terça-feira, 1 de julho de 2008

O DEPUTADO ESTADUAL

A sala de espera daquele escritório no centro do Rio não tinha nada demais. O prédio era dos mais antigos, o lugar era apertado e não existia ali qualquer tipo de preocupação com decoração, bom gosto ou arrumação. Até porque não era o gabinete do deputado. Era somente uma sala que ele mantinha ali perto, para resolver assuntos particulares.

Sentado no sofá ao lado havia um sujeito de terno, cabeça branca, que logo puxou conversa sobre o assunto que nos levara até ali. Se identificou como advogado de um movimento de oposição no Vasco, que nunca gozou de muita reputação entre os sócios. Dizia-se indignado com o que tinha ocorrido e deveria estar mesmo, porque eu também estava, mas a conversa não durou muito. O deputado chegou logo.

De terno, Roberto Dinamite apareceu sozinho. Apertou a mão do advogado, a minha, sorrindo sempre, me pediu licença e sumiu no corredor. Uns três minutos depois, a secretária me disse pra entrar. O advogado, que já estava lá quando eu cheguei, ficou lá sentado.

A sala do Roberto era mais apertada ainda, uma mesa de madeira, daquelas bem pesadonas, envolta por estantes cheias de livros, revistas e afins. O espaço entre as laterais da mesa e as estantes, igual dos dois lados, não deveria ter mais de um metro. Na frente dele, uma bandeirinha do Vasco e outros pequenos apetrechos relacionados ao clube lembravam o passado de ídolo. E havia também, se me lembro bem, um pôster relativamente grande, do cara em campo, com a camisa 10.

A entrevista girou em torno, basicamente, de sua expulsão da tribuna de honra de São Januário durante um Vasco e Ponte Preta, ordenada pelo então presidente do clube, Eurico Miranda. Me contive até o fim, mas depois da última pergunta acabei cedendo à tietagem. Lembrei de um jogo que ele não lembrou. Também pudera. O cara é o maior goleador da história do campeonato brasileiro, foi campeão e artilheiro em cima do Cruzeiro de Piazza e Dirceu Lopes, do Inter de Falcão e Manga e do Santos, de Pelé. Seria difícil mesmo que ele se lembrasse de um Vasco e Coritiba pra cumprir tabela, no Maracanã, em 1987.

Não tinha nem cinco mil pessoas no estádio e o Vasco fez 1 a 0, com Romário. Mas o Coritiba virou no segundo tempo e a torcida começou a encher o saco, primeiro do Romário, que foi substituído; depois, do Roberto.

Ao ritmo de Roberto, Corta Essa – música que o Jorge Ben fez quando ele resolveu voltar do Barcelona pro Vasco, depois de quase acertar com o Flamengo –, uma facção de torcida organizada começou a ironizar a idade já um tanto avançada de nosso ídolo. Ficou nisso até os 41 do segundo tempo, quando ele pegou uma sobra dentro da área, mais ou menos da marca do pênalti, e tocou de chapa no canto, entre uns dezoito defensores do Coritiba. Aos 45, Paulo Roberto deu um cruzamento da direita meio balão, no segundo pau. O goleiro foi nela sem muita chance de pegar, mas certo de que a bola sairia por trás dele. De fato, ele pulou e não achou nada, mas Roberto resolveu conferir. Chegou a tempo de deixar a chuteira direita pra bola quicar nela em vez do gramado, e tava quase na linha de fundo, do lado da trave. A bola tocou no lado externo do pé do Roberto e balançou o meio da rede, no alto.

Hoje Roberto já acumula uma experiência de 15 anos como político, primeiro como vereador e logo depois como deputado estadual, cargo para o qual já foi reeleito três vezes. Está, portanto, perfeitamente enfronhado na política estadual do Rio de Janeiro. Na madrugada de sábado, foi eleito presidente do Vasco, com o apoio tanto do mesmo movimento inexpressivo do advogado à espera quanto do governador do estado. Não se lembra da virada sensacional em cima do Coritiba, mas certamente guarda bem na memória o gol do lençol e as taças, como as de 77, com a Barreira do Diabo, e de 87, quando participou do gol de título mais bonito da história dos cariocas, ao entregar a bola para Tita marcar. E é lógico que nunca vai esquecer que, no último campeonato de sua carreira, foi campeão invicto e levantou a taça em casa, em São Januário, ele que, além de ser o maior artilheiro da história do estádio, é também o maior goleador do campeonato carioca, ainda.

Se a maneira como Roberto foi alçado à Presidência do Vasco não combinou muito com esse negócio de ética e respeito ao clube, pelo menos sua eleição realçou o pioneirismo da Cruz de Malta. Primeiro clube a aceitar negros, pobres e mulatos no time; primeiro a ter um estádio decente; dono do primeiro título do futebol brasileiro no exterior; primeiro a levantar a Copa do Mundo, através do capitão que virou estátua; primeiro campeão carioca do Maracanã; e a primeira camisa de Pelé no Maior do Mundo, o Vasco é agora, também, o primeiro clube brasileiro a ser presidido por um ídolo.

Nesse momento, o Roberto presidente é uma incógnita, mas pelo menos é uma incógnita histórica.

Abaixo, a entrevista.

Revista Istoé Gente, edição 131, de 4 de fevereiro de 2002

"Não é uma coisa que eu diga 'tenho que ser presidente do Vasco' e vá às últimas conseqüências."(Foto: Leandro Pimentel)

Na tarde do domingo, 20, o deputado estadual pelo PMDB, Carlos Roberto de Oliveira, 47anos, assistia ao jogo do Vasco contra a Ponte Preta, no Rio de Janeiro, pela abertura do torneio Rio-São Paulo. Convidado pelo presidente de honra do Vasco, Antônio Soares Calçada, o deputado levou o filho Rodrigo, 9 anos, para sentar-se na tribuna de honra do estádio de São Januário. No intervalo do jogo, pai e filho tiveram de deixar a tribuna. Tinham sido expulsos a mando do presidente do Vasco, o deputado federal Eurico Miranda, que ignorara o convite de Calçada e alegara que os dois precisavam de credenciais para estar lá.
O episódio seria apenas mais um gesto autoritário do polêmico cartola vascaíno se o deputado estadual expulso não fosse Roberto Dinamite, principal ídolo e maior artilheiro da história do Vasco da Gama, com mais de 750 gols marcados nos 20 anos em que defendeu a camisa 10 do clube. Antigo aliado de Eurico, em quem votou para presidente do Vasco, em 2000, o ex-craque não tem dúvidas de que desagradou o cartola ao criticar a decisão de aposentar a camisa 11 do Vasco, em homenagem a Romário, anunciada por Eurico três dias antes da expulsão da tribuna de honra. Roberto disse que não tinha dinheiro pra dar ao clube, numa alusão à declaração de Eurico, que justificou o gesto com o argumento de que Romário ajudava o Vasco dentro e fora de campo. O pai de Luciana, 27, Tatiana, 23, Roberta, 12, e Rodrigo pensa em se candidatar à presidência do clube e sabe quem será seu principal adversário. “A eleição é só em 2003, mas o Eurico está criando uma situação ruim pra ele .”

Você esperava ser expulso da tribuna do Vasco algum dia?
Não. Estava chegando no Vasco e ia para o lugar onde eu sempre fico, um pouco atrás da tribuna. Aí o seu Calçada me chamou. Pra mim é indiferente, mas, até por uma questão de educação, aceitei o convite. Quando sentei, o Calçada falou que uma funcionária ficou surpresa com o convite que ele tinha me feito, que tinha uma ordem pra eu não ficar ali. Quer dizer, já existia uma ordem.

Porque ninguém no estádio impediu essa expulsão?
Quase ninguém percebeu. Estava no bar, numa área reservada da tribuna, quando fui informado que tinha de sair. Se eu fosse um cara meio sacana, que quisesse aparecer, poderia chutar o balde e gritar para a torcida que o presidente do Vasco estava me expulsando. Todo mundo iria ficar sabendo e ia criar uma confusão. Poderia ter uma reação. Também podia dizer que não iria sair, mas não é o meu perfil.

Como seu filho reagiu?
Pensei que ele não tivesse percebido, mas depois ele falou pra mãe (Liliane, 36, mulher de Roberto): “Pô, mãe, eu e meu pai pagamos o maior mico. Fomos sentar lá na tribuna e o cara mandou a gente sair”. Foi isso que me deixou mais mexido em toda essa história. Meu filho se chama Rodrigo Dinamite, tá registrado esse nome. E, pode acontecer ou não, mas ele tem o sonho de virar jogador do Vasco. Ele sempre fala comigo, até me sacaneando: “Pai, você fez só 750 gols? Vou fazer muito mais”. Ele joga bola no colégio e leva todo o jeito. Pode até ser coisa de pai coruja, mas ele é observador. Vê jogos na televisão e pega muitas coisas dos caras fazendo gol, o jeito e tal. Pegou muita coisa do Edmundo, e até do Romário.

Acha que foi expulso por causa das críticas ao fim da camisa 11 do Vasco?
Acho que sim. A história da camisa me magoou, mas entendi que foi uma posição puramente pessoal do Eurico, que hoje é presidente do Vasco. Aí mora o problema da coisa. Existem momentos em que o presidente do clube tem de fazer o melhor para o clube e não o que ele, Eurico, acha que é o melhor, e de repente não é. Ele pode até achar que o Roberto não representa tanto para o clube quanto o Romário, é um direito dele. Mas é uma pessoa que está falando isso, e ele não pode falar pelo clube.

Quem é mais importante para o Vasco? Roberto ou Romário?
Nem questiono isso porque coloco o Vasco em primeiro lugar. Até reconheço que hoje a fase é do Romário. A história do futebol é essa. Tive o meu período, assim como o Ademir (Ademir de Menezes, artilheiro da Copa do Mundo de 1950 e ídolo do Vasco nos anos 40 e 50) teve o dele e outros ídolos também. Só questiono a parte administrativa, de como um clube chega numa situação em que, segundo os jornais, tem uma dívida de R$ 9 milhões com o Romário.

O que achou da CPI do Futebol no Senado e das acusações de que Eurico Miranda teria desviado dinheiro do Vasco?
Existiu a CPI e é lógico que as denúncias têm de ser investigadas, e o Eurico também tem o direito de se defender. Mas ele devia ser transparente na hora de falar dos problemas do Vasco, de quanto o clube deve e a quem, já que ele se mostra tão transparente, direto e objetivo quando coloca a opinião dele. Ninguém sabe qual a real situação do Vasco hoje.

No ano passado, você chegou a apoiar Eurico Miranda durante as investigações da CPI do Senado. Por quê?
Sempre disse que ele tem o direito de se defender, mas não sou contra a CPI. Participei de uma manifestação junto com ele contra a entrada da Polícia Federal em São Januário, da forma violenta que foi, invadindo o clube pra pegar documentação. Logo em seguida teve um manifesto que reuniu os atletas, as crianças que fazem esporte no Vasco. Disse na época que a imprensa também deveria dar destaque ao trabalho que o clube fazia.

Pensa em presidir o Vasco?
Penso. É um sonho, uma vontade. Agora isso pode acontecer no ano que vem, mais tarde, ou pode não acontecer. Não é uma coisa que eu diga “tenho que ser presidente do Vasco” e vá às últimas conseqüências. O Vasco pra mim está acima. Hoje não estou de lado nenhum. Não é em cima do muro, estou acima dessa coisa toda. Não quero mais polêmica com meu nome.

Mas você está magoado com o Eurico?
Claro que eu estou magoado com o Eurico, sem sombra de dúvida.

Nesse caso, aceitaria entrar numa disputa eleitoral contra o atual presidente do Vasco?
A eleição do Vasco é em 2003, e clube é resultado. Hoje já tem um apelo maior por mudanças, mas só vou pensar nisso seriamente a partir do ano que vem. Até porque agora as pessoas estão levando muito para o lado emocional. Dependendo das pessoas que estiverem na oposição, se for uma maioria com peso político dentro do clube, e se essa maioria puser a cara pra fora e participar do processo, aí eu aceito.

Aceitaria um pedido de desculpas do Eurico Miranda?
Isso nunca vai acontecer. O Eurico hoje está num processo em que ele acha que é o dono do mundo. É lamentável. Fui ídolo do Vasco durante 20 anos e não tem uma pessoa no clube, do porteiro ao presidente, que diga que o Roberto não o cumprimentou, não o tratou bem. Essa é a minha formação. Não foi um ano ou dois, foi uma vida ali dentro. Acho que o Eurico deveria respeitar a minha história no Vasco.


Acredita que o caminho para a mudança do futebol no Brasil passa pelos ex-jogadores, como você, Sócrates, Zico ou Reinaldo?
Não descarto essa possibilidade. Seria importante ter os atletas mais presentes, mas só isso não basta. Tudo é política. Essa estrutura do futebol está aí há muito tempo. Você pode mudar os homens e depois discutir como muda o futebol. Mas primeiro é preciso buscar espaço dentro das federações estaduais. É preciso construir uma base política, porque uma proposta radical, para mudar tudo, vai sempre encontrar muitas dificuldades.

Você será candidato à reeleição como deputado estadual?
Sou candidato. E já estão dizendo que o Romário ingressou no PPB (partido de Eurico Miranda). Cada hora aparece uma coisa nova.

Acha que o Eurico pode lançar o Romário candidato para tirar votos seus?
O Romário já deu entrevista dizendo que não é candidato, mas pode até ser. Espero qualquer coisa.