segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O SUCESSO

A Cidade do México tinha um quê de nostálgica com seus fuscas verde-e-branco, táxis sem o banco do carona e com a cordinha pra fechar a porta, que remetiam aos anos setenta, no máximo oitenta, na muy amada cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. No México, o espaço vazio, sem o banco do carona, era ótimo para colocar a bagagem dos turistas, geralmente mochilas enormes, e foi numa dessas que o alquimista de origem germânica pode constatar, in loco, todo o talento, a categoria e a manemolência do povo asteca.

Vinha acompanhado de duas amigas e deixou a mochila no espaço vazio do carona, com o bolso da frente, estufado pela máquina digital, virado para o painel do fusca. O taxista foi muito simpático, conversou, deu dicas sobre a cidade e até gorjeta ganhou, antes que o alquimista de origem germânica descobrisse, já no quarto do hotel, que não era mais sua máquina digital, ultra-moderna, que estufava o bolso da frente da mochila, ainda devidamente fechado, como no início da viagem. No lugar da máquina, caríssima na época, três pedras, de tamanho e forma variados, cumpriam a função de evitar suspeitas. Um prodígio, de fato, prova cabal do que um mexicano da capital é capaz de fazer quando desafiado pelo destino.

E era nessa Cidade do México, onde a cada três estações um cego adentrava no vagão do metrô, às vezes munido de uma sanfona, que Paulo Ricardo tentava reconquistar o sucesso, que veio enorme, gigantesco, logo no início da carreira, quando a banda de rock liderada por ele arrebanhava multidões a ginásios e estádios, e vendia milhões, eu disse milhões, de discos. No México não havia mais rock, nem banda. Paulo Ricardo virara cantor romântico e almejava seguir a trilha do Rei. Disputaria o mercado com ícones do pop romântico, entre eles um porto-riquenho, outro espanhol e outra, linda, espetacular, hispano-americana. Seria preciso muito trabalho, e Paulo Ricardo não fugiu à luta.

Passou dez dias na Cidade do México, onde o centro histórico tem muitas ruas parecidas com aquelas que, no Rio, são exclusivas para pedestres. A diferença é que, no México, as tais ruas, além de infestadas por camelôs de todo o tipo – dos donos de barracas aos que vendiam seus produtos no chão mesmo, em cima de um saco qualquer –, permitiam o tráfego de veículos, caminhões inclusive. Tudo isso ao lado de uma ruína asteca de mil trezentos e alguma coisa.

Paulo Ricardo percorreu estações de rádio, sedes de gravadores e participou de programas de televisão. Fez também um show para 400 convidados, quase todos executivos do meio musical, ocasião em que, antes do espetáculo, foi entrevistado por duas repórteres da TV mexicana que... Meu Deus do Céu. Repito... Meu Deus do Céu... Cumpriu à risca toda a agenda, com profissionalismo exemplar, e não reclamou de nada, muito menos da altitude da megalópole, ridícula, se comparada a La Paz.

Depois foi para Miami, para sentir aquele bafo quente muito parecido com o do verão carioca logo na saída do aeroporto, antes de entrar na limusine branca que o aguardava do lado de fora. Durante dois dias, circulou pela cidade em grande estilo, percorreu estações de rádio, sedes de gravadoras e programas de televisão, e voltou ao Brasil para esperar o sucesso, de novo, como há treze, catorze anos. Mas o sucesso não veio, pelo menos o esperado, porque dois anos depois Paulo Ricardo não era mais cantor romântico. Remontara a banda antiga, com o mesmo nome, e caíra na estrada novamente.

Revista Istoé Gente, edição número 4, de 30 de agosto de 1999

"Acho que posso ocupar o espaço criado pelo Roberto"

Na manhã do dia 19 de agosto, o radialista cubano Javier Romero, 34 anos, radicado em Miami, gastou 35 minutos de seu programa diário de quatro horas de duração para entrevistar o cantor brasileiro Paulo Ricardo Medeiros. O programa, na Rádio Amor, é o mais ouvido pela comunidade latina da cidade e a entrevista, ao vivo, faz parte da estratégia internacional do ex-roqueiro para se firmar como cantor romântico. A idéia é incluir o Brasil como país de exportação dos artistas que têm faturado alto com o recente boom latino no continente, principalmente nos Estados Unidos. Paulo Ricardo quer dividir os refletores com o porto-riquenho Ricky Martin, a hispano-americana Jennifer Lopez e o espanhol Enrique Iglesias.
Lançada no México há dois meses, a música Dos, do disco em espanhol de Paulo, La Cruz y la Espada, já ocupa o primeiro lugar entre as mais tocadas nas rádios de Monterrey, terceira maior cidade do país. Em Guadalajara, Paulo está em quinto. Só perde para Enrique Iglesias e os mexicanos Luís Miguel, Alejandro Fernandez e Moenia. Na Cidade do México, Dos está entre as dez mais tocadas. Em Miami, a situação não é diferente. Na Rádio Amor, que mantém uma audiência diária de 500 mil ouvintes, Dos está em quinto, atrás de canções de Ricky Martin, Jennifer Lopez, do grupo mexicano Mana e de Christian Castro. "Estão pedindo a música do Paulo mesmo sem conhecer seu rosto", conta Javier Romero. "Isso é um ótimo sinal".
Só no dia 17, Dos foi tocada 40 vezes em 17 rádios de Miami, Porto Rico, Nova Orleans e Atlanta, entre outras cidades. Somou uma audiência de 2.411.000 pessoas, número superior aos 2,2 milhões alcançados por Bailamos, de Enrique Iglesias, da mesma gravadora, no mesmo dia.
No México, o cantor brasileiro é prioridade da Universal. "Queremos começar vendendo 100 mil discos até o fim do ano", diz Marco Bissi, presidente da filial mexicana da gravadora. "Dinheiro não vai faltar para promovê-lo", garante. Para divulgar o disco, Paulo Ricardo ficou dez dias no país, entre 8 e 18 de agosto, cumprindo uma agenda com aparições em programas de rádio e televisão. Além de trabalhar quase 12 horas por dia, o cantor ainda fez um show no Hard Rock Café da Cidade do México, para cerca de 400 convidados.
A estratégia da gravadora é aproveitar o mercado aberto por Roberto Carlos, até hoje um sucesso com as versões em espanhol de suas músicas. "Acho que posso ocupar o espaço criado pelo Roberto", diz Paulo Ricardo. Nas entrevistas em solo mexicano e em Miami, por onde passou nos dias 18 e 19, o rei sempre foi lembrado. "Roberto Carlos é o grande nome da música brasileira", não se cansou de dizer aos jornalistas.
Além de exaltar os românticos, Paulo Ricardo despreza o passado de roqueiro no RPM, banda que vendeu mais de 5 milhões de cópias na década de 80. "Sempre fui romântico, desde a época do RPM", diz. A certeza do que queria só veio com o sucesso da balada A Cruz e a Espada, em seu terceiro disco solo, Rock Popular Nacional, em 1996. A música, que já tinha feito parte do repertório do RPM, estourou na voz de Paulo Ricardo e Renato Russo.
Depois de estudar a fundo Francisco Alves e Lupicínio Rodrigues - "não conhecia nada antes de Roberto Carlos"-, o cantor gravou mais dois discos, O Amor Me Escolheu e Amor de Verdade. Este último já vendeu 500 mil cópias no Brasil. A vida pessoal do cantor também mudou. Atualmente solteiro, o pai de Paola, 10 anos - filha de seu casamento com a produtora de vídeo Moira Lynch, 33 -, garante que as drogas, o fumo e o álcool fazem parte do passado. Sempre acompanhado do personal trainer André Andrade, Paulo Ricardo mantém uma dieta rigorosa e faz ginástica sempre que sua agenda permite. Tudo para manter os atuais 77 kg distribuídos em 1,81m de altura. O esforço é tanto que o cantor prefere não revelar seus 36 anos de idade nas entrevistas. Nas perguntas sobre sua intimidade, ele se esquiva com um velho chavão: "Minha vida é a música".
Para enfrentar a forte concorrência, Paulo Ricardo fez mini-shows ao vivo em todas as entrevistas que concedeu. Acompanhado dos guitarristas Felipe Eyer, 32, e Paulo Galvão, 31, o cantor chegou até a improvisar um versão ao vivo de Dos dentro da limusine alugada pela gravadora, durante uma entrevista pelo telefone celular. Tudo pelo sucesso.