quarta-feira, 31 de agosto de 2016

GOLPE

Por mais que já fosse esperado, há que se postar alguma coisa na data de hoje, só pra registro.

A matéria abaixo saiu assinada no alto da página, ao lado da palavra 'editor'. A foto de abertura é do Ricardo Stuckert.


Jornal do Commercio, edição de sexta-feira, primeiro de abril de 2016


"Eu lamento que o vice eleito na nossa chapa, com o nosso programa, participe agora de um impeachment sem base legal. Isso tem nome. É golpe".


Centenas de milhares de pessoas contrárias ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff realizaram ontem, em todo o País e no exterior, manifestações em favor da democracia e contra o que classificam de golpe dos opositores contra o resultado das eleições presidenciais de 2014. O protesto principal, convocado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), reuniu cerca de 200 mil pessoas em Brasília, segundo os organizadores, para uma marcha do estádio Mané Garrincha até o Congresso Nacional. Também houve manifestações no Rio de Janeiro, em São Paulo, Porto Alegre, São Luís, Fortaleza, Recife, Maceió e Aracaju, entre outras cidades, incluindo todas as capitais dos 26 estados do País.
No maior ato pró-Dilma já realizado em Brasília, o Partido dos Trabalhadores, apoiado pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, por entidades sindicais e movimentos sociais, reuniu milhares na Esplanada dos Ministérios, especialmente em frente ao Congresso. A data coincidiu com os 52 anos do Golpe de 1964, quando o regime militar destituiu o então presidente João Goulart, dando início à ditadura no Brasil. Políticos do PT e de legendas contrárias à destituição de Dilma do poder participaram do ato. A expectativa da Jornada Nacional em Defesa da Democracia era reunir 150 mil pessoas. De acordo com os organizadores, esse número teria chegado a 200 mil - cinco vezes mais que o registrado pela PM, que mantece 870 policiais e 206 bombeiros na região central da cidade. Na alameda dos estados, em frente ao Congresso, se concetrou um carro de som onde lideranças e políticos discursavam contra o "golpe à democracia, contra o povo e a Constituição".
Entoando canções de artistas nacionais, como Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, manifestantes se emocionavam e gritavam palavras de ordem pró-Dilma, pela democracia e contra o "golpe". Apresentações musicais e o estouro de fogos de artifício marcaram alguns momentos do evento. A todo momento, o processo de impeachment da presidenta da República, em análise na Câmara dos Deputados, era tratado como uma ação golpista de tomada do poder por grupos de direita. No trajeto rumo à Esplanada, os manifestantes eram recebidos com aplausos e o apoio de hóspedes do Setor Hoteleiro Sul.
Artistas que estiveram no Palácio do Planalto mais cedo em uma solenidade com a presidenta Dilma, como a atriz Letícia Sabatella e o cartunista Ziraldo, discursaram contra o impeachment. Ainda no estádio, entidades como a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), Movimento dos Sem Terra (MST), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e sindicatos filiados à CUT foram identificadas. O clima era de harmonia e muitas crianças acabaram levadas à manifestação. Por volta das 21h30, o grupo já começava a se dispersar.
Esperado no evento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cancelou sua participação, mas enviou uma gravação veiculada pelos organizadores. No áudio, Lula criticou o processo de impeachment contra Dilma e voltou a dizer que impedimento sem base legal é golpe. O ex-presidente afirmou que o brasileiro "não fecha os olhos" para os problemas do País, mas também não aceita "andar pra trás". Mesmo sem citar o vice-presidente Michel Temer ou o PMDB diretamente, Lula segue na estratégia alinhada com o Planalto de evidenciar o risco de regressão de direitos sociais num eventual governo Temer.
Lula também reforçou o argumento petista de que Dilma não cometeu crime de responsabilidade e que, portanto, seu impeachment seria golpe. "A sociedade brasileira sabe o quanto custou recuperar a liberdade e a legalidade, quanta luta, quanto sacrifício, quantos mártires. E nessas três décadas de vida democrática, aprendemos que um grande país se constrói caminhando sempre adiante, consolidando e conquistando novos direitos coletivos e individuais", afirmou Lula no vídeo postado à tarde nas redes sociais.
Em São Paulo, além do repúdio ao impedimento da presidenta, o vice-presidente Michel Temer foi um dos principais alvos do protesto pró-governo. A Frente Brasil Popular, grupo que reúne entidades sociais e partidos de esquerda contra o impeachment, reuniu milhares de pessoas na Praça da Sé, em um ato marcado também por críticas ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Segundo os organizadores, foram 50 mil manifestantes. Já a Polícia Militar calculou 18 mil participantes. Escalado para falar em nome do PT, o presidente do diretório estadual do partido em São Paulo, Emidio de Souza, chamou o vice-presidente de golpista. "Temer poderia passar para a história do Brasil como constitucionalista, mas junto com o (Eduardo) Cunha vai passar para a história como golpista".
Depois de chamar Cunha de "ladrão do erário público", Emidio usou as acusações contra o presidente da Câmara para desqualificar o processo de impeachment contra Dilma. "Eles falam muito em ética, mas se gostassem de ética não botavam um ladrão como Eduardo Cunha para cuidar do processo de impeachment". Emidio também ironizou o desembarque do PMDB do governo. "O Brasil está vivendo o terceiro dia sem o PMDB no governo desde a Nova República".
O presidente nacional do PT, Rui Falcão, adotou um tom mais brando mas também não poupou Temer. "Eu lamento que o vice eleito na nossa chapa, com o nosso programa, participe agora de um impeachment sem base legal. Isso tem nome. É golpe", disse Falcão. Segundo ele, os ministros peemedebistas que se recusam a seguir a decisão da direção partidária de desembarcar do governo "não coadunam com aquele ato que alguns chamaram de farsa".
No Rio, o ato contra o impeachment da presidenta Dilma, realizado no Largo da Carioca, no Centro, reuniu cerca de 50 mil, contou com a participação de artistas e, além da defesa da democracia, lembrou as vítimas da ditadura militar. O cantor e compositor Chico Buarque esteve na manifestação e falou brevemente ao público. O artista afirmou que havia no ato quem votou no PT e em outros partidos, mas, sobretudo, pessoas que não colocam em dúvida a integridade da presidenta Dilma Rousseff. Chico lembrou do golpe de 1964 e pediu o fortalecimento da democracia. "Estamos aqui em defesa intransigente da democracia", disse. O compositor fez uma selfie acompanhado de lideranças do PT, inclusive Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do ex-presidente Lula.
Na manifestação, houve muitas críticas ao PMDB, à mídia, principalmente a Rede Globo, e a Eduardo Cunha. O juiz Sergio Moro, responsável pelo processo da operação Lava Jato na primeira instância, também não foi poupado. Os participantes gritaram palavras de ordem, como "não vai ter golpe, vai ter luta". Em repetidas vezes, os manifestantes cantaram a música Vou festejar, sucesso de Beth Carvalho, cujo refrão diz: "você pagou com traição a quem sempre te deu a mão". Os militantes pediram a renúncia de Temer, junto com a saída do PMDB do governo. Houve um minuto de silêncio para lembrar as vítimas da ditadura militar no Brasil. O ato foi organizado pelos movimentos sociais Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo, composto por sindicatos, associações de trabalhadores, estudantes e camponeses.
Em Belo Horizonte, a manifestação contra o impeachment, na Praça da Estação, no Centro, foi conduzida basicamente por artistas locais e reuniu 35 mil, nas contas de organizadores. Poucos políticos participaram do ato, organizado pela Frente Brasil Popular. "Existe um movimento golpista no Brasil que precisa acabar. Caso isso não aconteça, o MST vai se manifestar diariamente em todo o País", disse o coordenador do MST em Minas Gerais, Silvio Neto. Em Salvador, de acordo com os organizadores, 20 mil pessoas participaram da manifestação. No Recife, o cálculo era de 90 mil na Praça do Derby, na região central da cidade. Também houve atos em outras capitais, como Campo Grande, João Pessoa, Florianópolis, Curitiba e Natal.
O PMDB comandado por Temer apresentou, ainda no ano passado, o programa do partido chamado "Uma ponte para o futuro". De teor liberal, o texto é considerado um plano para a possível gestão Temer, se o impeachment vingar. O plano traz propostas como reduzir o tamanho do Estado, desburocratizar licenciamentos ambientais, ampliar o espaço de atuação da iniciativa privada e, o que gera mais polêmica com centrais sindicais e movimentos sociais, uma 'flexibilização' de regras trabalhistas, dando mais poder à negociação direta entre patrões e empregados ou entidades de classe e menos à legislação. Centrais veem a proposta como um perigoso enfraquecimento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Os organizadores do protesto a favor do governo da presidenta Dilma Rousseff em Porto Alegre afirmaram que 80 mil pessoas participaram do ato desta quinta-feira, que começou às 17 horas com uma concentração na Esquina Democrática, histórico reduto de manifestações populares da cidade. Diversas lideranças sociais e políticas discursaram do alto de um carro de som, entre elas o ministro Miguel Rossetto. Em uma breve fala, ele pediu que os militantes convençam os deputados a votar contra o processo de impeachment da presidenta.
Rossetto também falou sobre o lançamento da fase três do Minha Casa Minha Vida e disse que "os golpistas" vão acabar com o programa, uma das principais bandeiras da administração petista. Assim como nos outros estados brasileiros, a defesa do mandato de Dilma foi o mote central do protesto, organizado por grupos sindicais e sociais ligados ao PT. Os cartazes e os gritos dos manifestantes no chão reforçavam o discurso das lideranças que subiam no carro de som. As principais críticas se dirigiram ao processo de impeachment. "Não vai ter golpe" foi a frase mais entoada pelos participantes. Também houve críticas ao vice-presidente da República e ao presidente da Câmara dos Deputados. Em vários momentos os manifestantes cantaram: "ô, Cunha, pode esperar, a tua hora vai chegar".
O protesto transcorreu de forma pacífica. Após o discurso de Rossetto, pouco depois das 20 horas, a multidão deixou a concentração e fez uma passeata saindo da Avenida Borges de Medeiros até o Largo Zumbi dos Palmares, na zona central da cidade. Lá, a mobilização seguia no decorrer da noite, com apresentações culturais.
O ato de apoio ao governo se repetiu em algumas cidades no exterior, como Berlim, Lisboa, Londres e Paris. Em Buenos Aires, cerca de 150 argentinos e brasileiros marcharam pelo centro da capital argentina. O ponto de encontro do ato foi a Embaixada do Brasil e os manifestantes seguiram em passeata até o tradicional Obelisco.