
Vinha acompanhado de duas amigas e deixou a mochila no espaço vazio do carona, com o bolso da frente, estufado pela máquina digital, virado para o painel do fusca. O taxista foi muito simpático, conversou, deu dicas sobre a cidade e até gorjeta ganhou, antes que o alquimista de origem germânica descobrisse, já no quarto do hotel, que não era mais sua máquina digital, ultra-moderna, que estufava o bolso da frente da mochila, ainda devidamente fechado, como no início da viagem. No lugar da máquina, caríssima na época, três pedras, de tamanho e forma variados, cumpriam a função de evitar suspeitas. Um prodígio, de fato, prova cabal do que um mexicano da capital é capaz de fazer quando desafiado pelo destino.
E era nessa Cidade do México, onde a cada três estações um cego adentrava no vagão do metrô, às vezes munido de uma sanfona, que Paulo Ricardo tentava reconquistar o sucesso, que veio enorme, gigantesco, logo no início da carreira, quando a banda de rock liderada por ele arrebanhava multidões a ginásios e estádios, e vendia milhões, eu disse milhões, de discos. No México não havia mais rock, nem banda. Paulo Ricardo virara cantor romântico e almejava seguir a trilha do Rei. Disputaria o mercado com ícones do pop romântico, entre eles um porto-riquenho, outro espanhol e outra, linda, espetacular, hispano-americana. Seria preciso muito trabalho, e Paulo Ricardo não fugiu à luta.
Passou dez dias na Cidade do México, onde o centro histórico tem muitas ruas parecidas com aquelas que, no Rio, são exclusivas para pedestres. A diferença é que, no México, as tais ruas, além de infestadas por camelôs de todo o tipo – dos donos de barracas aos que vendiam seus produtos no chão mesmo, em cima de um saco qualquer –, permitiam o tráfego de veículos, caminhões inclusive. Tudo isso ao lado de uma ruína asteca de mil trezentos e alguma coisa.

Depois foi para Miami, para sentir aquele bafo quente muito parecido com o do verão carioca logo na saída do aeroporto, antes de entrar na limusine branca que o aguardava do lado de fora. Durante dois dias, circulou pela cidade em grande estilo, percorreu estações de rádio, sedes de gravadoras e programas de televisão, e voltou ao Brasil para esperar o sucesso, de novo, como há treze, catorze anos. Mas o sucesso não veio, pelo menos o esperado, porque dois anos depois Paulo Ricardo não era mais cantor romântico. Remontara a banda antiga, com o mesmo nome, e caíra na estrada novamente.
Revista Istoé Gente, edição número 4, de 30 de agosto de 1999
"Acho que posso ocupar o espaço criado pelo Roberto"
Na manhã do dia 19 de agosto, o radialista cubano Javier Romero, 34 anos, radicado em Miami, gastou 35 minutos de seu programa diário de quatro horas de duração para entrevistar o cantor brasileiro Paulo Ricardo Medeiros. O programa, na Rádio Amor, é o mais ouvido pela comunidade latina da cidade e a entrevista, ao vivo, faz parte da estratégia internacional do ex-roqueiro para se firmar como cantor romântico. A idéia é incluir o Brasil como país de exportação dos artistas que têm faturado alto com o recente boom latino no continente, principalmente nos Estados Unidos. Paulo Ricardo quer dividir os refletores com o porto-riquenho Ricky Martin, a hispano-americana Jennifer Lopez e o espanhol Enrique Iglesias.

Só no dia 17, Dos foi tocada 40 vezes em 17 rádios de Miami, Porto Rico, Nova Orleans e Atlanta, entre outras cidades. Somou uma audiência de 2.411.000 pessoas, número superior aos 2,2 milhões alcançados por Bailamos, de Enrique Iglesias, da mesma gravadora, no mesmo dia.
No México, o cantor brasileiro é prioridade da Universal. "Queremos começar vendendo 100 mil discos até o fim do ano", diz Marco Bissi, presidente da filial mexicana da gravadora. "Dinheiro não vai faltar para promovê-lo", garante. Para divulgar o disco, Paulo Ricardo ficou dez dias no país, entre 8 e 18 de agosto, cumprindo uma agenda com aparições em programas de rádio e televisão. Além de trabalhar quase 12 horas por dia, o cantor ainda fez um show no Hard Rock Café da Cidade do México, para cerca de 400 convidados.
A estratégia da gravadora é aproveitar o mercado aberto por Roberto Carlos, até hoje um sucesso com as versões em espanhol de suas músicas. "Acho que posso ocupar o espaço criado pelo Roberto", diz Paulo Ricardo. Nas entrevistas em solo mexicano e em Miami, por onde passou nos dias 18 e 19, o rei sempre foi lembrado. "Roberto Carlos é o grande nome da música brasileira", não se cansou de dizer aos jornalistas.
Além de exaltar os românticos, Paulo Ricardo despreza o passado de roqueiro no RPM, banda que vendeu mais de 5 milhões de cópias na década de 80. "Sempre fui romântico, desde a época do RPM", diz. A certeza do que queria só veio com o sucesso da balada A Cruz e a Espada, em seu terceiro disco solo, Rock Popular Nacional, em 1996. A música, que já tinha feito parte do repertório do RPM, estourou na voz de Paulo Ricardo e Renato Russo.
Para enfrentar a forte concorrência, Paulo Ricardo fez mini-shows ao vivo em todas as entrevistas que concedeu. Acompanhado dos guitarristas Felipe Eyer, 32, e Paulo Galvão, 31, o cantor chegou até a improvisar um versão ao vivo de Dos dentro da limusine alugada pela gravadora, durante uma entrevista pelo telefone celular. Tudo pelo sucesso.