terça-feira, 23 de agosto de 2016

OLÍMPICO.

Anteontem, ele encerrou os Jogos Olímpicos de 2016, aqui no Rio de Janeiro. E na entrevista abaixo, treze anos mais novo, ele trabalhava pela segunda vez para trazer a Olimpíada para o Brasil, seis anos antes da terceira e enfim vitoriosa tentativa.

Revista Istoé Gente, edição 208, de 28 de julho de 2003

"Saímos de Paris, onde jogamos uma partida e fizemos quatro escalas até Tóquio. Na última delas, no Camboja, permanecemos horas dentro do avião por causa da guerra do Vietnã".

Ele já disputou uma Olimpíada como atleta, foi o principal responsável pela evolução do voleibol brasileiro – durante os 21 anos em que presidiu a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), de 1975 a 1996 – e trouxe para o País os Jogos Panamericanos de 2007, quando o Rio de Janeiro venceu San Antonio na primeira derrota de uma cidade americana. Agora, o desafio do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, 61 anos, é maior: trazer para o Brasil os Jogos Olímpicos de 2012, numa disputa com outras oito cidades (Havana, Istambul, Leipzig, Londres, Madri, Moscou, Nova York e Paris), cujo resultado será divulgado em julho de 2005. Lembrando que o esporte o ajudou a superar a morte da mãe, quando tinha 10 anos, Nuzman promete se empenhar ao máximo na briga pela Olimpíada. “Os Jogos abrem as possibilidades de crescimento de um país, e o Brasil precisa disso”, diz o pai de Larissa, 20, filha de seu casamento com Patrícia Nuzman, e padrasto de Ana Rita, 22, e Ana Clara, 20, filhas da atual mulher, a jornalista Márcia Peltier, com quem está casado há 5 anos.

Após a tentativa frustrada de trazer a Olimpíada de 2004 para o Rio, acha que agora a cidade tem chances?
A Rio 2004 foi uma candidatura política. O próprio Comitê Olímpico Internacional mudou o sistema depois, obrigando os comitês olímpicos nacionais a estarem na linha de frente das candidaturas. Naquela ocasião, o COB meramente emprestou o nome e deu apoio. Não acreditava na vitória naquela época.

E agora, acredita na vitória do Rio?
Apesar de ser a candidatura mais difícil de todas, porque as cidades envolvidas são as principais do mundo, o Rio, como São Paulo também faria se fosse escolhida, parte de um processo mais pé no chão. Temos um dossiê feito em nível internacional e as garantias políticas e financeiras dos governos federal, estadual e municipal.

Na condição de carioca, como manteve a imparcialidade na escolha do COB entre Rio e São Paulo?
Segui o que o COI exige como termos de candidatura. Foi instituída a comissão de avaliação, o colégio eleitoral, e eu me abstive de votar. Também não participei das visitas e nem das reuniões da comissão, que era formada quase que só por pessoas de fora do Rio e de São Paulo. A partir do momento que me coloquei dessa maneira, fiquei à vontade para dirigir o processo.

Torceu pelo Rio?
Não. Torci pela decisão que melhor repercutiria internacionalmente. Nessa disputa o Rio teve a vantagem de ter sido escolhida para sediar o Pan de 2007, porque, graças a isso, a cidade já tinha um dossiê aprovado pela Organização Desportiva Panamericana (Odepa). Lógico que o orçamento de um Pan é de US$ 225 milhões e, numa Olimpíada, falamos em alguns bilhões de dólares, mas a vitória no Pan 2007 não deixou de ajudar.

Acha que a violência na cidade pode atrapalhar a candidatura?
Existe essa questão, só que aqui você sabe quem é o inimigo. Quando há terrorismo não se sabe, e isso não passa pelo Rio. Se a violência é um problema para nossa candidatura, o terrorismo é um problema muito maior para nossas principais adversárias, e não é só Nova York. A Inglaterra e a França também convivem com isso, a Rússia, enfim, todas as cidades têm problemas ou de segurança, como nós, ou de terrorismo. É inevitável, só que aqui temos como identificar o inimigo e combatê-lo.

Como seria esse combate?
A linha do COI é que o projeto de segurança de uma cidade olímpica apresente um comando único nessa área, que deve ser exercido por um general, até por questão hierárquica. Todas as polícias e, se preciso, as Forças Armadas, devem estar subordinadas a esse general, que trabalharia em conjunto com uma assessoria de segurança internacional.


A poluição de lugares como a Baía de Guanabara, onde seriam as provas de iatismo, preocupa?
É uma questão importante e não poderá ser apresentada da forma que está. O meio ambiente hoje é um dos pilares no movimento olímpico. Tem de haver uma apresentação de solução, sim. Dou o exemplo de Pequim, que tem um nível de poluição maior que o Rio e, para sediar a Olimpíada de 2008 está executando um trabalho magnífico.


Pensa em usar estrelas do esporte, como Ronaldinho, na campanha?
É importante porque são pessoas com repercussão internacional e que trazem o apoio da população, porque você tem de apresentar ao COI índices de pesquisas mostrando que a população da cidade apoia os jogos. Mas essas estrelas não influem na votação. O próprio presidente do COI (o belga Jacques Rogge) ironizou o estardalhaço que Londres fez com o David Beckham, dizendo que seria uma honra ter o jogador e a mulher dele (a ex-spice girl Victoria Beckham) na campanha, mas que isso não renderia votos aos ingleses. Mas penso em usar essas estrelas, inclusive o Ronaldinho. Seria interessante, porque ele é carioca e trabalha em Madri, outra cidade candidata. Aliás, é engraçada a situação do Real Madri, um time que tem representantes da Inglaterra (Beckham), França (Zidane) e Brasil nessa disputa.


Trazer uma Olimpíada ao Brasil seria o ápice de sua carreira?
É um grande desafio e um desejo de retribuir ao Brasil e ao esporte o que fizeram por mim. Perdi minha mãe (Esther Nuzman) com 10 anos de idade e foi o esporte que me levantou. Aprendi muita coisa fora de casa, praticando esporte, porque não tinha quem me ensinasse. O esporte foi a alavanca que me ajudou a passar por grandes encruzilhadas, aqueles momentos em que você escolhe o caminho do bem ou do mal. Naquele momento em que estava fragilizado, com 10 anos, meu pai e meus avós me levaram para o esporte. Fui nadar e jogar tênis no Fluminense, depois é que o vôlei entrou na minha vida.


Como foi a morte de sua mãe?
Ela morreu queimada, dentro de casa, num acidente com o aquecedor do banheiro. Riscou um fósforo que caiu num vidro de álcool que estava aberto. Uma fatalidade. Ficou o trauma. Só comecei a falar sobre isso depois de disputar o mundial de vôlei de 1962, pela Seleção Brasileira. Aliás, não assisti ao casamento de minha única irmã (Elisa, falecida em 1993, de câncer) para viajar com a seleção. Daquela fragilidade inicial passei a ter a personalidade de saber o que representava ir a um mundial. Isso foi o esporte que me deu, e sei que ele pode dar aos outros, até para melhorar a questão social do Brasil.


O senhor também passou por outra tragédia familiar, com a morte de sua primeira mulher, Patrícia...
Prefiro não falar sobre isso, até pelas circunstâncias. (Patrícia morreu em 1996 ao cair de um prédio, na zona sul carioca.)


Que experiências guarda da época em que jogava vôlei?
Joguei até os 30 anos e participei dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964. Ficamos em sétimo entre 10 equipes. Era tudo diferente. Os uniformes eram os mesmos de uma competição para outra, cada um comprava seu tênis e levava a própria bolsa com material para os treinos. Me lembro que saímos de Paris, onde jogamos uma partida e fizemos quatro escalas até Tóquio. Na última delas, no Camboja, permanecemos horas dentro do avião por causa da guerra do Vietnã. No Japão, ficamos em casas que tinham sido construídas para os soldados americanos que lutaram na guerra da Coréia (entre 1950 e 1953).


Foi sua única Olimpíada?
Foi. Em 1968 fui convocado para os jogos do México, mas trabalhava como advogado no escritório do meu pai (o advogado Izaac Nuzman, falecido em 1988), que não me deu colher de chá. Naquela época tinha esse problema ainda. Jogador de vôlei tinha de trabalhar fora do esporte para se sustentar. Mas como já tinha disputado uma Olimpíada, já tinha entrado no grupo dos atletas olímpicos, e o Brasil não ia brigar por medalha mesmo, não me chateei tanto.


É verdade que tentou ser técnico de vôlei?
Tentei, mas não tive paciência. Fiquei dois meses treinando o time da Hebraica, no Rio, mas achava que a garotada não aprendia tão rápido quanto eu achava que devia. A paciência que não tinha como técnico fui ter quando me tornei dirigente.

Como assim?
O marco de minha experiência política foram os conselhos do presidente João Havelange (ex-presidente da Fifa) depois que perdi a eleição para o COB em 1979. Ele me disse, quando voltávamos da Olimpíada de Moscou (1980), que no esporte a gente tem de aprender a ter paciência. Essa lição aprendi bem. Costumo dizer que a derrota em 1979 virou vitória, porque pude fazer meu trabalho no vôlei, vendo o esporte ser campeão olímpico e mundial de várias gerações. Presidi o Conselho Mundial de Vôlei de Praia e introduzi o esporte
nos jogos olímpicos, vendo o Brasil ser campeão em 1996 (medalha de ouro da dupla Sandra e Jaqueline). Depois disso tudo é que vim a presidir o COB.


Como concilia a vida profissional, com tantas viagens, com a vida privada?
A Márcia me ajuda muito. É extremamente compreensiva, amiga, me apóia como eu a apóio no trabalho dela no jornal e na televisão. Quando ela pode, acompanha nas viagens. É uma relação madura, adulta e de muito amor. Nosso entendimento é muito grande, acho até que somos um exemplo.


Como vocês se conheceram?
Tinha ficado viúvo e a Márcia tinha se separado. Nos conhecíamos socialmente e de entrevistas que ela já tinha feito comigo, apesar de ela dizer que nas entrevistas eu não dizia tudo. Convidei-a para sair depois de um almoço na casa de amigos em comum e desse dia em diante ficamos juntos, e vamos estar juntos até morrer. Que demore muito.


Alguma entrevista feita por ela com você foi mais marcante?
Fiz uma, antes dos jogos de Atlanta, que ela não deve ter gostado porque não respondi quase nada. Eram aquelas perguntas sobre chance de medalhas e nunca falei sobre isso, para não prestigiar um esporte em detrimento de outros. Depois, revendo a entrevista, a Márcia reconheceu que tinha perdido o tempo dela.