quarta-feira, 16 de julho de 2008

HONÓRIO, O GURGEL – A VIAGEM


Descanso mesmo, de mais de cinco segundos, só quando alguém passava a nossa frente e ficava um tempo na pista da direita, até desaparecer na escuridão. No mais, o indicador e o dedo médio da mão esquerda foram heróicos naquela viagem de volta da Região dos Lagos. Seguraram, um e outro, revezando-se, a alavanca do farol alto, que não ficava no lugar e poderia muito bem ser deixada de lado, se o farol baixo do gurgel estivesse funcionando.

Ao meu lado, meu amigo Manguaça, que sempre gostou muito de falar, vinha em silêncio. De vez em quando perguntava se eu enxergava alguma coisa à minha frente. E eu, entre as piscadelas do farol alto, com os dois dedos já latejando, dizia que sim, que tava tudo tranqüilo. Só que a gente tinha resolvido, ao sair de Arraial do Cabo, dar uma passada em Búzios antes de voltar ao Rio, e com isso pegamos a estrada no fim da tarde. Em menos de meia hora de viagem, começou a escurecer. Foi quando me lembrei do pequeno problema no farol do carro.

Pegar estrada à noite já é um negócio que requer cuidado redobrado. Se não tiver farol, então, fica ainda mais difícil. O bravo Honório fazia sua parte. Rodava macio, nem parecia ligar para a limitação de seu campo de visão. O problema era ficar segurando a porra da alavanca do farol alto.

Meu esforço deve ter sido maior que o do Senna naquele GP do Brasil em que ele perdeu sei lá o quê, acho que umas cinco marchas, e cruzou a linha quase desmaiando. Depois saiu do carro como se acabasse de escapar de um naufrágio e parecia que levantava um menir quando ergueu o troféu da corrida, que não devia pesar nem cinco quilos.

Não precisei fazer essa cena toda, mas confesso que aliviei a tensão ao longo daquela viagem, às escuras, com dois dedos doendo sem parar, de forma um tanto estranha. Primeiro vibrei com um engarrafamento em Araruama e depois, enquanto o trânsito tava parado, joguei adedanha com o Manguaça, durante alguns minutos. Aí o engarrafamento acabou, a estrada voltou a ficar escura e ficamos em silêncio, de novo.

Alívio mesmo, de esquecer a dor, só quando, inebriado pelos odores da Niterói-Manilha, avistei aquela bela fileira de luzes amarelas, exemplo maior da pujança econômica de nossa ditadura, a nos avisar que dentro de poucos minutos estaríamos todos, eu, o Manguaça, o Honório e os dois dedos que já pulsavam, adentrando na querida cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, amplamente iluminada, pelo menos nas principais vias.