segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

BANDIDO DAS ESTRELAS

Quando o repórter chegou para seu primeiro plantão de madrugada no jornal de renome, na redação histórica, enorme, o bandido das estrelas já tinha ficado meio que famoso, ao chamar jornalistas pra dar entrevista. A edição de domingo já estava indo pras bancas e pra mudar alguma coisa só se fosse até onze ou meia-noite, no máximo, e só se fosse o avião do papa, como gostava de dizer o secretário gráfico que ainda não tinha voltado ao jornal nessa época. O plantão era, portanto, tranqüilo, e assim foi até um pouco só depois da fatídica meia-noite, quando, quase em frente ao meio do grande H que era a redação do velho JB na época, no lugar da chefia de reportagem o repórter foi avisado, pelo super Nelsinho, então na escuta, da fuga do bandido das estrelas que só pôde entrar na edição seguinte. Depois o bandido das estrelas virou livro de outro repórter, este já consagrado, e em 2003, no mesmo ano em que a história de sua vida foi lançada, morreu na prisão, vítima de uma emboscada.

A matéria abaixo foi assinada também pela Ana Cláudia Costa e pelo Wilson Aquino. A foto que abre o texto é do Jorge William.

Jornal do Brasil, edição de segunda-feira, 28 de outubro de 1996

"O Marcinho VP e o próprio tráfico no Dona Marta não têm expressão. Se fosse importante no esquema de venda de drogas, não revelaria seu rosto para a imprensa, como fez na ocasião".



O chefe de Polícia Civil, delegado Hélio Luz, minimizou ontem a fuga de sete presos da carceragem da Polinter, na Zona Portuária. Luz fez questão de dizer que os três fugitivos mais conhecidos - Marcinho VP, Lambari e Rogerinho - são homens do terceiro escalão do tráfico de drogas no Rio e não têm a importância que o noticiário está dando a eles. O secretário estadual de Segurança Pública, general Nilton Cerqueira, fez coro às declarações do chefe de Polícia.
Marcinho VP (Márcio Amaro de Oliveira) ganhou fama depois que desafiou o governo do estado e negociou um salvo-conduto para o cantor Michael Jackson e sua equipe filmarem um clipe no Morro da Dona Marta, em Botafogo (Zona Sul). Os traficantes Lambari (Marcus Vinícius da Silva) e Rogerinho (José Rogério Soares) integram o grupo que controla o tráfico no Jacarezinho, na Zona Suburbana.
Hélio Luz frisou que, se Marcinho VP fosse uma grande figura do tráfico carioca, não teria se exposto tanto no caso da gravação de Michael Jackson. "O Marcinho VP e o próprio tráfico no Dona Marta não têm expressão. Se fosse importante no esquema de venda de drogas, não revelaria seu rosto para a imprensa, como fez na ocasião", ressaltou.
Já no caso da fuga de Lambari e Rogerinho, o chefe da Polícia Civil demonstrou maior preocupação. Embora insista em negar que estejam na linha de frente do tráfico, ele reconheceu que os dois são importantes no esquema do Jacarezinho. "Deu trabalho para prender esses homens e vai dar mais ainda para recapturá-los".
Apesar da fuga, Luz disse que a polícia continua ganhando a guerra contra o tráfico, já que os principais traficantes estão presos. Segundo o delegado, os únicos que ainda estão em liberdade são Robertinho de Lucas e Ulisses de Vigário Geral. "E só estão livres porque fugiram do Rio".
Quanto ao suborno ao detetive e carcereiro Aroldo Veloso Dias, o Paquetá, para que facilitasse a fuga, Luz disse que o caso não vai ameaçar a posição do diretor da Divisão de Capturas, Enéas Sá Freire. O delegado afirmou que, a princípio, Enéas Sá Freire permanece, a menos que fique comprovada alguma negligência. Luz disse que o comando das investigações está a cargo do delegado Paulo Maiato, subchefe de Polícia Civil.
Para o secretário de Segurança Pública, general Nilton Cerqueira, a fuga da Polinter é preocupante. Mas ele deu total apoio à posição do chefe de Polícia Civil sobre a falta de expressão dos fugitivos. Nilton Cerqueira lembrou que se Marcinho VP fosse uma liderança expressiva do tráfico, estaria em Bangu I e não na Polinter.

Duzentos reais. Ninguém na polícia tem dúvidas de que o detetive e carcereiro Aroldo Veloso Dias foi subornado para facilitar a entrada de Arlete Monteiro Carvalho, de 32 anos, presa pouco depois, e da mulher conhecida apenas como Janete, que seria namorada do traficante Téia (Francisco Dias Filho), o fugitivo que teria recebido a pistola usada para a fuga.
A arma estava escondida sob as roupas de seu filho, Clêiton, de 2 anos, que Janete levava no colo. Arlete, que não conseguiu escapar com a confusão, foi encontrada na cela 12, a mesma em que estava o detetive Paquetá. Ela confirmou que o policial recebeu R$ 200 para deixá-las entrar. "A gente tinha vindo de manhã, mas o outro policial (o detetive Jorge Firmino de Araújo, conhecido como Marron) não quis conversa. Aí, o seu Paquetá mandou a gente voltar depois das quatro da tarde", contou Arlete, jurando que não sabia do plano de fuga. "A Janete só me contou sobre a arma quando a gente já estava na carceragem", revelou ela, que receberia R$ 100 por ter feito companhia a Janete.
Já o inspetor Rubens Paladini, chefe de operações da Polinter, disse que o detetive Paquetá se refugiou sozinho na cela 12 da carceragem, após ser rendido por Téia. Paladini contou também que os presos queriam matar os outros dois carcereiros que estavam de plantão. Um deles, Cléber Jorge do Nascimento, foi baleado no rosto por Rogerinho, porque se recusou a abrir uma das portas. "O Rogerinho queria matar todos os policiais, mas foi dissuadido pelo Marcinho VP". O outro carcereiro, Emanuel Nascimento de Albuquerque, foi salvo por um preso de confiança, que o ajudou a se esconder. Paquetá e Emanuel estão presos.
A fuga só não foi em massa porque o detetive Marron, que pela manhã barrara a entrada das mulheres, reagiu a tiros. O inspetor Paladini contou que Marron ouviu quando Rogerinho atirou num dos carcereiros e cercou a saída do prédio. O policial trocou tiros com os bandidos, que haviam roubado uma metralhadora, um fuzil, duas escopetas e dois revólveres do paiol da Polinter.
Até ontem, apenas um dos detentos tinha sido recapturado, o homicida Luís Paulo Lopes. Enquanto o chefe de Polícia Civil, delegado Hélio Luz, procurou minimizar a gravidade da fuga, Paladini mostrava preocupação, especialmente por causa de Rogerinho. "É um assassino que gosta de dar tiro em policial".
Segundo Paladini, a polícia não realizou nenhuma grande operação para recapturar os fugitivos porque sabe que eles não voltaram para seus redutos, devendo estar em outros esconderijos. Além de Marcinho VP, Rogerinho, Lambari e Téia, escaparam também os traficantes Márcio de Azevedo Doréa e Camilo Zaider Filho.