Gil também usa códigos. Ao chegar ao gabinete do ministro, o ex-vice-presidente de coordenação estratégica da Globo disse à recepcionista que estava ali para “buscar uns instrumentos”. Sem entender nada e nem reconhecer o convidado, a funcionária do Ministério disse que não havia instrumentos no gabinete. Bem-humorado, Boni retrucou. “Vai lá dentro, por favor, e diz que eu vim buscar uns instrumentos.” Constrangida, a recepcionista voltou dizendo que ele podia entrar. Na saída, o consultor da Globo minimizou a brincadeira, e disse que levou ao ministro a proposta da criação de uma loteria da Cultura. “Espero que ele, que é muito criativo, amplie a verba que tem”, disse, sem dar maiores detalhes sobre a idéia.
Em Brasília, Gil mora no hotel da Academia de Tênis, um complexo com dez cinemas, oito restaurantes e dezenas de lojas situado a dez minutos da Esplanada dos Ministérios. O dia de trabalho começa entre 9h e 9h30, quando ele chega ao gabinete – sempre de terno e gravata ou, em dias de compromissos menos formais, vestindo blazer. O gabinete, aliás, ainda não tem a cara do novo ministro. “Acho o gabinete sem graça”, diz ele, que no momento não pensa em mudanças no local. “Por enquanto não vejo necessidade.”

A macrobiótica também está presente no almoço do ministro, que acontece quase sempre em seu gabinete entre 14h30 e 15h. A comida vem de um restaurante próximo ao Ministério. “Não conheço direito essa comida, mas acho que até agora arrumei tudo certo na bandeja”, diz o garçom Antônio Martins, 48, há seis anos no Ministério da Cultura. Depois do almoço, Gil fica à base de água durante o resto do dia, além de um chá, de erva-cidreira ou de maçã, entre as 17h e 18h. E pára por aí qualquer tipo de rotina na vida do ministro. “Venho sendo atropelado por pedidos de audiências rápidas. Minha rotina fica em função da agenda”, justifica o compositor.
Para Juca Ferreira, o ritmo intenso de audiências com o ministro deve diminuir no fim do primeiro mês de trabalho. “Esse esforço inicial é para tomarmos conhecimento do que temos pela frente, mas se continuar assim depois de um mês vai começar a prejudicar o trabalho”, afirma o secretário-executivo, que assumiu o Ministério na sexta-feira 17, quando o titular viajou para Cannes, de onde partiu depois para se encontrar com o presidente Lula em Davos, na Suíça.
Segundo a previsão de Juca, até o fim de janeiro continuarão os jantares depois do expediente num dos restaurantes da Academia de Tênis. Neles, o ministro não come quase nada, mas chega a ficar até 1h30 discutindo assuntos do Ministério. Secretário do Livro e da Leitura, o poeta Wally Salomão resume o ritmo de trabalho nessa reta inicial. “Tenho passado a noite acordado”, diz.
Enquanto isso, o violão de Gil permanece esquecido. A exceção foi na festa da quarta-feira 15, na Funarte, quando, atendendo ao pedido dos funcionários do Ministério, o compositor levou seu instrumento para uma canja. Cantou três músicas – Drão, Three Little Birds, de Bob Marley, e Esperando na Janela – e se desculpou pela desafinação das cordas. “O violão tem ficado num canto, sem sair da capa. É sinal de que estou me dedicando”, disse, sem lamentar os ossos do novo ofício.