sábado, 3 de dezembro de 2011

CASAL TELEJORNAL



Num dia primeiro de dezembro, a Rede Globo anunciou com pompa e circunstância: Fátima Bernardes deixaria a bancada do Jornal Nacional, que apresentava ao lado do marido, William Bonner, há sei lá quantos anos. O anúncio teve entrevista coletiva e edição especial do JN, com a carreira de Fátima sendo revista diante de milhões de brasileiros e brasileiras, um pouquinho antes da novela das oito. A repercussão foi enorme. Das revistas semanais ditas sérias às de celebridade, dos jornais diários à internet, a notícia foi replicada milhares de vezes. Todo mundo ficou sabendo, pelo menos em território nacional.

A entrevista com a Fátima foi feita por telefone, com a conversa sendo devidamente gravada. O Brasil acabava de ser penta no Japão e ela, depois de virar musa da cobertura da Copa, voltava com fama de pé-quente, o que não deixa de ser natural. Afinal de contas, Fátima é Vascão.

Com William Bonner foi ainda mais fácil. A matéria era a capa da edição de fim de ano e ele era o grande homenageado. Nas outras duas revistas do grupo, os homenageados eram Lula e Fernando Henrique Cardoso, e haveria uma festa em São Paulo onde os dois presidentes, o de fato e o eleito, estariam presentes. Os dois e William Bonner, os três sendo homenageados no mesmo nível. A matéria foi tratada com ele pelo diretor da revista, o big boss, e como o Bonner gostou da ideia e resolveu ajudar, foi só chegar e entrevistar.

Revista Istoé Gente, edição 155, de 22 de julho de 2002

“Em casos como o meu, a dilatação do útero dá um sinal para o organismo de que está na hora de nascer bem antes dos nove meses. Então tinha que ficar deitada, tomando remédio para não ter contração. Fiquei parada dois meses e meio, até meus filhos nascerem, com sete meses e meio de gestação”.

Dias atrás, a jornalista Fátima Bernardes, 39 anos, almoçava com o marido William Bonner, seu colega de bancada no Jornal Nacional, num restaurante do Rio de Janeiro. A todo momento a conversa do casal era interrompida por crianças que saíam e voltavam de uma festa infantil ao lado apenas para gritar o nome de Fátima. A história ilustra a que ponto chegou a popularidade da apresentadora do telejornal de maior audiência no País, depois dos 42 dias de cobertura da campanha vitoriosa da Seleção Brasileira na Copa do Mundo.
Eleita musa da Seleção pelos jogadores, a carioca que aos 10 anos sonhava em ser bailarina ao mesmo tempo em que já brincava de jornalista com uma máquina de escrever, hoje é uma celebridade. É parada nas ruas e recebe centenas de e-mails e telefonemas de telespectadores opinando sobre o seu corte de cabelo ou as roupas que veste. Prestes a completar 15 anos de Rede Globo e há 12 casada com Bonner, a jornalista que comandou no JN, ao lado do marido, a rodada de entrevistas dos quatro candidatos a presidente jura que não se incomoda com o assédio dos fãs. Ela só não abre mão do tempo para ficar com os trigêmeos Beatriz, Laura e Vinícius, de 4 anos.

Como foi entrevistar os presidenciáveis no Jornal Nacional?
Como estivemos tão presentes na Copa e em todos os momentos importantes do País, queríamos também estar presentes nessa eleição. A gente tem de mostrar ao público que esse é o assunto do momento. As pessoas têm de entrar nessa discussão, se informar e saber em quem votar. É ótimo estar no Jornal Nacional quando ele está atendendo a isso. Temos noção de que a tevê é a fonte de informação e diversão da grande maioria da população. Não temos a pretensão de fazer entrevistas definitivas, mas ficamos felizes em colaborar.

Dedicar o mesmo tempo aos quatro candidatos principais e mostrar imparcialidade é uma forma de o JN se recuperar depois da acusação de favorecer Fernando Collor nas eleições de 1989?
Não discuto o passado, quando eu nem estava no Jornal. Quero discutir agora. Todos estão dando espaço para as eleições e não poderia ser diferente com a gente. Estamos cientes e tranqüilos de que estamos cumprindo o nosso papel da forma mais isenta e séria possível.

Já tem candidato a presidente?
Não dizia nem se achava que o Romário tinha que ser convocado para a Copa. Jamais falaria em quem vou votar ou qual candidato acho que tem mais chances de ganhar. Formador de opinião não deve fazer isso.

Como você e William Bonner fazem para separar trabalho e vida pessoal no dia-a-dia?
Não temos tempo para discutir assuntos pessoais no Jornal. Em casa, a ordem antes era para não falar de trabalho, mas vimos que não funciona porque, como não temos tempo de discutir no Jornal, ficaríamos sem comentar assuntos importantes. O normal é conversarmos no carro até chegar em casa, quando entramos no domínio das crianças. Mas não somos tão rígidos nisso.

E depois do “boa noite” no JN, o que vocês conversam?
Ali é sempre uma coisa qualquer sobre o Jornal, é rápido.

São viciados em jornalismo?
Essa profissão não tem jeito. No domingo que antecedeu a semana das entrevistas com os presidenciáveis nos preparamos juntos, em casa, vendo nosso material de pesquisa. Nós dois não abrimos mão de ler sempre os jornais e revistas, e de entrar na internet para ler notícias sempre que temos uma folga.

O rótulo de Casal 20 a incomoda?
É inevitável que falem isso, mas pra gente é fundamental ter a noção de que cada um tem sua história. Trabalhamos no Jornal da Globo de 1989 a 1992, depois o William foi editar o Jornal Hoje e eu fui para o Fantástico. Nos reencontramos no JN, mas cada um cuida do seu.

O que fazem para relaxar?
O William gosta de correr. Eu faço ginástica três vezes por semana e gosto de ler antes de dormir. Adoramos ver filmes no vídeo ou no DVD e somos muito caseiros.

Foi difícil suportar a saudade da família durante a Copa?
Chorava praticamente todo dia depois de conversar com as crianças por telefone. O pior é que, por mais franca que você seja, elas não têm noção de espaço e tempo. Aí ficava arrasada porque não conseguia fazer com que as crianças entendessem o quanto eu ia demorar para voltar.

E como as crianças agüentaram tanto tempo sem a mãe?
O William fez um calendário de 40 a 0. Cada criança tinha um adesivo de uma cor e cada dia um colava no calendário. O William também comprou um globo terrestre para mostrar onde eu estava. Eles foram vivendo esses 40 dias em torno disso.

William deu conta da rotina da casa durante a Copa?
Deixei um manual com todos os horários dos filhos, da natação de um, da fonoaudióloga da outra, dos deveres de casa que eles trazem na sexta-feira e devem ser feitos no domingo, porque na segunda fica apertado, tudo. Ele seguiu bem, depois engrenou e fez no ritmo dele, e as crianças estavam ótimas quando voltei.

Em dias normais ele ajuda?
Quando os bebês eram pequenos ele ajudou muito, desde trocar fralda a dar mamadeira durante a noite. Mas depois que ele assumiu a chefia do JN não posso cobrar isso, porque a carga de trabalho dele é enorme.

Assustou-se ao saber que teria trigêmeos?
Estávamos preparados para ter até quatro. Na primeira vez colocamos três embriões e nenhum vingou. Botamos quatro na segunda para aumentar as chances. (O casal fez um tratamento de fertilização em 1997). Seis semanas depois, numa ultra-sonografia, o médico perguntou se estávamos preparados para uma emoção mais forte. Percebemos que seriam gêmeos, mas o médico disse: “Acho que vem mais emoção”. Aí gritei: “São três, William!”. E o William ainda falou para o médico: “Procura o quarto aí, que tem mais um”. Mas ele confirmou que eram três. Digo às crianças que pedi a Deus para ter três filhos e elas me dizem que papai do céu deve gostar muito de mim, porque me deu os três de uma vez só.

Qual foi o momento mais difícil da gravidez?
Quando tive de parar de trabalhar, com cinco meses e meio. Me sentia ótima, mas recebi cartão vermelho da médica. Em casos como o meu, a dilatação do útero dá um sinal para o organismo de que está na hora de nascer bem antes dos nove meses. Então tinha que ficar deitada, tomando remédio para não ter contração. Fiquei parada dois meses e meio, até meus filhos nascerem, com sete meses e meio de gestação.

Quanto engordou?
Engordei 14 quilos. Usava uma cinta especial, com material usado na recuperação de queimados, para diminuir o peso, e fiquei bem. Vomitei só no início e enjoei de doce e café.

Como se convenceu a parar de trabalhar?
Visitei uma UTI neonatal e saí de lá sem conseguir andar direito. Levei um susto ao ver recém-nascidos com 800 gramas de peso. Ali, vi como estava botando em risco minha gravidez mantendo uma atividade normal. Você vê sempre bebês rosadinhos e gordinhos nas revistas e quando ele nasce prematuro não é assim. Nasce com risco de vida, parece que não está formado mesmo.

Quanto tempo seus filhos ficaram na UTI?
Laura e Vinícius ficaram 23 dias e a Beatriz, 25. Mas não houve riscos. Foi só para ganhar peso. Lembro que vi um bebê de 3 kg enquanto estava lá e achei que fosse uma criança que já tinha nascido há um tempo. Era tanta diferença para meus filhos de 1,3 kg que não acreditei que um bebê pudesse nascer daquele tamanho.

O que mudou com a maternidade?
Nunca tinha pensado em morte. Agora sei que posso morrer, e que tenho que ficar viva para criar meus filhos. No resto nada mudou. Nem minha relação com o trabalho, nem com o William, nem com a vida. Pelo contrário, tudo ficou mais colorido.

Mudou a casa para recebê-los?
Trocamos logo o fogão de quatro bocas por um de seis, mudamos a geladeira para uma dúplex e compramos mais uma. Também compramos uma secadora de roupa.

Ter se tornado uma celebridade a incomoda?
Entendo bem isso, por mais que eu saiba que não sou artista. Tudo bem que as pessoas que me vêem na casa delas achem que eu sou, desde que prestem atenção no que eu digo. Óbvio que tenho limitações quando estou na rua com as crianças, mas não me incomodo de dar autógrafos de vez em quando.

Já gostava de futebol antes da Copa do Mundo?
Com 10 anos ouvia jogos no rádio e depois as resenhas da noite. Meu pai (o militar Amâncio Bernardes) sempre me incentivou a gostar de esportes, e minha primeira matéria na carreira, no jornal de bairros de O Globo, foi sobre um jogo de futebol de salão, em 1983. Sou vascaína, mas infelizmente não dá para ir aos jogos.

É verdade que você tem fama de pé-quente?
Nas Olimpíadas de 1992, coincidiu de eu trabalhar em três medalhas do Brasil. Fui à Copa de 1994 e fomos tetra. Fui em 1996 e o Brasil conseguiu o maior número de medalhas em Olimpíadas. Na Copa de 1998 e nos Jogos de 2000, quando o Brasil não conseguiu ouro, não fui por causa dos filhos. Fui de novo à Copa e fomos penta. Mesmo que eu não queira, o povo acha que eu sou pé-quente.

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Revista Istoé Gente, edição 176, de 16 de dezembro de 2002

“Quando vi meu espermograma com o índice de 200 mil cheguei a comemorar, dizendo que tinha um Maracanã lotado. Até que o médico disse que o ideal seriam 60 milhões”

Ele foi o único jornalista a participar do debate que encerrou o segundo turno da disputa presidencial de 2002, transformou-se no principal nome da imprensa durante a campanha, quando entrevistou os quatro principais candidatos no Jornal Nacional, mas nunca deixará de dar valor a outra eleição, bem menos importante e ocorrida há 10 anos. Foi num longínquo plantão de madrugada com notícias sobre a corrida pelas prefeituras do País que William Bonner, 39 anos, começou a dar a volta por cima. Naquele tempo, o comportamento “arrombador de portas”, como ele mesmo define, tirou-o das principais coberturas da Globo.
Na época no Jornal da Globo, Bonner começou 1992 deixando de apresentar o Jornal Nacional aos sábados. Depois, não lembraram dele na hora da cobertura da
ECO 92, a conferência sobre meio-ambiente que reuniu os principais líderes mundiais no Rio. “Me achei bom demais naquele momento. Arrumava encrenca, discutia e meti os pés pelas mãos no relacionamento com colegas e com a chefia”, lembra o jornalista.
Com o bom trabalho no plantão das eleições municipais, Bonner reconquistou a confiança de seus superiores, mas guardou a lição. “Fiquei na geladeira um bom tempo para nunca mais esquecer”, afirma. Talvez seja este o motivo de o editor-chefe e apresentador do Jornal Nacional fazer questão de atribuir seu sucesso em 2002 ao trabalho coletivo da cobertura eleitoral. “Tenho isso na cabeça por justiça aos meus colegas e para que não me perca numa egotrip de achar que sou sensacional, porque não é fato.”
O jornalismo da Globo firmou ousadia, independência e equilíbrio na cobertura da eleição deste ano e Bonner, o rosto mais visível dessa orientação editorial, consolidou-se como um dos profissionais mais respeitados do País. Nada mal para quem começou a carreira, pelo menos a de apresentador, graças ao mais absoluto acaso. Em 1984, então estudante de Comunicação da Universidade de São Paulo (USP), ele pensava em se sustentar por meio da escrita - já tinha um emprego de redator publicitário - quando gravou a locução de um programa de rádio para o trabalho de um grupo de colegas. No dia da gravação, o diretor da Rádio USP FM passou pelo estúdio, gostou do que ouviu e convidou o aluno para apresentar um programa de rock.
No ano seguinte, o recém-formado aposentou a barba rala dos tempos de faculdade e aceitou o convite para trabalhar na Rede Bandeirantes. No começo, não aparecia na tela, apenas lia notícias no programa Oito e Meia. Em seguida, apresentou o Jornal de Amanhã. Com apenas um ano de formado, em 1986, chegou à Rede Globo, sepultando definitivamente os sonhos juvenis de se tornar engenheiro mecânico. “Queria construir carros, mas odiava cálculo. Ainda bem que a vida me corrigiu”, conta.
William, no entanto, mantém a antiga paixão. Não constrói, mas adora dar consultorias aos colegas que estão prestes a adquirir um automóvel e tem um prazer especial em comprar um carro. Em sua casa, são três: o dele, o da mulher, a também jornalista Fátima Bernardes, e o que o casal usa quando sai com os três filhos. Atualizado com os novos lançamentos e atento a cada detalhe, Bonner já chegou a fazer seis test-drives em um mês até escolher seu último carro. Quando o assunto é automóvel, só não consegue influenciar a própria mulher. “Ele sugere, dá palpite, mas para mim é tudo igual”, diz Fátima, revelando um dos poucos pontos que o casal não tem em comum.
A maneira de se vestir também chegou a ser uma diferença entre os dois, mas desapareceu ao longo dos 12 anos de união. “Era mais largado. Melhorei porque a Fátima é tão elegante que comecei a me sentir incomodado”, conta o jornalista. Hoje, ficaram no passado histórias como a vez em que William entrou numa farmácia de Ribeirão Preto (SP) vestindo bermuda surrada, camisa amarrotada, com barba por fazer e óculos para os seis graus de miopia. “Depois a Fátima foi à mesma farmácia e a vendedora disse que o marido dela tinha ido lá antes, disfarçado. E eu estava autêntico”, lembra Bonner, que no JN usa lentes de contato.
Na época, os dois estavam em Ribeirão Preto para o tratamento de fertilização in vitro que possibilitou ao casal ter os trigêmeos Laura, Beatriz e Vinícius, 5 anos, assunto que William trata com o mesmo espirito esportivo. “Quando vi meu espermograma com o índice de 200 mil cheguei a comemorar, dizendo que tinha um Maracanã lotado. Até que o médico disse que o ideal seriam 60 milhões”, conta.
O bom humor foi fundamental para superar um momento efetivamente duro: o jornalista sentiu-se culpado por só descobrir que o problema era com ele, após a mulher fazer dois exames. A necessidade de Fátima tomar hormônios no tratamento contribuiu para esse sentimento. “A gravidez foi de risco porque foi fertilização in vitro, e foi assim porque a produção do pai era baixa. Me senti culpado um tempo, mas acabou quando deu tudo certo, e a gente é muito feliz hoje”, diz.
E essa felicidade está longe de ser ameaçada. Nem mesmo o assédio, que ele garante não receber, representa um risco. “Não sou mais um homem desejável. Sou o cara do Jornal Nacional. Na melhor das hipóteses sou o marido da Fátima”, diz o homem que foi tímido até 1982, quando se rebelou contra a decisão de uma professora da faculdade. “Ela queria que comentássemos um trabalho de colegas. Fiz um discurso contra aquilo, ninguém entendeu, mas descobri que podia dizer o que pensava.”
Hoje o jornalista não se aborrece nem ao lembrar do preconceito que sofria por ser apresentador. “Fui ser chamado de jornalista há meses”, diz, ressaltando a injustiça com que grande parte da mídia trata apresentadores sem funções editoriais. “Achavam que quem estava ali era um mero leitor, mas profissionais como Cid Moreira têm uma qualidade insuperável em seu ofício.”
Como editor-chefe do JN, Bonner é bem diferente da imagem séria vista diariamente pelos mais de 30 milhões de espectadores do telejornal. “O William parece sério no ar desde os 24 anos, mas na redação está bem próximo do jeito brincalhão de casa”, conta Fátima. A descontração costuma ser a marca das reuniões comandadas por Bonner, onde há espaço para brincadeiras em meio à discussão de assuntos sérios. “Minha equipe é jovem e não precisa estar condenada a fazer uma reunião barra pesada todo dia”, diz.
William, porém, enfrentou uma barra em 1999, logo que assumiu o JN. Debaixo de forte pressão nos três primeiros meses, que ele atribui a uma conjugação de vaidades feridas pela sua escolha, pensou em desistir. Um período de férias o fez mudar de idéia. “Se continuasse a ter discussões homéricas, me deixando influenciar por aquele clima, transformaria a vida de todos ali num inferno.” A solução foi sublimar a pressão até que ela desaparecesse. “Isso eu consegui, e considero uma grande vitória pessoal” diz Bonner, dando, enfim, uma trégua à modéstia.