quinta-feira, 15 de setembro de 2016

POWERPOINT

O acusador já havia pregado em templo religioso, clamando aos céus que aceitassem suas denúncias sem provas, e de novo convocava a imprensa amiga para a entrevista coletiva no hotel de luxo, dessa vez com a expectativa de juízo final, da denúncia que todos esperavam, contra o inimigo número um. Viriam bombas, provas, enfim, alguma consistência além de pedalinhos e barquinhos de lata, pensavam todos, certamente, quando o acusador adentrou o salão royale finamente decorado, anunciado pelo mestre-de-cerimônias com nome, sobrenome e cargo, como, aliás, todos os demais ocupantes da mesa, todos, como ele, acusadores.

O acusador procurou desde o início de tudo ao lado de seus colegas incensados pela mídia corporativa, com direito a capa a remeter aos intocáveis com ele no centro da equipe, a posar de Eliot Ness. Procurou com a ajuda estrangeira, do Norte, pra onde a equipe intocável viajou levando informações confidenciais de estatais daqui, trazendo de lá um manancial de dados, denúncias de um esquema antigo, de muito antes de Paulo Francis, que serviram para, com a ajuda de um juiz de primeira instância igualmente inacreditável, inaceitável, bombardear a economia nacional dizimando as maiores empresas de infra-estrutura e deixando quietas, lógico, as instituições financeiras. O acusador procurou e ajudou a derrubar, com a cronologia pensada, com as datas marcadas dos vazamentos ilegais, jamais com alguma prova sequer além da delação obtida com a prisão, também sem provas, um governo eleito pelo povo, pra botar outro no lugar que às pressas começou a abrir para o Norte a economia estatal, vendendo o pré-sal.

O acusador procurou tanto, com tanto afinco, há tanto tempo que só podia ter algo sério a mostrar, pensavam os que por ele torciam, e ainda torcem, tinha de ter algum dado cabal a revelar, com toda a pompa e circunstância, de maneira espetacular, quando do alto do púlpito, com a garrafinha de água mineral ao lado, o copo de cristal, ligou o powerpoint digno de reunião da Amway, com o grande círculo no meio e o nome: Lu-la, envolto por outros círculos menores onde estavam todas as mazelas do País, com termos novos também, pra uso da mídia parceira, e de novo, mais uma vez, sem provas, só convicção, convicção e prisão, sem provas, prisão e delação.

Antes dessa denúncia constrangedora, na base do powerpoint de curso motivacional, a matéria abaixo mostrou até onde podem chegar o acusador e sua equipe, ao lado do tal juiz de primeira instância, se não houver reação.

Jornal do Commercio, edição de sábado, domingo e segunda-feira, 5, 6 e 7 de março de 2016


"Um ex-presidente da República, sem ter oposto resistência física, ser conduzido coercitivamente revela em que ponto nós estamos. A coisa chegou ao extremo".


O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado de sua casa em São Bernardo do Campo (SP) na manhã desta sexta-feira, por volta das 7h, sob um mandado de condução coercitiva para prestar depoimento no âmbito da 24a fase da operação Lava-Jato, que mobilizou cerca de 200 policiais federais e 30 auditores da Receita Federal para cumprir 34 mandados de busca e apreensão, e 11 de condução coercitiva, incluindo o de Lula. O depoimento durou cerca de três horas, no escritório da Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas. Ao voltar pra casa, às 17 horas, Lula desceu do carro e caminhou a pé junto a centenas de apoiadores que cantavam: "Lula, guerreiro, do povo brasileiro". "Não precisaria levar uma coerção à minha casa, dos meus filhos. Não precisava, era só ter me comunicado. Lamentavelmente preferiram usar a prepotência, a arrogância, o show de pirotecnia. É lamentável que uma parte do Judiciário esteja trabalhando com a imprensa", disse o ex-presidente.
Em uma crítica à decisão do juiz titular das investigações da operação Lava-Jato na primeira instância, Sérgio Moro, da Justiça Federal de Curitiba, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), demonstrou preocupação com a condução coercitiva do ex-presidente Lula. "Me preocupa um ex-presidente da República ser conduzido debaixo de vara", disse. De acordo com o ministro, a Polícia Federal deveria ter "observado os parâmetros normais" e intimado Lula a prestar depoimento em vez de levá-lo contra sua vontade. "Um ex-presidente da República, sem ter oposto resistência física, ser conduzido coercitivamente revela em que ponto nós estamos. A coisa chegou ao extremo", afirmou Mello. Apesar disso, o ministro disse que a condução coercitiva de Lula não prejudicava a legitimidade das investigações. O Ministério Público Federal (MPF) argumentou que o mandado de condução coercitiva contra Lula foi necessário por questões de segurança, já que um depoimento agendado do ex-presidente implicaria em maior chance de tumulto.
Mais tarde, a ministra do STF Rosa Weber negou liminar à defesa do ex-presidente, que pedia a anulação da operação desta sexta por conflito de atribuição entre o MPF e o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), já que ambos investigam os mesmos fatos sobre os mesmos imóveis, um sítio em Atibaia (SP) e um apartamento no Guarujá. "Os próprios órgãos investigadores não reconhecem a existência do conflito de atribuição, e o entendimento do STF é no sentido de que não cabe à eventual parte interessada provocar a competência da Corte para que decida sobre suposto conflito suscitado arbitrariamente", disse a ministra.
O ex-presidente depôs durante toda a manhã e após ser liberado, antes de voltar para casa, seguiu para a sede do diretório nacional do PT em São Paulo. À tarde, Lula fez um pronunciamento dizendo estar indignado e que se sentiu como um "prisioneiro", mas que está disposto a percorrer o País para defender o projeto petista de governo. "Hoje, na minha vida, é o dia da indignação, é o dia da falta do respeito democrático, o dia do autoritarismo. Tentaram matar a jararaca, mas não acertaram na cabeça, acertaram no rabo. A jararaca tá viva, como sempre esteve. Agora vão ter que me enfrentar nas ruas".
Lula reiterou que o sítio Santa Bárbara, em Atibaia, sob suspeita de ser sua propriedade, não é dele. "Agora eu não posso usar a chácara porque é crime". Segundo Lula, o País é "vítima do espetáculo midiático que coloca como corrupção um barco de R$ 4 mil da Dona Marisa". Ele se referia ao barco usado pela ex-primeira-dama no lago do sítio. Lula criticou a divulgação da compra de dois pedalinhos também usados no sítio. "...se preocupando com pedalinho de R$ 2 mil que ela (Marisa) comprou para os netos, se preocupando porque eu estou utilizando chácara de um amigo. Eu uso a do amigo porque os inimigos não me oferecem. Os Marinhos não me oferecem o triplex deles em Paraty", afirmou, citando casa construída em área de proteção ao meio ambiente na Costa Verde do estado do Rio de Janeiro, que é motivo de investigações por denúncias de crime ambiental e que pertenceria à família proprietária das organizações Globo.
O ex-presidente criticou a imprensa pelo que considera um "espetáculo midiático" e disse que "hoje quem condena as pessoas são as manchetes". "A minha indignação é pelo fato de seis horas da manhã terem chegado na minha casa vários delegados, aliás, muito gentis, pedindo desculpas, que estavam cumprindo uma decisão judicial e a decisão era do juiz (Sérgio) Moro", disse Lula. "Não devo e não temo", completou.
Em relação às palestras realizadas pelo ex-presidente e negociadas por meio do Instituto Lula - a instituição também foi alvo de mandado de busca e apreensão nesta sexta -, Lula comentou: "sou, sim, um dos palestrantes mais caros do mundo. Só fico atrás do Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos). Cobro US$ 200 mil, sim, porque sei o que fiz para este país".
Embora o Palácio do Planalto já esperasse alguma ação da Lava Jato contra Lula esta semana, foi surpreendido com o mandado de condução coercitiva contra o ex-presidente e os de busca e apreensão envolvendo membros da sua família e pessoas próximas. A presidenta Dilma Rousseff manifestou em nota seu "integral inconformismo" com a condução coercitiva de Lula e classificou a medida como "desnecessária", lembrando que Lula já foi "por várias vezes" prestar esclarecimentos às autoridades de forma espontânea. A presidenta defendeu que o respeito aos direitos individuais pressupõe a adoção de medidas proporcionais "que jamis impliquem em providências mais gravosas do que as necessárias para o esclarecimento de fatos". O presidente do PT, Rui Falcão, pediu que todos os diretórios estaduais entrem em vigília e disse que o momento é de mobilização dos militantes.

A mais recente fase da Lava Jato ocorreu nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Foram alvo de mandados de busca cumpridos pela PF nesta sexta, além do ex-presidente, a empresa de palestras de Lula, a LILS, o Instituto Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia e os filhos do ex-presidente Fabio Luis, Sandro Luis, Luis Cláudio e Marcos Claudio, que têm participação em empresas investigadas. Além deles, a PF também fez buscas em endereços ligados a Paulo Okamoto, atual presidente do Instituto Lula, e ao ex-presidente do instituto José de Filippi Júnior, assim como a uma secretária de confiança de Lula. O MPF chegou a pedir a prisão temporária de Okamoto e José de Filippi, assim como a de um executivo da empreiteira OAS, mas Sergio Moro rejeitou. Em vez disso, os três foram levados pela PF para prestar depoimento. Segundo o MPF, estão sendo investigados pagamentos feitos por construtoras beneficiadas no esquema Petrobras em favor do Instituto Lula e da LILS Palestras, em razão de suspeitas levantadas pelos ingressos e saídas dos valores.
A Receita Federal, que colabora na Lava Jato, disse haver uma possível "confusão operacional financeira" entre o Instituto Lula e a LILS Palestras, a primeira isenta de impostos e a segunda com receitas tributadas. No último sábado, durante comemorações pelo aniversário do PT, Lula disse que tinha sido informado de que teria seus sigilos bancário, telefônico e fiscal quebrados. "A partir de segunda-feira vão quebrar meus sigilos fiscal, telefônico, tudo, meu, da Marisa, da minha netinha e até da minha mãe. Esse é o preço? Eu pago", disse Lula. "Mas eu duvido que tenha um mais honesto do que eu".
Procuradas, Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão disseram que não se pronunciariam sobre o assunto. Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez ainda não tinham respondido a pedidos de comentários até o fechamento desta edição. A UTC disse que a LILS Palestras foi contratada para uma conferência de Lula, em dezembro de 2012, na sede da empresa em São Paulo. A companhia afirmou ter repassado ao MPF a documentação relacionada ao evento.